Negociação Coletiva

AutorAmauri Mascaro Nascimento/Sônia Mascaro Nascimento
Páginas535-549

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1. Negociação e direito do trabalho

Negociação coletiva é forma de desenvolvimento do poder normativo dos grupos sociais segundo uma concepção pluralista que não reduz a formação do direito positivo à elaboração do Estado. É a negociação destinada à formação consensual de normas e condições de trabalho que serão aplicadas a um grupo de trabalhadores e empregadores.

A negociação coletiva está na base da formação do direito do trabalho como uma das suas fontes de produção. As normas jurídicas trabalhistas resultam da atuação do Estado, da qual advêm os Códigos, as leis esparsas e outros atos. Porém, não se esgotam com as normas jurídicas estatais. Há o direito positivo trabalhista não estatal. A negociação coletiva é a sua principal fonte.

Se há uma instituição que é característica do direito do trabalho e que mantém vínculos estreitos com toda a estrutura desse ramo do direito é a negociação coletiva. Sua presença é inconteste, tanto no tempo, desde os primórdios da formação juslaboral, como no espaço, independentemente da estrutura política ou ideológica em que se desenvolve.

O que muda é apenas o grau de desenvolvimento da negociação coletiva, mais evoluída nos sistemas políticos liberalistas e menos praticada nos sistemas jurídico-políticos centralizados no Estado, nos quais maior é a regulamentação estatal das condições de trabalho.

Há, mesmo, que se admitir que das características da negociação coletiva em cada país depende a sua classificação nos modelos jurídicos trabalhistas, daí falar-se em modelos abstencionistas, que são os desregulamentados, o que significa mais negociação, e em modelos regulamentados, que são aqueles em que há menos negociação e mais legislação.

De qualquer modo, a negociação sempre está presente na formação do direito positivo, desempenhando papel da maior relevância, como parte do processo de elaboração do qual resultam as regras aplicáveis às relações individuais de trabalho, com o que fica ressaltada a sua relação direta com o problema das fontes formais do direito do trabalho.

Melhor seria dizer que essa relação é com as fontes de produção, considerando-se a negociação como procedimento inconfundível com os demais que atuam nesse ramo especializado do

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direito, dentre os quais evidentemente o processo legislativo tem preponderância, como expressão da vontade maior do Estado.

Como fonte de elaboração, a negociação coletiva encontra o seu fundamento na teoria da autonomia privada coletiva, que é a expressão do pluralismo dos grupos sociais, do qual resultam vinculações que têm todas as características de privadas, decorrentes da iniciativa dos particulares, toleradas pelo Estado, mas não elaboradas por ele.

Ao Estado cabe a elaboração das leis pelas vias próprias indicadas pelo direito constitucional, competindo aos sindicatos e demais grupos econômico-profissionais a atuação, de igual sentido, para a instauração de liames que muito se aproximam dos negócios jurídicos que a teoria do direito admite e confere à iniciativa particular.

As fontes privadas não são, no direito do trabalho, reduzidas à negociação coletiva, porque ao lado delas se situam as consuetudinárias, como processo de formação de normas jurídicas trabalhistas que positivam por meio dos usos e costumes. A existência das fontes consuetudinárias reforça a evidência do pluralismo e a validade dos processos normativos não estatais.

Acrescente-se, ainda, como resultado da mesma atividade regulamentar privada, a que se desenvolve no âmbito da empresa, sob a forma de negociação, como é melhor, ou como atuação unilateral do empregador, da qual resultam os regulamentos de empresas, reconhecidamente outra importante forma de produção de direitos e deveres no âmbito do direito do trabalho.

2. Contrato individual de trabalho e negociação coletiva

A negociação visa a suprir a insuficiência do contrato individual de trabalho, não sendo essa, no entanto, a sua única finalidade. Mas é uma das suas principais finalidades, talvez aquela que fez com que adquirisse consistência, nos primórdios do direito do trabalho, como fenômeno organizativo inicialmente traduzido como simples coalizão, depois evidenciado por outras formas, da qual a organização sindical é a mais relevante.

O trabalhador, sozinho, não tem condições de negociar a contento com o empregador, salvo raras vezes ou em casos muito especiais, situação essa reconhecida sem contestação pelos especialistas. É que o vínculo de emprego apresenta como característica básica a subordinação, que é exatamente a dependência em que se põe o trabalhador diante do empregador; dependência essa que é de várias ordens: econômica, técnica, hierárquica e jurídica.

