No plano internacional

AutorJadir Cirqueira de Souza
Páginas49-62

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Antes da abordagem relativa aos aspectos históricos da evolução jurídica da defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, nos planos internacional e nacional, é preciso recordar que a interdisciplinari-dade e o conhecimento dos vários ramos do Direito constituem uma das pedras angulares na eficiência do sistema jurídico-legislativo infanto-juvenil.

Nesse sentido, o conhecimento das regras e dos princípios básicos dos vários setores jurídicos que possuem mais estreita afinidade com a temática em desenvolvimento ajudará na efetivação prática do sistema tutelar infanto-juvenil. Assim, foi percebido que a importância da visão interdisciplinar, bem como das várias partes do Direito constituem os primeiros passos na luta pela efetividade dos novos direitos das crianças e dos adolescentes.

Sem pretensão de esgotar os temas, uma vez que cada ramo do Direito possui alcance muito mais profundo e complexo, no primeiro capítulo procurou-se descortinar o universo jurídico-legislativo ligado à defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes e seus naturais pontos de ligação e/ou contato interdisciplinar. Mostrou-se, enfim, a inarredável necessidade de compreensão das regras e princípios jurídicos de outros ramos aplicáveis na tutela dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Além desses conhecimentos jurídicos iniciais, básicos para a melhoria da tutela infanto-juvenil torna-se crucial assimilar, também, ainda que em aspectos genéricos, as linhas evolutivas da proteção infanto-juvenil no Brasil e no plano internacional.

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É possível dizer que o conhecimento da história1 constitui matéria fundamental, sob pena da continuidade de inaceitáveis equívocos na proteção infanto-juvenil, uma vez que, como será demonstrado, pelo menos no Brasil, significativa parcela de vários integrantes de respeitáveis órgãos estatais e privados, inclusive os operadores do Direito - juízes, promotores de justiça, advogados, delegados etc., ainda praticam a revogada e/ou ultrapassada política para menores!

Na verdade, um dos objetivos do presente capítulo é mostrar que ainda são executadas ações e medidas próprias do início do século passado, quando o país já possui legislação interessante, moderna e exemplar sendo, inclusive, copiada literalmente pelos legisladores de diver-sos países vizinhos. Portanto, a idéia básica do capítulo consiste na amostragem da lenta, difícil e tumultuada evolução histórica da proteção dos direitos infanto-juvenis, como forma de sustentar a importância do seu estudo e sua posterior aplicação prática, sobretudo pelo Estado, pela família e pela sociedade.

Para se ter uma idéia global da dramaticidade da situação mundial, antes de retornarmos no tempo e no espaço, em pleno século XXI, apesar dos consideráveis avanços nacionais e internacionais, o UNICEF2, por

meio do Relatório sobre a Situação Mundial da Infância de 2005, apresenta dados expressivos e dramáticos, decorrentes da falta de proteção internacional mínima dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Segundo o estudo amplamente divulgado na mídia nacional, o mundo conta com cerca de 2,2 bilhões de crianças. Os países em desenvolvimento possuem 1,9 bilhão. Cerca de 1 bilhão delas vivem em situação de pobreza extrema. Depois, o estudo acrescenta que 640 milhões de crianças não possuem qualquer tipo de abrigo físico; 400 milhões não podem consumir água limpa ou potável; 270 milhões não têm acesso aos serviços básicos relativos à saúde pública. O estudo finaliza com destaque para a trágica situação das mortes infantis decorrentes do HIV, da miséria, das guerras e da falta de condições mínimas

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de sobrevivência. Assim, a proteção jurídica, social e administrativa - no plano internacional - na atualidade, continua dramática e aviltante.

A proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes pode ser vista de vários ângulos e/ou características. Pode ser desenvolvida a partir de aspectos religiosos, culturais, econômicos, sociais ou assistenciais. São variadas as vertentes que podem ser desenvolvidas no sentido da proteção infanto-juvenil. Evidentemente, será apresentada a proteção jurídica como base, sem descurar-se das demais formas de proteção e controle social.

A título de exemplo, embora o trabalho não avance na seara da proteção religiosa, sempre foi comum no Brasil, desde seu descobrimento pelos portugueses, a proteção das crianças pela forte interferência dos trabalhos religiosos, sobretudo na formação e convivência social, independentemente de qualquer proteção jurídica. Aliás, sempre existiu forte e importante influência dos aspectos religiosos, a partir dos padres jesuítas, que chegaram com as primeiras expedições, na formação da juventude brasileira, conforme percebido por CHAMBOULEYRON.3Historicamente, portanto, a proteção das crianças e dos adolescentes sempre gozou de estreita aproximação com os dogmas religiosos.

