Nem ordem nem progresso para o nosso território. O (des-)ordenamento territorial na Galiza

AutorXoán M. Paredes
CargoDoutor em Ordenamento territorial pela University College Cork, Irlanda
Páginas95-115
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2015v12n2p95
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
NEM ORDEM NEM PROGRESSO PARA O NOSSO TERRITÓRIO. O
(DES)ORDENAMENTO TERRITORIAL NA GALIZA
1
Xoán M. Paredes
2
Resumo:
A organização territorial galega é uma realidade complexa, herdeira de uma longa
evolução e afectada por fortes mudanças sociais, políticas e económicas recentes
que vieram a alterá-la, até o ponto de se fazer necessário um planeamento espacial
reequilibrador. Este ensaio pretende apontar de forma breve, e com uma óptica de
estudos post-coloniais, como isto não só não foi conseguido, senão como tentativas
de ordenamento territorial contemporâneo tiveram em muitas ocasiões um efeito
contrário.
Palavras chave: Galiza. Planeamento. Paróquia (freguesia). Comarca. Província.
1 INTRODUÇÃO
Com uma superfície que ocupa pouco mais do 5% da Península Ibérica e
uma população que também partilha essa percentagem hoje em dia, a Galiza
3
acolhe uns 33.000 núcleos habitados, isto é, a metade dos presentes em toda essa
península sul-europeia. Estes núcleos não são só enormemente diversos, senão que
estão espalhados numa topografia que é, pela sua parte, complexa e fragmentada.
Comenta-se formal e informalmente que o outro grande património galego,
depois da língua, é o território. Efectivamente, o território é uma obra de arte, é algo
que nos pode definir em uma só imagem, como toda paisagem cultural.
Antes de mais nada, o que é uma paisagem cultural? Este termo aparece por
vez primeira com Otto Schülter em 1908, quem definiu a geografia como uma
ciência da paisagem, onde era possível distinguir entre uma 'paisagem original'
1
Este ensaio foi escrito em português da Galiza, seguindo o critério da Academia Galega da Língua
Portuguesa (Disponível em www.academ iagalega.org), adaptando unicamente algum vocabulário
usado de forma local para uma melhor compreensão internacional.
2
Doutor em Ordenamento territorial pela University College Cork, Irlanda. Professor no Centro de
Iniciativas Culturais e Académicas em Ponte Vedra, Galiza, Espanha. E-mail: xoan@xoan.net
3
A Galiza é na actualidade um território autónomo (oficialmente “Comunidade Autónoma”) com
status de “nacionalidade histórica” dentro da administração do Estado Espanhol, desde 1981. No
Brasil é frequentemente referida com o “Galícia”, em bora o nome usado em português europeu é
“Galiza”. Ambas formas (“Galícia” / “Galiza”) são válidas legalmente em território galego, sendo a
última a recomendada pela Associação Galega da Língua Portuguesa e a Associaçom Galega da
Língua, entre outros, e a escolha pessoal do autor.
96
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.12, n.2, p. 95-115 Jul-Dez. 2015
(existente antes da acção antrópica) e uma 'paisagem cultural' (criada pela cultura
humana) (JAMES e MARTIN, 1981). Porém, o investigador mais influente na
concretização deste conceito foi o célebre geógrafo estado-unidense Carl Sauer. Ele
definiu que “a paisagem cultural está formada a partir de uma paisagem natural por
um grupo cultural. A cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem cultural
é o resultado” (SAUER, 1925: 19-52). Reflectindo sobre o caso galego,
O'FLANAGAN (1996) aplica estas ideias e conclui que é de facto uma obra colectiva,
milenária no nosso caso. Segundo PAREDES (1999), o conceito de paisagem
cultural pode ser definido de forma extensa como o meio modificado pelo ser
humano ao longo do tempo, a combinação a longo prazo entre a acção antrópica
sobre esse meio e os condicionantes físicos limitantes ou condicionantes sobre a
actividade humana. É uma área geográfica incluindo recursos naturais e culturais
associados com uma evolução histórica, e que acaba por dar lugar a uma paisagem
reconhecível para um grupo humano determinado, até o ponto de ser identificativo
como tal para outros.
Uma paisagem cultural leva associadas normalmente uma série de divisões,
limites, usos e carga simbólica que a dotam de uma continuidade que pode ser
estudada e rastrejada até bem atrás no tempo, como demonstrou PENA (1994,
2010). Assim, não é estranho que a olhos estrangeiros a Galiza ainda produz a
sensação de que “tudo o que [um] vê é antigo, venerável e imutável … [Galiza]
segue a apresentar as manifestações mais abundantes e variadas de um carácter
próprio das que hoje podem encontrar-se na Europa Ocidental” (O'FLANAGAN,
1996: 17 e 65).
Um dos problemas sobre o que tenta fazer reflexionar este texto é o
desaparecimento acelerado das bases sobre as quais essa paisagem foi construída,
sem mais motivo que uma má gestão ou simples negligência, como aconteceu
desde a tardia introdução do ordenamento territorial na Galiza (finais dos anos 50 do
S.XX) até a actualidade, passando desde um regime ditatorial altamente centralista
4
4
O Franquismo foi o regime político vigente no Estado Espanhol, e por consequência na Galiza,
entre 1939 e 1975, durante a ditadura do general Francisco Franco. Foi uma época marcada por uma
ideologia fortemente conservadora, isolacionista, repressora (JASPE, 2000) e com total supremacia
do nacionalismo espanhol, motivos pelos quais é conhecida também como “nacional -catolicismo”,
com elementos do fascismo. O período de “transição” (1975-1978) deu lugar a um novo regime
político e eventualmente à consecução da actual “autonomia galega” em 1981.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT