A negociação coletiva no Brasil e a proposta de implementação do acordo coletivo especial

AutorJulie Ana Gusmão Pôrto de Farias Barroso
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Católica de Penambuco. Pós-graduanda em Direito Imobiliário pela UNISC. Advogada
Páginas92-104

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1. Origens e evolução histórica do Direito do Trabalho
1.1. Das origens até o surgimento dos sindicatos

Desde os tempos mais remotos o trabalho sempre foi agente modificador de realidades. Grande parte da história da humanidade foi marcada pela exploração do trabalho escravo, onde a mão de obra utilizada não era remunerada por seus serviços. Um período marcado pela dor e pelo sofrimento1. Do ponto de vista histórico e etimológico, conforme ensina Vólia Bomfim, a palavra trabalho decorre de algo desagradável: dor, castigo, sofrimento, tortura2.

E assim prosseguiu o trabalho carregando consigo por longos períodos históricos o estigma da revolta e da dor, inclusive com as servidões, em que sua base legal estava na posse da terra pelos senhores, que se tornavam possuidores de todos os direitos3, inclusive da força de trabalho das pessoas que ali estavam, característica das sociedades feudais medievais na Europa.

Até o aparecimento do Direito do Trabalho, em decorrência da Revolução Industrial, as relações de trabalho não contemplavam condições mínimas de dignidade à pessoa humana e não existia nenhum marco regulador e intervencionista na relação privada que caracterizou o binômio capital x trabalho.

Principalmente na Europa, durante os séculos XI a XVII, aproximadamente, o trabalho subordinado esteve sob a realidade das corporações de ofício, inclusive como uma necessidade dos trabalhadores fugirem dos campos, estabelecendo-se paulatinamente identidades profissionais em torno dos mestres4, além do aspecto de formação profissional para os aprendizes.

São reputadas como a última forma arcaica de organização do trabalho e a mais próxima do que hoje se compreende por relação de emprego. Possuíam em sua estrutura sujeitos corporativos: o mestre, dono do negócio e os seus subordinados; companheiros e aprendizes. Deveriam lealdade inclusive domiciliar ao mestre5. As atividades objeto das contratações eram apenas artesanais, uma das razões pela qual foram extintas com a industrialização.

Surge, com a industrialização, uma sociedade de classes, onde os sujeitos estão claramente definidos: capitalista e trabalhador. Para melhor entendimento deste período, duas são as obras de relevante importância: O Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, em 1848 e a Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, em 18916.

Com o advento da industrialização, as relações produtivas sofreram uma espécie de reorganização. A produção basicamente agrícola transferia-se agora para as fábricas urbanas. A sociedade vivenciava uma era de evolução, de adaptação às novas tecnologias produtivas. Tem-se também com o liberalismo, o princípio da autonomia da vontade, a liberdade total no campo contratual, que nada mais é que o respeito à vontade manifestada entre os contratantes e a avença fazia lei entre as partes. O Estado não exercia o poder de agente regulador das relações laborais.

Como asseverou Segadas Vianna:

A igualdade e a liberdade como conceitos abstratos, importavam na aceitação do conceito de Fouillé - "quem diz contratual diz justo" - e permitiam que se instituísse uma nova forma de escravidão, com o crescimento das forças dos privilegiados, da fortuna e a servidão e a opressão dos mais débeis.

Entregue à sua fraqueza, abandonado pelo Estado, que o largava à sua própria sorte, apenas lhe afirmando que era livre, o operário não passava de um simples meio de produção7.

Aliás, o Estado proibia a organização de trabalhadores e fomentava a autonomia da vontade apenas na sua vertente

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individual. As condições de trabalho na primeira fase da industrialização eram péssimas8. O associativismo e a coletivização de interesses passaram a ser atividades consideradas ilegais, reputadas como delito de conspiração9.

Surgia aí, diante desse lastimável quadro, ainda de forma embrionária, os pilares da organização coletiva, que por sua vez, são as bases dos movimentos sindicais até hoje conhecidos10. Motivados pelas condições degradantes de trabalho, pela omissão do Estado nessa relação, onde não existiam regras justas e critérios remuneratórios objetivos, nem de jornada, de limitação ao trabalho de crianças, de higiene e segurança de trabalho, dentre outras matérias necessárias à execução de um trabalho digno e saudável, os trabalhadores começaram a se organizar de forma clandestina: as coalizões.

