A neo-structural legal perspective to economic power analysis/ Uma perspectiva juridica neo-estruturalista para a analise do poder economico.

AutorFilho, Calixto Salomao
  1. Introducao: A Insuficiencia dos Conceitos e Instrumentos Antitruste

    Ha decadas a teoria antitruste tem estado moribunda, assemelhando-se a um obituario. Novas ideias sao raras e muito espacadas, e o pouco que surge tem orgulho de ser voltado a mera aplicacao pratica. Os dias das teorias gerais e justificativas fundamentais do antitruste ja estao no passado.

    Com efeito, a forte tendencia a simplificacao e ao negativismo doutrinario tem uma dupla origem. Em primeiro lugar, baseia-se numa analise superficial do cenario economico que leva a crenca de que os efeitos do poder economico privado na sociedade se limitam a relacao produtor-consumidor.

    Tanto nos paises em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, a historia economica mostra que os efeitos do poder de monopolio sao muito mais penetrantes do que apenas a relacao consumidor-produtor, afetando os padroes de desenvolvimento e ate mesmo os padroes de distribuicao de renda na sociedade.

    Em segundo lugar, ha uma fe poderosa e simplista na capacidade da teoria economica de prever resultados e, consequentemente, em nossa capacidade de identificar o resultado mais eficiente na relacao consumidor-produtor.

    Esse resultado e, por sua vez, produto de uma analise do funcionamento do mercado baseada na racionalidade economica em sua versao mais simplista. Por conseguinte, o direito e, em particular, o direito antitruste, foram orientados para corrigir imperfeicoes no funcionamento do mercado. Nesta visao (neoclassica) (1), as estruturas de poder de mercado nada mais sao que o produto de um funcionamento imperfeito do mercado.

    A combinacao dessas duas simplificacoes leva a uma crenca na possibilidade de identificar-se um objetivo teorico unico no direito antitruste, que consiste em obter um certo resultado economico baseado em principios de funcionamento racional do mercado. Esta analise e, como sera demonstrado, demasiado simplista por varias razoes.

    Em primeiro lugar, porque o poder economico nao pode ser considerado um mero fenomeno de mercado. Como sera demonstrado, nem todas as estruturas com poder economico sao criadas no mercado, mesmo que o afetem. Muitas dessas estruturas sao criadas pelo direito ou pelas relacoes sociais. Analisa-las em termos de racionalidade de mercado e, portanto, impossivel.

    Mas isto nao e tudo. O paradigma focado exclusivamente (ou predominantemente) na racionalidade de mercado pode ser criticado nao apenas com base na fonte do poder economico, mas tambem em seus efeitos. Os efeitos das estruturas de poder economico nao se limitam ao mercado. Eles sao muito mais amplos, envolvendo, como sera visto nos proximos topicos, efeitos negativos na distribuicao de riqueza e na sociedade. Consequentemente, todas as estruturas, mesmo aquelas criadas no mercado, nao sao bem percebidas nem analisadas pelos paradigmas da racionalidade do mercado.

    Se tudo isso e verdadeiro e se o poder economico nao deriva apenas do mercado mas tambem possui raizes legais e as vezes sociais e, por outro lado, se produz efeitos muito alem do mercado, entao a racionalidade economica nao pode ser uma racionalidade predominantemente de mercado. Ao inves disso, deve ser uma racionalidade de poder e de exercicio de poder. Evidentemente, uma realidade tao ampla nao pode ser bem percebida pelo direito antitruste tradicional.

  2. Poder Economico e seus Multiplos Efeitos nas Esferas Social e Economica: Monopolios e Subdesenvolvimento

    Se isso e verdade, entao uma analise das relacoes e efeitos gerados pelo poder economico deve ter origem nao apenas em suposicoes matematicas sobre os resultados economicos, mas em estudos aprofundados da historia economica dos paises nos quais esse poder e mais estruturado e profundamente enraizado nas estruturas sociais e economicas. A razao e simples. Os amplos efeitos do poder economico sao mais facilmente identificaveis nestas regioes. Como em qualquer analise teorica, o uso de exemplos com caracteristicas mais pronunciadas ajuda a identificar tendencias e a demonstrar proposicoes. Isso nao significa que tais resultados sejam invalidos para paises em que o poder economico e menos disseminado e menos profundo. Significa apenas que os resultados obtidos provavelmente serao menos intensos.

    Os paises em que o poder economico e historicamente mais concentrado e consolidado sao ex-colonias europeias na America do Sul e na Asia. Nesses paises, o poder economico e um fenomeno que historicamente faz parte da sociedade e, portanto, muito mais facil de se identificar. Esta afirmacao nao e nova, mas suas consequencias para a economia e para os sistemas juridicos internos em vigor nos paises em desenvolvimento foram ignoradas no passado e ainda sao menosprezadas.

