A Necessidade de Racionalização e Eficiência no Poder Executivo: Problemas e Soluções no Trâmite dos Processos Administrativos

AutorIsabella Barros Gama
Páginas203-265
Se Joseph K., personagem principal da famosa saga de Franz Kafka, “O
Processo”, pudesse analisar a atual situação dos processos administrativo e judi-
cial no Brasil, diria com bastante propriedade:
Devo me portar como quem nada aprendeu depois de um ano de processo?
Deixar-me levar como um imbecil que não conseguiu compreender nada?
Permitir que digam que no início do meu processo eu queria vê-lo terminado
e que no  nal desejava recomeçá-lo? Não, não quero que digam isso de mim.1
Isto porque desde 08 de dezembro de 2004, com a introdução pela Emen-
da Constitucional nº 45 de uma garantia fundamental, no âmbito judicial e
administrativo, a uma razoável duração do processo e aos meios que garantam
a celeridade de sua tramitação (artigo 5º, LXXVIII CRFB/88), parece que o
Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer.
Atualmente, quando um administrado objetiva uma resposta do Poder Pú-
blico, vê-se envolvido na intrincada teia do trâmite processual administrativo,
e, ao deparar-se com uma decisão  nal desfavorável, após exaustivas movimen-
tações com avanços e reveses, acaba por ter de recomeçar o curso processual na
longa e interminável via judicial.
Visando à compreensão este ciclo, este trabalho se propõe a investigar os
problemas, falhas e ine ciências existentes no trâmite dos processos administra-
tivos do Poder Executivo, que fazem com que os cidadãos tenham de recorrer
a outro Poder–o Judiciário, para buscar a concretização de seu direito, assober-
bando a pauta de julgamentos judiciais.
Conquanto atualmente todos os Poderes movam processos administrati-
vos para a organização de suas funções internas de rotina, como a realização
de licitações, contratação de pessoal, realização de convênios administrativos,
etc., para efeito desta análise, abordar-se-ão tão-somente os processos do Poder
1 KAFKA, Franz. O processo. Trad. Marques Rebêlo. Rio de Janeiro: Tecnoprint Grá ca S.A., 1971, p. 253.
IV. A NECESSIDADE DE RACIONALIZAÇÃO E EFICIÊNCIA NO PODER
EXECUTIVO: PROBLEMAS E SOLUÇÕES NO TRÂMITE DOS PROCESSOS
ADMINISTRATIVOS
INTRODUÇÃO
204 COLEÇÃO JOVEM JURISTA
Executivo que se constituem como o instrumento essencial para o desempenho
de suas atividades típicas. Destes, serão abordados neste trabalho apenas os de
cunho eminentemente jurídico2.
Nelson Nery Costa3, ao sistematizar o conceito de processo administrativo,
indica a existência de quatro correntes. A primeira, adotada por José dos Santos
Carvalho Filho, ressalta sua função instrumental, caracterizando-o como a série
de documentos que compõem os autos administrativos.
A segunda, em uma abordagem mais ampla, compreende-o como a relação
entre a Administração e o administrado, conceituando-o como o conjunto de
atos ordenados para solução de uma controvérsia administrativa. Nesse sentido,
Hely Lopes Meirelles distingue os processos administrativos propriamente di-
tos, que encerram um litígio envolvendo o Poder Público, dos impróprios, que
seriam os meros expedientes que tramitam pelos órgãos administrativos sem
envolver controvérsia entre os interessados.
A terceiro entende o processo administrativo como o conjunto de medidas
preparatórias para uma decisão  nal.
A quarta, defendida por José Cretella Júnior, entende o processo adminis-
trativo como sinônimo de processo disciplinar, considerando-o como o pro-
cesso que envolve a absolvição ou condenação de um servidor público após a
garantia de sua ampla defesa.
