Relações de gênero e dignidade da pessoa humana no estado democrático de direito: encontros e desencontros na promoção da equidade de gênero

AutorRogério Moraes Sikora - Rosângela Angelin
CargoAdvogado, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito, stricto sensu, pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Campus Santo Ângelo - Doutora em Direito pela Universidade de Osnabrück (Alemanha), docente do Mestrado em Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Campus ...
Páginas49-66
RELAÇÕES DE GÊNERO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: ENCONTROS E
DESENCONTROS NA PROMOÇÃO DA EQUIDADE DE GÊNERO
RELATIONSHIP BEING IN THE DEMOCRATICI LAUL ENCOUNTERS AND
NON-ENCONTERS TO PROMOTE EQUALITY
Rogério Moraes Sikora1
Rosângela Angelin2
Resumo: A história da humani dade revela, por meio de seu desenvolvimento, qu e as relações de gênero
são construções sociais ba seadas em relações de poder exerci das entre mulheres e homens. C onhecer os
mitos e realidades desta convivência é de fundam ental importância para vislumbrar e proporcionar uma
nova forma de convivência entre os seres humanos onde a parceria e a cooperação são os princípios
norteadores do convívio nas relações de gênero, bem como da promoção da dignidade da pessoa
humana e para que, nesse contexto, o Estado Democrático de Dir eito po ssa, de fato, contribuir na
promoção da equidade de gênero na sociedade e não ao contrário, como ai nda ocorre na
contemporaneidade.
Palavras-chave: relações de gênero; pe ssoa humana; mulheres; direito.
Abstract: Mankind's history rev eals, by its development, that gender relati ons are social buidings based
on power relations between men and women. To kn ow the myths and realities of this a cquaintance is
deeply important to descr y and proportionate a new form of acquaintance among human beings. A kind
where association and cooperation ca n be the guiding principles in therms of gender r elations,as well of
the promotion of the hu man being dignity, so that, in this context, the Democratic Law S tate can
actually contribute in the promotion o f g ender equity in society, and not the opposite, as occur s
nowadays.
Key-words: gender relations, human bei ng, women, law.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Inúmeros fatores objetivos e subjetivos estão envolvidos no momento em
que se aborda um tema polêmico e envolto de mitos e preconceitos, ou seja, as
relações de gênero. No desenvolver da humanidade, estas pa ssaram por etapas
distintas e construíram-se a partir das relações de p oder entre homens e mulheres.
O que no início era uma relação harmônica e de parceria se tornou uma relação de
desigualdade e submissão, em especial, para as mulheres com relação a sua vida
privada, pública e mesmo no âmbito do mundo jurídico. Sendo assim, o presente
artigo tem a finalidade de a bordar os mitos e as relações de poder que envolvem a
subjetividade destas relações, bem como analisar os caminhos dispersos que
envolvem as Relações de Gêner o e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e
apontar possíveis caminhos promotores da equidade nas relações de gêner o dentro
do Estado Democrático de Direito.
1 Advo gado, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direit o, stricto sensu, pela Universidade
Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Ca mpus Santo Ângelo. E-mail:
rosangelaangelin@yahoo.com.br
2 Doutora em Dir eito pela Universidade de O snabrück (Alemanha), docente do Mestrado em Direito da
Universidade Regional I ntegrada do Alto Uruguai e da s Missões (URI), Campus Santo Ân gelo-RS,
Docente do Curso de Direito das Faculda des Integradas Machado de Assis (FEMA) de Santa Rosa-RS,
coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Direitos Fundamentais, coordenadora dos Projetos de
Extensão “D a dignidade da pessoa humana a plena cidadania” e “Da dignidade da pessoa humana a
plena ci dadania”, colaboradora da ON G Associação Regional de Desenvolvimento e Edu cação
(AREDE). E-mail: sikora.advogado@yaho o.com.br
50 Direitos Culturais, Santo Ângelo, v.5, n.9 , p. 49-66, jul./dez. 2010
1 MITOS E REALIDADE NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE
GÊNERO
As Relações de Gênero perpassaram por uma construção histórica da
identidade assumida por homens e mulheres envolvendo uma relação de poder que
determinou comportamentos diferenciados e excludentes, os quais foram mantidos
nem sempre pela coerção física, mas tendo sido incutido na subjetividade humana,
“em toda a sua aparente liberdade e privacidade [...]”.3
Os papéis reservados ao sexo masculino e ao sexo feminino não são
“naturais e inerentes” a estes seres, mas sim, construções sociais e culturais. Diante
disto, é fundamental rever a história da humanidade para perceber como estas
relações de gênero constituíram-se e desvendar os mitos que envolvem este tema,
ou seja, as identidades dos homens e das mulheres, assim como elencar os fatores
determinantes que influenciaram estas relações.
