Nepotismo - violação dos princípios constitucionais da Administração Pública e caracterização de ato de improbidade administrativa - Nepotism - violation of constitutional principles of the Public Administration and caracterization of the administrative improbity

AutorCléber Rogério Masson - Ana Carolina Squizzato
CargoPromotor de Justiça do Estado de São Paulo. Foi Diretor da Associação Paulista do Ministério Público (APMP) - Advogada e Mestranda em Direito Constitucional pela PUC/SP.

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Nepotismo – violação dos princípios constitucionais da Administração Pública e caracterização de ato de improbidade administrativa

André Luis Adoni

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NEPOTISMO – VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E CARACTERIZAÇÃO DE ATO DE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

NEPOTISM – VIOLATION OF CONSTITUTIONAL PRINCIPLES OF THE PUBLIC ADMINISTRATION AND CARACTERIZATION OF THE ADMINISTRATIVE IMPROBITY

Cleber Rogério Masson *

Ana Carolina Squizzato **

Resumo: a prática do nepotismo, consistente na nomeação, por agentes públicos, de parentes, cônjuges e companheiros, para ocuparem cargos em comissão na Administração Pública, é usual no Brasil. Alega-se, de forma equivocada, que juridicamente nada se pode fazer para evitar a realização de condutas de tal jaez, uma vez que se trata de atos discricionários e exclusivos de cada um dos Poderes, de modo que a intervenção jurisdicional consistiria em violação à regra prevista pelo art. 2.º da Constituição Federal (CF). Nada mais falacioso. Com efeito, o nepotismo, por constituir afronta aos princípios elencados pelo art. 37, caput, da CF, pode e deve ser combatido pelo Ministério Público, mediante o emprego da ação civil pública, com fulcro na Lei n. 8.429/92 ou ainda pelo cidadão, valendo-se da ação popular.

Palavras-chave: Nepotismo. Contratação de parentes, cônjuges e companheiros por agentes públicos. Violação de princípios constitucionais. Improbidade administrativa.

Abstract: nepotism, consistent in hiring relatives and spouses to occupy public offices, is usual in Brazil. The public agents wrongly justify this attitude by the argument that they can’t avoid these hiring, because of the discretional that characterizes the Administration, in a way that jurisdictional intervention would violate the rule foreseen in article Second of the Federal Constitution. Nothing more fallacious. In fact, nepotism violates the principles brought by article 37, caput, of the Federal Constitution, and the Prosecutors

* Promotor de Justiça do Estado de São Paulo. Foi Diretor da Associação Paulista do Ministério Público (APMP) e Assessor da Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e Professor de Direito Penal no Complexo Jurídico Damásio de Jesus e na Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus.

** Advogada e Mestranda em Direito Constitucional pela PUC/SP.

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should fight this violation by proposing a public action, based on the Law
n. 8.429/92, or the citizens, using the popular action.

Keywords: Nepotism. Hiring relatives and spouses by public agents. Violation of constitutional principles. Administrative improbity.

INTRODUÇÃO

A realidade brasileira revela que agentes públicos de alto escalão, em todos os níveis da Federação, possuem parentes, cônjuges e pessoas afins em cargos comissionados na Administração Pública, conduta que se enquadra no conceito de ato de improbidade administrativa definido pela Lei n. 8.429/92.

Busca-se justificar tal modo de agir – considerado, para muitos, normal e defensável – com o falacioso argumento de que inexiste, no ordenamento jurídico em vigor, alguma norma jurídica proibindo expressamente a contratação de parentes de qualquer grau de agentes políticos nos quadros do Poder Público.

A nomeação para cargos em comissão, portanto, seria ato discricionário da autoridade competente, imune ao controle administrativo e jurisdicional, mediante provocação do Ministério Público (MP).

Lamentavelmente, além de se olvidarem da ética que deveria imperar em todas as relações sociais, os defensores das livres nomeações pelos administradores públicos deixam de respeitar a mais elementar e importante norma imperativa de nosso ordenamento jurídico, é dizer, a Constituição Federal (CF).

Vale recordar a famosa advertência:

Dom Fulano (diz a piedade bem intencionada) é um fidalgo pobre, dêse-lhe um governo. E quantas impiedades, ou advertidas ou não, se contêm nesta piedade Se é pobre, dêem-lhe uma esmola honesta com o nome de tença, e tenha com que viver. Mas porque é pobre, um governo, para que vá desempobrecer à custa dos que governar; e para que vá fazer muitos pobres à conta de tornar muito rico Isto quer quem o elege por este motivo (VIEIRA, 2000, p. 183).