    Nao ha duvida de que, nas antigas colonias, em contraste com os atuais paises desenvolvidos, o poder economico foi constituido por relacoes economicas que eram fatores relevantes para a formacao dos estados nacionais. As historias da maioria desses paises, senao todos, estao estreitamente interligadas com a colonizacao europeia. Este e um elemento importante a ser notado. O status de "colonia", muito alem da dependencia externa, criou estruturas de poder internas que marcaram e ainda influenciam muitos aspectos do desenvolvimento (ou subdesenvolvimento) nessas sociedades.

    E por isso que parece possivel rever seus processos de desenvolvimento a partir das estruturas de poder economico e da estrutura de distribuicao de renda que os acompanham. Os lacos de dependencia colonial que motivaram o subdesenvolvimento, mesmo que sejam a sua raiz, nao sao sua causa ultima. A explicacao e simples, mas deve ser bem compreendida. As estruturas economicas internas sao o que permite ou inibe, nos momentos necessarios, a ruptura da dependencia. Como todos sabemos, isso raramente ocorreu na historia dos paises em desenvolvimento. Para alem de situacoes raras e excepcionais, nestes paises os lacos de dependencia raramente sao contra-atacados e, com ainda menos frequencia, quebrados. Isso se deve as estruturas de poder internas e a distribuicao de renda que se beneficiam, ainda que indiretamente, desses lacos.

    A analise deve estar focada, portanto, nessas estruturas. Alem disso, a relacao entre poder economico e distribuicao de renda deve ser abordada a luz de evidencias historicas. Essa relacao e intensa.

    A analise tradicional tende a identificar apenas certas relacoes superficiais entre uma empresa monopolista e o consumidor, a saber, identificando-a essencialmente como o valor do lucro extraordinario do monopolista que e extraido dos consumidores atraves da imposicao de precos monopolisticos. Como demonstrado em estudos empiricos, esse valor nao pode ser desconsiderado e representa uma parcela relevante da concentracao de renda.

    O fato e que essa relacao entre concentracao economica e distribuicao de renda e muito mais profunda e mais extensa. Isto e especialmente verdadeiro em economias estruturalmente concentradas, como as antigas colonias. Por um lado, a relacao e muito mais extensa no mercado de produtos, afetando a propria organizacao industrial. Alem do desequilibrio nas relacoes entre consumidores e fabricantes, com as consequentes ineficiencias na alocacao e distribuicao, implica uma desproporcao absoluta entre os setores economicos. O setor dinamico da economia desde os tempos coloniais e geralmente concentrado em produtos primarios ou produtos de baixa tecnologia para exportacao e em bens de consumo duraveis a serem consumidos internamente pelo segmento de alta renda da populacao. Estes dois setores, monopolizados ou oligopolizados, concentram investimentos e ganhos de produtividade. Por conseguinte, drenam os recursos do sistema economico quer diretamente, atraves de lucros monopolisticos obtidos a partir de fornecedores, quer indiretamente, atraves da drenagem de investimentos que de outra forma seriam investidos em outros setores (doravante denominados setores economicos perifericos).

    Os efeitos tambem sao mais profundos. Alem do mercado de consumo e dos setores economicos perifericos, ha tambem forte interferencia no mercado de trabalho. Assim, em muitos desses paises, senao na maioria, a concentracao de renda acaba se tornando uma condicao fundamental para o crescimento economico. Isso ocorre porque, baseados na producao de produtos primarios e de materias-primas simples, tanto para o mercado interno quanto externo, os ganhos de produtividade nessas economias nao podem ser obtidos apenas por meio de melhorias tecnologicas (por vezes insuficientes em setores de tao baixa tecnologia). Os ganhos de produtividade, fundamentais para o crescimento economico, devem basear-se num aumento da produtividade da mao-de-obra, que pode ser conseguido por meio da reducao dos salarios reais ou da reducao efetiva da mao-de-obra (decorrente das chamadas economias de escala obtidas pela concentracao economica). Este movimento so se torna possivel, porem, em razao de um alto nivel de monopolizacao da economia, o que tambem cria grandes conglomerados monopolistas no mercado de trabalho. Tal como referido anteriormente, esta situacao e explicada nao apenas pelo fato de os concorrentes no setor relevante serem escassos e pouco importantes, mas tambem porque, nessas economias, o padrao monopolista colonial assegura a falta de concorrencia entre os setores economicos. Setores com dinamismo economico real, capazes de acumular capital e absorver a forca de trabalho, sao poucos e concentrados.

    Somente atraves de um padrao de crescimento tao concentrado e que e possivel ter acumulacao de capital e, portanto, investimento produtivo que leve ao crescimento. Dito isto, tal padrao de crescimento requer, para sua propria existencia, uma redistribuicao inversa da renda, com o empobrecimento (relativo para trabalhadores ocupados e absoluto para aqueles que perdem seus empregos) de grupos de renda mais baixa e empobrecimento relativo de setores economicos perifericos.

    Colocar o foco nas estruturas tambem implica que nao...

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