Ainda que os processos administrativos disciplinares, por sua complexida-
de, contemplem a maioria dos problemas aqui levantados, além de responsáveis
pelo maior volume de recursos ao Judiciário4, estes constituem-se como ape-
nas uma das espécies dos processos administrativos propriamente ditos. Desse
modo, adotar-se-á como conceito de processo administrativo:
o conjunto de atos administrativos, produzidos por instituições públicas ou
de utilidade pública, com competência expressa, respaldados em interesse
público, que são registrados e anotados em documentos que formam peças
2 A tabela de assuntos de processos administrativos estaduais é extremamente abrangente, abarcando desde
a venda de bilhetes de raspadinha (código 12.9.2) aos processos de investigação policial que tramitam
nas delegacias (por exemplo, processos de instigação/induzimento/auxílio ao suicídio – código 3.6.1.18).
Este trabalho tratará apenas dos processos que tramitam pelas Assessorias Jurídicas dos órgãos do Poder
Executivo para análise e parecer.
3 NERY JÚNIOR, Nelson. Processo administrativo e suas espécies. 4ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p. 6-8.
4 Segundo dados do STF, 20,32% dos Recursos Extraordinários e Agravos de Instrumento que chegaram
ao STF entre julho e novembro de 2007 tinham como matéria principal servidores públicos e militares
(FALCÃO, Joaquim. Uma Reforma Muito Além do Judiciário. In: Interesse Nacional, ano I, n. I, abril-
junho, 2008. São Paulo: Brand Member Marketing Direto LTDA, 2008, p. 11).
A NECESSIDADE DE RACIONALIZAÇÃO E EFICIÊNCIA NO PODER EXECUTIVO 205
administrativas, disciplinando a relação jurídica entre a Administração e os
administrados, os servidores públicos ou outros órgãos públicos.5
O processo administrativo só ganhou relevância na doutrina, a partir do
século XX. Até então, negava-se sua existência. As etapas preliminares dos atos
emanados pelo Poder Público eram consideradas como um simples procedi-
mento, em que a atividade administrativa limitar-se-ia à execução de ofício das
diretrizes políticas determinadas pelas autoridades ou pela lei6.
Odete Medauar levanta alguns motivos para a rejeição, tanto por proces-
sualistas, como por administrativistas, de atribuir o conceito de “processo” ao
processo administrativo. Primeiramente, o termo “processo” sempre  cou his-
toricamente restrito à compreensão de jurisdição e restringia-se assim o caráter
processual aos processos judiciais. Também, em sendo a atividade administrativa
mais livre do que a judicial, entendia-se não haver uma padronização processual
em âmbito administrativo, além de o foco estar no ato  nal e não nas etapas que
sucederiam à decisão do Poder Público. Finalmente, em razão de o Direito Ad-
ministrativo estar permeado de concepções subjetivistas, que compreenderiam
o ato administrativo como uma manifestação de vontade da autoridade, restaria
prejudicada a percepção da processualidade na via administrativa7.
Esta di culdade em reconhecer a existência de um processo no desempe-
nho das atividades do Poder Público remonta às origens do Direito Adminis-
trativo no século XIX. Neste período, enfatizava-se a noção formalista de “ato
administrativo”–ato unilateral, concebido como manifestação discricionária de
autoridade, decorrente do exercício do Poder de Polícia da Administração, a
qual norteava-se apenas pelos critérios de conveniência, oportunidade e supre-
macia do interesse público.
No início do século XX, na Alemanha, o estudo dos “atos administrati-
vos complexos”, em que mais de um agente concorria para a realização de um
mesmo resultado jurídico, acabou por distinguir o procedimento do ato ad-
ministrativo. O procedimento administrativo revestia-se de aspecto dinâmico,
sendo compreendido como uma sucessão de atos ou fases que se desenvolviam
concatenadamente, tendo em vista um resultado  nal.
Com efeito, a conceituação do procedimento foi determinante para via-
bilizar o controle jurisdicional do ato administrativo, mediante o conheci-
mento das fases e atos anteriores que levavam à decisão  nal. Tal concepção só
5 NERY JÚNIOR, Nelson, op. cit., p. 8.
6 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 56.
7 Ibidem, p. 18.

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