Nem notável saber jurídico, nem reputação ilibada

AutorJoaquim Falcão
Páginas231-233

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Assim o senador começou, na sabatina, a questionar o candidato ao Supremo. E foi mais longe. Disse ser necessário ter gosto pelo trabalho para ser ministro do Supremo. Ou seja, o chamou de preguiçoso.

O candidato não se intimidou. Não fez por menos. Rebateu: "O senador deve desconhecer, mas a nossa animosidade vem de muito antes".

Evidentemente que não se trata da sabatina do ministro Edson Fachin. Não se foi tão longe. Trata-se da sabatina do candidato Sepúl-veda Pertence, em 1989, na mesma Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Agora revelada em seu depoimento ao projeto de História Oral da FGV Direito Rio.

Recordou dos temos de movimento estudantil como dirigente da UNE e continuou:

Até um dos pesares que tenho, desta época de estudante, é que, estando na Europa, eu não pude comparecer ao enterro de Sua Excelência promovido pela UNE. Então não me espanta, talvez espante a Sua Excelência, tanta animosidade na sua pergunta, porque tem plena razão em não gostar de mim.

O senador que o questionava era Roberto Campos, ex-ministro do governo militar.

Pertence fora aposentado do Ministério Público por decisão da Junta militar, com base no AI-5. Roberto Campos era o todo poderoso ministro do planejamento.

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Estavam em campos políticos opostos. Muito opostos. Não espanta, pois, este diálogo. Previsível. Eram adversários. Pertence não contemporizou. Nem buscou o voto de Campos. Enfrentou de frente. O passado o obrigava a tanto.

Quando Pertence foi procurador geral de República no governo José Sarney, Roberto Campos alegou a inconstitucionalidade da Lei de Informática que o ministro Renato Archer e Luciano Coutinho, seu secretário-geral, tinham feito aprovar no Congresso.

Naquela época, o procurador geral tinha o poder de encaminhar ou engavetar ações de inconstitucionalidade. Prevalecia, na Constituição de 1969, este dispositivo autoritário. O procurador era uma espécie de leão de chácara do Supremo. Manietado. Só nele entrava, quem ele, Pertence, permitisse. Era o gatekeeper, como dizem os americanos. O segurança do Supremo, dir-se-ia hoje.

Foi um período de tempos complexos. Um tempo de intervalos entre a redemocratização, que com a eleição de Tancredo Neves já caminhava, e a nova constitucionalização, que ainda não chegara. A...

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