A subordinação, sendo uma situação objetiva na qual alguém se põe à disposição de outrem para cumprir ordens e trabalhar sob o seu poder de direção, retira a possibilidade de nivelamento para discussão livre de interesses em desfavor do subordinado, que é o trabalhador.

A tal ponto a negociação coletiva é valorizada que há países nos quais é um substitutivo da contratação individual. Nos Estados Unidos, quando se fala em contrato de trabalho pensase exclusivamente em contrato coletivo e não em contrato individual. Onde não há contrato coletivo, não há contrato de trabalho. Há um vazio que é preenchido pela empresa por sua iniciativa, dependendo da sua disposição, raramente afastada, de conceder direitos aos respectivos

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trabalhadores. Nunca ou quase nunca é liberada essa disposição. É uma forma de defesa da empresa contra a possibilidade de organização, nela, de sindicatos, daí o interesse patronal em conceder as mesmas ou maiores vantagens até do que as previstas nos contratos coletivos existentes em outras empresas.

3. Função da negociação coletiva

Restringindo-se esta análise aos aspectos centrais, é possível concluir que a negociação cumpre uma principal função, que é a normativa, assim entendida a criação de normas que serão aplicadas às relações individuais de trabalho desenvolvidas no âmbito da sua esfera de aplicação.

Essa é a sua função precípua, presente desde as primeiras negociações sobre tarifas nas relações de trabalho dos países europeus, destinadas a fixar o preço do trabalho.

A sua importância, como fonte de regulamentação dos contratos individuais de trabalho, é das maiores, sendo essa a sua missão, e por si justificadora da sua existência.

No entanto, ao lado da função normativa, acha-se a de caráter obrigacional, porque a negociação pode servir, como serve, para criar obrigações e direitos entre os próprios sujeitos estipulantes, sem nenhum reflexo sobre as relações individuais de trabalho. Com essa finalidade, a negociação é usada apenas para estabelecer deveres e faculdades que se restringem às organizações pactuantes, de caráter nitidamente obrigacional entre elas, sem qualquer projeção fora da esfera dos sujeitos, não atingindo os empregados e empregadores do setor.

É possível ainda aduzir outra função da negociação, que é a compositiva, como forma de superação dos conflitos entre as partes, alinhando-se entre as demais formas compositivas existentes na ordem jurídica, que vão até a solução jurisdicional.

É que os interesses dos trabalhadores e os dos empregadores são antagônicos e necessitam de composições; se eles recorressem sempre ao órgão jurisdicional, não encontrariam solução célere, daí a finalidade compositiva da negociação, nesse sentido, um verdadeiro equivalente jurisdicional, tomada a expressão num sentido amplo.

Até aqui assinalamos as funções jurídicas da negociação coletiva como forma de composição dos conflitos coletivos e de constituição de vínculos, normativos e obrigacionais, destinados a reger os direitos e deveres de empregados e empregadores, nos respectivos âmbitos, ou das próprias entidades convenentes, entre si.

Agora convém acrescentar outras funções, não jurídicas, dentre as quais a política, a econômica e a social.

A negociação coletiva cumpre uma função política enquanto forma de diálogo entre grupos sociais numa sociedade democrática, cuja estrutura política valoriza a ação dos interlocutores sociais, confiando-lhes poderes para que, no interesse geral, superem as suas divergências. O equilíbrio do sistema político pode ser atingido pelas perturbações na ordem social, resultantes, às vezes, dos conflitos trabalhistas e na medida da generalização destes. Não é interesse do governo a luta permanente entre as classes sociais, de modo que a adoção de mecanismos adequados para

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evitar o atrito é do interesse geral da sociedade como um todo. A instabilidade política pode ainda resultar dos conflitos trabalhistas, de tal forma que, sendo a negociação um instrumento de estabilidade nas relações entre os trabalhadores e as empresas, a sua utilização passa a ter um sentido que ultrapassa a esfera restrita das partes interessadas para interessar à sociedade política.

A negociação coletiva cumpre uma função econômica de meio de distribuição de riquezas numa economia em prosperidade, ou, também, uma função ordenadora numa economia em crise. A melhoria da condição social do trabalhador não pode prescindir de uma técnica que, sendo adequada em relação às possibilidades de cada empresa ou de cada setor da economia, permite que, sem maiores traumas, sejam atendidas as reivindicações operárias perante o capital. Mas não é apenas essa a finalidade da negociação, uma vez que, além de atuar para distribuir, também o faz para recompor. São conhecidas as negociações nas quais os trabalhadores fazem concessões, como no caso da...

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