Pesquisas arqueológicas evidenciam que os seres humanos, do período
paleolítico e neolítico, viviam em um sistema de parceria entre mulheres e homens,
sendo as mulheres veneradas por seu poder de gerar a vida e, com isso, manter a
espécie humana.4 Isso não significa que a relação social fosse marcada pelo
matriarcado, e sim, pela matrilinearidade.5 Atualmente, vive-se em uma
organização patriarcal. Isso implica afirmar, que as relações de opressão contra as
mulheres não são naturais. A naturalização dessa opressão foi uma construção no
decorrer dos milênios, reforçada também através dos mitos.6 Vale salientar que,
existiram, em todos os períodos, movimentos de resistência das m ulheres contra a
opressão da sociedade e do mundo intelectual. Neste prisma, Kant7 ressaltava em
suas exposições que a mulher não possui capacidade suficiente para pertencer ao
mundo da ciência e do conhecimento e, embora algumas cheguem próximo a este
mundo, “lhes falta a barba para expressar melhor a profundidade do espírito que
ambicionam.” Porém, não se pode olvidar o papel de alguma s mulheres
importantes na história da humanidade e que foram excluídas dos relatos históricos
“oficiais”, como o cas o dos famosos filósofos gregos Sócrates e Pitágoras,
educados por sacerdotisas. Além disso, descobertas arqueológicas reportam-se a
evidências de que n o próprio E gito houve faraós mulheres, assim como n a Grécia
existiram juízas.8
Efetivamente, a mulher foi impedida de escrever sua própria história e
contar sua participação, mesmo que tímida, do mundo público. A história,
registrada por esse universo ma sculino, voluntariamente, deixou de lado muitos
3 EAGLETON, Terry. A idéia de Cultura, 20 05, p. 76.
4 Esta teoria é desenvolvida por Riane Ei sler na obra “O Cálice e a Espada: nosso passado, nosso
futuro” (E ditora Palas Athena, 2007) e retrata descobertas arqueológicas que evidenciam um período
onde as mulheres não eram discriminadas e oprimidas, o que não significa dizer que estas oprimissem
os ho mens. Ao contrário, vivia-se num ambiente de cooperação e parceria entr e os sexos, e mbora a
divisão do trabalho já fizesse parte do a mbiente social.
5 O “matriarcado” é a definição de uma relação de poder onde os homens estã o submetidos ao poder das
mulheres. As evidências histórias nã o demonstram esta relação e sim, uma relação de
“matrilinearidade” onde a sucessão é contada a partir das mães.
6 Neste cont exto, MACLAREN (MACHLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico, 1997, p. 16 2 – 167)
atenta para a importância das narrativas, afirmando que as ide ntidades são um resultado parcial da
narrativa da vida social, uma vez que possui um poder elevado de socializar, introduzir os seres
humanos em estilos de vida e, ao mes mo tempo informa teorias, ideologias e práticas sociais.
7 TIBURI, et. al. As mulheres e a filoso fia, 2002, p. 148.
8 EISLER, Riane. Cálice e a espada: no sso passado, nosso futuro, 2007, p. 178, 84 e 122.

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