A neutralidade da rede: norma fundamental para a proteção da expressão e do empreendedorismo na internet

AutorLuca Belli
Páginas377-402
377
A NEUTRALIDADE DA REDE: NORMA FUNDAMENTAL
PARA A PROTEÇÃO DA EXPRESSÃO E DO
EMPREENDEDORISMO NA INTERNET1
LUCA BELLI
INTRODUÇÃO
Durante os últimos quinze anos de debate sobre neutralidade da rede
(NR)2 (LEMLEY, M.; LESSIG, L., 2000; WU, T., 2003) este princípio tem
sido profundamente analisado em todo o mundo, desencadeando debates
intensos e polarizando as opiniões de múltiplos atores tanto no Brasil
como ao nível internacional. Apesar da existência de várias definições da
NR, cabe destacar que todas as formulações convergem na consideração
da NR como um princípio de não discriminação cujo objetivo é preservar
uma Internet aberta e de finalidade geral, facilitando a participação ativa
do usuário bem como o pleno gozo dos direitos fundamentais de todos
os internautas. Como argumentarei neste artigo, a NR não simplesmente
baseada em direitos fundamentais existentes, mas, além disso, torna-se uma
verdadeira norma de direito internacional a fim cujo papel é a garantia da
liberdade de expressão e de inovação na era da Internet. Neste sentido, a
NR tem sido consagrada em diversos instrumentos normativos ao nível
nacional bem como internacional.
1 Este capítulo foi submetido em junho de 2017. Uma análise mais atualizada das
práticas de Zero Rating no Brasil foi publicada pelo autor em: OBSERVATÓRIO DO
MARCO CIVIL DA INTERNET. Neutralidade de rede e ordem econômica. Disponível
em: g.br/jurisprudencia/207/neutralidade-de-rede-e-ordem-eco-
nomica/>. Acesso em: 20 dez. 2018. Mais informações sobre Zero Rating, coordenado
pelo autor confira em: ZERO RATING. Disponível em:.zerorating.info>. Acesso
em: 12 nov. 2017.
2 O debate sobre as práticas discriminatórias das operadoras foi aberto para os profes-
sores Mark Lemley e Lawrence Lessig em 2000. Todavia, o conceito de neutralidade
da rede foi criado pelo professor Tim Wu em 2003.
378 HORIZONTE PRESENTE
No Brasil, a NR se encontra explicitamente protegida pela Lei 12.965/2014,
mais conhecida como o Marco Civil da Internet (MCI), que regula o uso
da Internet no Brasil, estabelecendo princípios e regras fundamentais,
entre as quais figura com prominência a NR. Nomeadamente, após ter
reconhecido a neutralidade como um dos princípios que disciplinam o uso
da Internet no Brasil no artigo 3°, o MCI torna o princípio da NR em uma
obrigação do provedor de acesso à Internet, afirmando no artigo 9° – Da
Neutralidade da Rede – que:
O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de
tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por
conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.
Como destacarei na segunda parte desse artigo, o debate sobre a NR
influenciou fortemente a elaboração do MCI e do decreto n°8771 de 2016
que regulamenta o MCI. Particularmente, o debate voltou a ser extrema-
mente inflamado no momento da discussão da (in)compatibilidade entre
o tratamento não discriminatório e as práticas de patrocínio de aplicati-
vos, conhecidas como zero-rating (ZR), baseadas no patrocínio do acesso
a determinadas aplicações cuja consumação de dados não é descontada
das franquias mensais dos usuários (BELLI, 2016). Além de permitir
aos cidadãos e aos policy-makers brasileiros de recoltar as informações
essenciais para formar a sua própria opinião sobre o assunto, os debates
públicos sobre MCI e NR foram particularmente úteis a fim de identifi-
car com clareza os interesses em jogo, evidenciando uma clara oposição
entre, de um lado, as operadoras e uns produtores de equipamentos cujo
interesse é prevalentemente em oposição à NR, e de outro lado a maioria
dos sujeitos interessados, em favor da definição de garantias solidas de
NR (BRITO CRUZ; MARCHESAN; SANTOS, 2015).
O propósito do presente artigo é contextualizar o debate sobre a NR
a fim de explicar o raciocínio, a necessidade e a utilidade das políticas
públicas e das regulações recentemente desenvolvidas ao nível global
bem como no Brasil. In primis, o artigo examinará os fundamentos da
NR, destacando que as bases conceptuais da NR podem encontrar-se nas
normas de direito internacional sobre a proteção dos direitos humanos
(BELLI, 2016). Em consequência, fornecerei uma visão geral da evolução
do debate a fim de ressaltar uma migração intercontinental das discussões
e da elaboração de políticas e regulações de NR. In secundis, a análise se
concertará em torno da disciplina brasileira da NR (DEL CAMPO, 2017).
Analisando o MCI e sua função de lei principiológica apta a promover
o pleno exercício da cidadania e o acesso universal e, mais geralmen-
te, os direitos fundamentais do indivíduo, destacarei que o mesmo MCI

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