Dissolução e dissolução parcial. Pedido de dissolução parcial de sociedade anônima como sucedâneo para o recesso. inadmissibilidade. interpretação e aplicação do disposto na norma do art. 206, II, b
Autor | Vera Helena de Mello Franco |
Páginas | 317-343 |
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O DD colega, advogado da Ré, a partir daqui designada como A, pede minha opinião sobre questão subjudice, cujos elementos de interesse são os quantos seguem:
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A Autora, doravante denominada espólio ingressou com pedido de dissolução contra A, empresa do país conceituadíssima em seu subsetor (conf. demonstrado a fls. dos autos).
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O pedido embora faça apelo à norma do art. 206, II, b, da lei acionária, desemboca naquele de "dissolução parcial" (da inicial, a fls.), concluindo pelo apelo de que fosse Ré condenada "ao efetivo pagamento aos autores do valor correspondente à sua participação no capital acionário (...)" (da inicial, item I do pedido, ? fls.).
No entremeio, recorreu ao instituto de recesso confundindo-o com a mencionada dissolução parcial, ademais de não distinguir a dissidência da quebra do affectio societatis.
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Alegou, para justificar a invocação da norma, improbidade da administração, extravio dos livros sociais e não distribuição de lucros, a que supostamente teria direito, por mais de 20 anos.
A queixa central, todavia, posto que a alegada improbidade da administração derivasse do fato da não distribuição de dividendos, restringe-se a não percepção dos lucros, pois, ademais do mencionado extravio não decorrer de fato próprio da atual administração, existem razões justificativas de seu desaparecimento.
É que, durante os anos sessenta, tanto a vida da sociedade, quanto a da família que a comandava, sofreram fatalidades aptas a desorganizar a mais bem estruturada empresa.
O pedido de falência da sociedade ré A e da sua controladora, doravante denominada B levou ao suicídio o patriarca da família, fundador da sociedade e de sua esposa, exemplo seguido poucos meses depois pelo filho mais velho, um dos diretores.
Restou para o filho mais novo a tarefa de erguer ambas as empresas, subtraindo-as a falência.
Neste contexto conturbado, de inventário para inventário; de falência para concordata e outros quetais, a contabilidade desorganizou-se e os livros, levados de um processo para outro, findaram por desaparecer, sem que se possa imputar a esta ou aquela administração o seu extravio.
Quanto ao mais, a mencionada queixa dos atos de improbidade da administração deve-se, tão somente, ao total desconhecimento do direito acionário, pois os atos, acoimados de ímprobos, estavam autorizados pela lei específica.
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Em paralelo, o Espólio-autor reque-reu, igualmente e, mutatis mutandis, sob os mesmos argumentos, a dissolução da controladora sociedade anónima B, titular, conforme afirma, de 66.295% das ações nominativas da ré A.
O pedido, indeferido pela carência do li-tisconsórcio passivo que se não logrou constituir, encontra-se em grau de recurso, remetida à apreciação do Tribunal de Justiça.
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Para justificar o fato do espólio não deter o percentual acionário, necessário ao exercício do direito de minoria, consubstanciado na norma do art. 206, II, b, da Lei 6.404/1976 (5%), lançou-se mão de estratagema.
Os Srs. Peritos Judiciais (contábil) valeram-se dos critérios para determinar o valor de reembolso acionário em sociedade controladora ou de comando, destarte adequado somente à sua expressão patrimonial, para atribuir ao espólio-acionista titularidade das participações da controladora.
Desta forma criaram, mediante artifício, faculdade que a lei e a dogmática jurídica desconhecem, elevaram artificial e ilegitimamente o percentual das participações realmente possuídas por aquele acionista na controlada, facultando-lhe exercício de direito, cuja legitimidade não lhe era deferida.
No ensejo, para justificar tese que sabiam esdrúxula, os Srs. Peritos argumentaram com a inexistente dissolução da controladora, sem aguardar a decisão do Juízo ou aquela do Tribunal de Segunda Instância (do parecer do Perito, a fls.).