Mesmo de forma oculta, os trabalhadores conseguiram manter um movimento relativamente homogêneo, com ideias marcantemente delineadas, tendo por base, principalmente após a metade do século XVIII, o comunismo e o anarquismo. Ensina Fábio Túlio Barroso:

As coalizões se configuram como o embrião do movimento sindical. Sociológica e juridicamente, constituem o antecedente do sindicalismo, ao estabelecer uma consciência coletiva de interesses profissionais11.

(...)

Ainda que incomum, as coalizões econômicas surgiram como uma forma de coletivização dos interesses capitalistas, ante os constantes conflitos com os trabalhadores e também como forma de coletivização dos interesses, fortalecendo a sua projeção política na conturbada sociedade do período inicial da industrialização12.

Diante da evolução dos movimentos de trabalhadores organizados, a sociedade entendeu que não mais podia limitar o comportamento organizado dos trabalhadores, com a paulatina normatização destes comportamentos.

Como assevera Mascaro, as relações coletivas de trabalho passam pelo período da tolerância, da liberalização e controle13.

Na mesma esteira, arremata Barroso, ao tratar da juridificação do conflito de classes, chamando atenção para importantes diplomas que admitem sistematicamente a criação de entidades representativas dos interesses de classe, como os trade unions act, na Inglaterra, em 1824, a Lei Waldeck-Russeau, na França, em 1884 e as constituições do México e de Weimar, na Alemanha, em 1917, até a criação da Organização Internacional do Trabalho - OIT, com o Tratado de Versalhes, em 1919, que estabeleceu um padrão normativo internacional de relações de trabalho, reconhecendo os coletivos associativos de trabalhadores e empregadores como representativos dos respectivos interesses coletivos14.

2. Sindicatos

Com o advento da juridificação dos conflitos de classe e a consequente criação do Direito do Trabalho e a sistematização das normas relacionadas à matéria, com o advento da OIT em 1919, houve uma padronização das formas de utilização da mão de obra e de suas representações por meio de entidades representativas dos interesses de classe.

A partir de então, em que pese uma maturação por meio de várias normas que preconizaram a necessidade de estabelecimento de uma entidade de representação coletiva dos trabalhadores, a nova ordem estabelecida pela OIT, além de definir legalmente os sujeitos da relação individual de trabalho, garantiu que estes sujeitos fossem representados pelos sindicatos: instrumentos de representação das vontades coletivas.

Nas palavras de Alice Monteiro de Barros:

O sindicato vem sendo definido legalmente como uma forma de "associação profissional devidamente reconhecida pelo Estado como representante legal da categoria"15.

Para Fábio Túlio Barroso:

(...) sindicato é uma instituição, uma organização reconhecida pelo Estado, por meio do Direito do Trabalho, sem fins lucrativos, com a função de representar os interesses de classe, econômica ou profissional, que poderão ser individuais ou coletivos, com atividades

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constantes e continuadas, com seus limites estabelecidos pelo sistema jurídico... (...).16

Amauri Mascaro cita vários conceitos doutrinários de sindicato, que se disseminaram pelo mundo, ao exemplo do ditado por Cesarino Júnior, em Direito Social (1980), que define sindicato como a associação profissional reconhecida pelo Estado como representante legal da categoria17.

Ainda na mesma linha, Mascaro traz os dizeres de Roberto Barretto Prado, Em Tratado de direito do Trabalho (1971), conceituando sindicato como sendo "a associação que tem por objeto a defesa dos interesses profissionais."

Todas as definições antes citadas convergem para um único entendimento: sindicato é uma organização, uma associação que tem por finalidade a defesa dos interesses daqueles que dela fazem parte. Não possuem finalidade lucrativa, aqui o animus dos sócios é a solidariedade de classe18 e o interesse em comum decorrente de suas posições na relação de trabalho.

Como funções negocial e representativa primária, os sindicatos devem estabelecer condições de trabalho melhores do que as mínimas proporcionadas pelo Estado. Isso se dá por meio da negociação coletiva19.

Logo, os sindicatos que são, via de regra, as partes legitimadas para representar os interesses dos trabalhadores e dos empregadores, podem entabular diálogos que busquem um entendimento, e como resultados dessas confabulações nascerão normas jurídicas que versarão sobre condições de trabalho específicas e superiores às presentes na legislação do trabalho.

O Estado assegura apenas o essencial de garantias sociais para os trabalhadores por meio da legislação. Trata-se de um piso, uma base de...

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