Pode ser, ainda, por meio da visão do Estado. É possível afirmar que as políticas públicas brasileiras, ao longo dos anos, não conseguem colocar em prática a defesa da comunidade infanto-juvenil, nos termos lembrados por PASSETTI.4 Assim, já é possível afirmar que apenas a inclusão da religiosidade no sistema de proteção ou a exclusiva atuação do Estado são insuficientes para o enfrentamento da temática, embora, constantemente, estejam interligados e lembrados na esfera da justiça da infância e da juventude.

É fato, assim, que são múltiplas e complexas as formas de abordagens da evolução histórico-protetiva dos direitos infanto-juvenis. O presente trabalho centrará seus esforços, embora sem exclusividade, na análise dos aspectos jurídico-legislativos dentro das linhas temporal e histórica.

É lição usual entre os estudiosos da história que, sob qualquer ângulo que se traceje a evolução histórica, corre-se o risco da omissão de dados relevantes para a compreensão das áreas analisadas do conheci-

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mento humano. São múltiplas e interessantes as vertentes que podem ser abordadas. Porém, é pertinente recordar que será a visão do jurista que se projetará na temática protecionista.

Os dados históricos serão descritos, assim, com o escopo de situar a linha evolutiva das atividades tutelares dos direitos infanto-juvenis.

Numa análise sistêmica, naquilo que é pertinente aos aspectos internacionais, existem diferenças e características próprias de cada país, inclusive entre os diferentes povos, épocas, culturas e valores dominantes. É difícil a tarefa de abordar dentro de um capítulo, com exclusividade, os aspectos históricos da proteção infanto-juvenil relativos a cada país. Assim, serão apresentadas apenas noções básicas e rudimentares da evolução internacional.

O Brasil possui formação cultural, econômica, social e valores próprios, inclusive com características acentuadamente peculiares que exigem tratamento diferenciado. Porém, é relevante compreender a evolução protetiva internacional, sobretudo para que sejam extraídas lições aplicáveis ao sistema brasileiro. Assim, os aspectos históricos-inter-nacionais, com certeza, serão destacados com o escopo de contribuir para a eficiência da tutela infanto-juvenil brasileira.

Em reforço de convencimento, DEL PRIORE, na apresentação dos capítulos da obra coletiva destaca que a evolução da sociedade européia deve ser compreendida de forma diversa do traçado da evolução infanto-juvenil brasileiro. São situações diversas e que não podem ser analisadas isoladamente. Esse caminhar diferenciado decorre, segundo ela, do pouco desenvolvimento industrial e econômico, da secular e péssima distribuição de renda, da baixa escolaridade e do sistema escravagista, outrora dominantes no Brasil.5A autora sintetiza que os problemas vividos pela comunidade infanto-juvenil são mundiais e têm se perpetuado no decorrer da história dos diversos povos. Cita o exemplo das crianças indianas, que muito cedo trabalham na tecelagem. Relembra que cerca de 40% das crianças africanas de 7 a 14 anos de idade também trabalham em atividades múltiplas e em condições incompatíveis com a faixa etária. Destaca, ainda, os malefícios da prostituição infantil tailandesa.6O caminho percorrido no Direito Internacional na defesa dos direitos das crianças - lento, tortuoso e ambíguo - resguardadas as pro-

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porções e os valores próprios de cada povo, a partir da Revolução Fran-cesa (1789) guarda semelhança com o avanço em relação à tutela dos direitos das mulheres e dos negros, conforme explicitado por Emílio Garcia Mendez, na apresentação da obra de MACHADO.7Os obstáculos para alcançar a linha evolutiva crescem à medida que, até o final do século XX os menores eram considerados sistematicamente objetos de insuficientes políticas filantrópicas, religiosas, assistenciais ou meramente caridosas. Conseqüentemente, eram objetos de políticas assistencialistas infrutíferas e insuficientes para combater a dramaticidade dos problemas.

Enfim, as crianças e os adolescentes sempre foram visualizadas, também no plano jurídico internacional, como objetos e não como sujeito de direitos. A prova da afirmativa reside no fato de que a doutrina jurídica, relativa à proteção das crianças, historicamente centra-se muito mais nos aspectos repressivos estatais do que nos aspectos realmente protetivos. São raras as obras jurídicas que mostram a defesa...

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