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Na linha do equívoco, o pedido veio acompanhado de jurisprudência e comentários, exarados sob a égide da lei anterior (Decreto-lei 2.627/1940), quando a sociedade anónima era vista com outros contornos.
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Enpassant, quiçá por malícia, talvez por desconhecimento, interpretou, deformando, o pensamento dos demais comentários trazido à colação. O resultado foi, praticamente, inarrável.
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De cambulhada, confundiu o dever de lealdade dos administradores, previstos expressamente na lei, com affectio societatis, reduzindo a sociedade anónima, em detrimento de seu perfil institucional e qualidade estatutária, à sociedade contratual, de molde a atribuir à expressão "fim social...", a única finalidade de produzir lucros por meio da atividade descrita no contrato e consequente distribuição entre os sócios.
Atente-se que tal afirmação foi feita serenamente, em detrimento do disposto na norma do art. 202, § 3e, da lei acionária que, expressamente, fez prevalecer o interesse da companhia sobre aquele dos sócios.
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Por final, confundindo certificados com cautela, criou obrigação inexistente para companhias fechadas, pois transmudou em ónus a faculdade de corporificar ações ordinárias nominativas em certificados.
Isto tudo, apesar do disposto expressamente, no art. 25 da lei acionária ("A companhia poderá..."), esquecendo-se, entretanto, que as ações têm obrigatoriamente, até sua integralização, forma nominativa ou endos-sável (art. 21 da Lei 6.404/1976).
Em síntese, um primor atécnico de desconhecimento do direito societário e da lei acionária.
Em seguida, V. Sa. indaga:
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É possível a acionista, titular de percentual inferior a 5% (cinco por cento) valer-se de participações que detém na controladora para exercer direitos de minoria (art. 206, II, b, da Lei 6.404/1976) perante a sociedade controlada? O Espólio-autor estava autorizado a tanto no caso concreto?
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Eram os Srs. Peritos, tecnicamente, abalizados para fazer afirmações, como as exaradas, que exigem conhecimento técnico--jurídico?
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Está correta a interpretação que assinala como fim último das sociedades anónimas, a distribuição de lucros aos acionistas? Qual o sentido e abrangência da expressão "fim social" na norma do art. 206, II, b, da atual lei acionária?
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Qual a natureza do direito do acionista ao dividendo e qual a sanção para a sua não distribuição?
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É lícito ao acionista, integrante da sociedade de controle, valer-se de direito de minoria contra ato, acoimado de abusivo, que diz praticado pela própria controladora no seio da controlada?
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A afirmação da presença do affectio societatis nas sociedades anónimas está correta?
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É possível confundirem-se os institutos de recesso e da dissolução parcial?
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É admissível a aplicação da criação jurisprudencial da dissolução parcial às sociedades anónimas fechadas?
Exposta a questão desta forma, pela ordem, passo ao seu exame. Todavia, a sua correta apreciação exige uma determinação prévia de conceitos que, embora elementares, parecem desconhecidos, tendo em vista a inadequação da apresentação do caso concreto.
Com esta intenção inicio.
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A qualidade de sócio ou acionista
A qualidade de sócio ou status socii do acionista é distinta da sua posição patrimonial.
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Uma situação é a que advém da titula-ridade dos deveres e poderes ou direitos e obrigações consubstanciada na ação. Outra a posição acionária que se valora para determinar o valor de reembolso na hipótese de solução parcial do vínculo que une o sócio à sociedade.
Tem este a lição de Brunetti, a seguir, litteris:
"A transferência da posição de sócio e a transferência dos direitos patrimoniais, inerentes a esta posição, não são situações idênticas.
"A cessão da posição do sócio, como tal, implica a transferência do conjunto de direitos individuais e sociais, isto é, dos direitos e obrigações derivados do ato constitutivo. Em todos os tipos de sociedades a cessão patrimonial não implica transferência de cota-parte do patrimônio social, porque este pertence aos sócios como conjunto de pessoasfísicas e é indivisível, por fim natural, ou pertence à sociedade personalizada e os...
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