1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O NEPOTISMO

Em sua origem etimológica, “nepotismo” emana do latim nepos, nepotis, significando, respectivamente, neto, sobrinho. Indica, também, os descendentes, a posteridade, podendo ser igualmente empregado no sentido de pródigo, perdulário, dissipador e devasso (TORRINHA, 1998, p. 550-551).

A divulgação do vocábulo, ao qual foi acrescido o sufixo “ismo”, na acepção atualmente difundida em todo o mundo, deve ser atribuída principalmente aos pontífices da Igreja Católica, em face do poder dos sobrinhos e outros parentes do Papa para conceder cargos, dádivas e favores aos seus parentes mais próximos.

Para Cármen Lúcia Antunes Rocha (1994, p. 158), representa a “conduta havida na Administração do Estado, pela qual agentes públicos, valendo-se dos cargos por eles ocupados, concedem favores e benefícios pessoais a seus parentes e amigos”.

O nepotismo desembarcou no Brasil juntamente com seus descobridores, que, oriundos de Estado em que vigia o regime monárquico, estavam já habituados ao personalíssimo sistema de poder imprimido pelo rei às funções públicas.

As bases do Estado Moderno, assentadas na democracia, na publicidade e na impessoalidade do poder estatal, que superavam o anterior Estado Absoluto, não conseguiram, no Brasil, romper a tradição de exercício pessoal e particular do poder.

Dois fatores históricos fundamentaram tal acontecimento: o processo de colonização e o modelo de Município e de poder local exercido familiarmente, que foi herdado pelo Estado.

Com efeito:

O personalismo que dominava o regime político português não poderia fazer frutificar em sua colônia, mesmo depois de constituída em Estado Soberano, uma Administração que primasse pela impessoalidade, que, de resto, não interessava ao grupo que circundava o Imperador. À corte convinha o personalismo. A neutralidade diminuiria e limitaria um Poder que não precisava e não desejava tais limites (ROCHA, 1994,
p. 159 e 161).1Nem mesmo o advento da República, que traz em seu próprio nome a neutralidade e a objetividade no trato da coisa pública – negatórias, assim, do personalismo –, foi suficiente para extinguir as práticas administrativas contrárias ao princípio da impessoalidade.

Ainda que de modo inócuo, desde o início do século XVIII já existiam, no Brasil, disposições legais nitidamente contrárias à pessoalidade, e o próprio princípio da igualdade, que implica a impessoalidade, já constava na Constituição Imperial de 1824.

Vê-se, pois, que, no Brasil, inquestionavelmente, nunca faltaram normas jurídicas, mas sempre sobrou o desacato a elas.

De fato, já no Império, dispunha o art. 38 da Lei de 10 de outubro de 1828:

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nenhum Vereador poderá votar em negócio de seu particular interesse, nem dos seus ascendentes ou descendentes, ou Cunhados, enquanto durar o cunhadio. Igualmente não votarão aqueles que jurarem suspeição.

No mesmo sentido dispunha o art. 23 do citado diploma legal, estabelecendo a proibição de “servir de Vereadores conjuntamente no mesmo ano, e na mesma cidade ou vila, pai, filho, irmãos ou cunhados, enquanto durar o cunhadio, devendo no caso de serem nomeados, preferir o que tiver maior número de votos”.

As leis, os princípios gerais do Direito e, pasmem, a Constituição Federal, entretanto, sempre foram desrespeitados. Exemplos históricos são marcantes.

Veja-se a passagem em que Luiz XI presenteou sua amante Ana Passeleu com terras e até um marido (João de Brosse), o que permitiu fosse ela elevada à nobreza (LIMA, 1995/1996, p. 9).

No Brasil, destaca-se o exemplo contido na carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei D. Manuel, de 1.º de maio de 1500, em que o escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral solicitava o retorno de seu genro Jorge, ladrão degradado da Ilha de São Tomé (ALVEZ FILHO, 1997, p. 22).2Em breve síntese, a palavra “nepotismo” representa atitudes pérfidas, nefastas, ilícitas e intoleráveis pela maioria da sociedade, composta por pessoas de bem. Infelizmente, nem todos os indivíduos conseguem discernir o “bem” do “mal”, o “certo” do “errado”.

Consoante as lições de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2004,
p. 443):

Nepotismo, em essência, significa favorecimento. Somente os agentes que ostentem grande equilíbrio e retidão de caráter conseguem manter incólume a distinção entre o público e o privado, impedindo que sentimentos de ordem pessoal...

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