Convocação simultânea de assembléia ou reunião de sócios no direito brasileiro

AutorMarcelo Vieira Von Adamek
Páginas323-335

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TJMG, AI n. 1.0480.05.076607-4/001(1) de Patos de Minas, 17a Câmara Cível, Rel. Des. Irmar Ferreira Campos, v.u.,j. 9.2.2006, DJE30.3.2006.

Agravo de Instrumento. Ação Cautelar. Liminar. Convocação de Assembléia. Formalidades. Dispensam-se as formalidades previstas no § 3o, do art. 1.152, do CC/2002 quando todos os sócios comparecerem ou se declararem, por escrito, cientes do local, data, hora e ordem do dia, conforme se aduz da redação do art. 1.072, § 2o, do mesmo diploma legal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 1.0480.05.076607-4/001 da Comarca de Patos de Minas, sendo Agravante(s): Hélio Bernardes Dias e Agravado(a)(s): Expresso Leãozinho Ltda. e Outro,

Acorda, em Turma, a 17a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais rejeitar as preliminares e negar provimento ao recurso.

Presidiu o julgamento o Desembargador Eduardo Mariné da Cunha (2o Vogal) e dele participaram os Desembargadores Irmar Ferreira Campos (Relator) e Luciano Pinto (1o Vogal).

O voto proferido pelo Desembargador Relator foi acompanhado, na íntegra, pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Produziu sustentação oral, pelo agravante, o Dr. Luiz Barra Cordeiro e, pelos agravados, o Dr. Bernardo Ribeiro Câmara.

Belo Horizonte, 9 de fevereiro de 2006.

Des. Irmar Ferreira Campos - Relator.

VOTO

O Sr. Desembargador Irmar Ferreira Campos: Trata-se de agravo de instrumento interposto por Hélio Bernardes Dias contra decisão de f. 28/32 que, nos autos da medida cautelar inominada interposta pelo agravante em face de Expresso Leãozinho Ltda. e Eli Bernardes Dias, deferiu parcialmente a liminar suspendendo

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os efeitos do edital de convocação apenas quanto à condição de não representação do autor por intermédio de advogado, autorizando o mesmo a se fazer representar por pessoa capaz, indeferindo as demais providências cautelares solicitadas.

Assevera a parte agravante que a ex-ceção do art. 1.072, § 2o, do novo Código Civil, dispensa as formalidades de convocação (publicações dos editais), mas não dispensa o intervalo de cinco dias, para a segunda convocação, conforme prevê o art. 1.152, § 3o, do mesmo diploma legal.

Alega que o administrador da sociedade não tem o poder de suprimir a exigência de intervalos entre as convocações.

Assevera que o fato das duas assembléias terem sido marcadas para o mesmo dia, qual seja, 29.11.2005, gera a nulidade absoluta do ato.

Requer a concessão do efeito suspensivo, para suspender a realização da reunião de sócios (29.11.2005) e, ao final, a cassação da decisão vergastada, no tocante ao indeferimento da suspensão dos efeitos do ato convocatório, com a declaração da nulidade absoluta.

À f. 40 indeferi o efeito suspensivo pleiteado pela parte recorrente.

A parte contrária apresentou resposta às f. 53/64, alegando preliminarmente a instrução deficiente do agravo e a prejudi-cialidade parcial do mesmo, tendo em vista a realização da Assembléia em 29.11.2005.

Conheço do recurso, presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

Preliminar:

A alegação de que o recurso não foi devidamente instruído, não merece acolhida, uma vez que a inicial da cautelar, necessária à exata compreensão da lide, encontra-se nos autos às f. 10/18.

O argumento de perda do objeto também não merece acolhida, pois no caso de provimento do agravo a Assembléia poderá ser declarada nula.

Por tais razões, rejeito as preliminares argüidas pela parte recorrida e passo a analisar o mérito.

Mérito:

Entendo que a irresignação da parte agravante não merece prosperar.

O cerne do presente agravo é a possível irregularidade da convocação que não respeitou todas as formalidades estatuídas no novo Código Civil.

A propósito da regularidade de tal convocação, o art. 1.072, § 2o, do CC/2002, assim prevê: "Art. 1.072. As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em assembléia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato. (...). § 2°. Dispensam-se as formalidades de convocação previstas nos § 3o do art. 1.152, quando todos os sócios comparecerem ou se declararem, por escrito, cientes do local, data, hora e ordem do dia".

O art. 1.152, § 3o, do diploma legal supracitado dispõe: "Art. 1.152. Cabe ao órgão incumbido do registro verificar a regularidade das publicações determinadas em lei, de acordo com o disposto nos parágrafos deste artigo. (...) § 3o. O anúncio de convocação da assembléia de sócios será publicado por três vezes, ao menos, devendo mediar, entre a data da primeira inserção e da realização da assembléia, o prazo de oito dias, para a primeira convocação, e de cinco dias, para as posteriores".

Sendo assim, não constato qualquer irregularidade de dita convocação, lembrando que o próprio agravante, ao ingressar com a ação sob exame demonstrou ciência inequívoca do local, data, hora e dia da assembléia, concluindo-se pela sua regularidade, como bem disse o MM. Juiz da causa, in verbis: "No caso presente o autor está ciente de sua convocação para reunião que se realizará no dia 29.11.2005

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às 13h em primeira convocação e às 14h em segunda convocação, conforme consta da inicial. Diante disto, tendo acusado por escrito a ciência do evento dispensam-se as publicações com as antecedências de oito e cinco dias como diz o § 2o do art. 1.072 c/c art. 1.152, § 3o do CC. Sob este aspecto indefiro o pedido de concessão de liminar para suspensão dos efeitos do ato convocatório".

A parte agravada juntou às f. 155/159 a ata de reunião de sócios realizada no dia 29.11.2005, expondo que o agravante compareceu àquela reunião, devidamente representado por seu procurador, Evandro Luiz Barra Cordeiro.

Não se pode deixar de observar que o Processo Civil contemporâneo vem afirmando, cada vez com maior intensidade, o princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual se deve privilegiar a verdade material, o conteúdo do processo, em detrimento do formalismo.

Com efeito, mesmo que o ato objeto de discussão tivesse desrespeitado alguma formalidade deveria ser mantido em respeito ao princípio supramencionado.

Neste sentido segue o seguinte dispositivo legal: "O ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte" (CPC, art. 249, § 1o).

De se trazer, a respeito, a doutrina de Humberto Theodoro Júnior: "Embora se reconheça a importância das formas para garantia das partes e fiel desempenho da função jurisdicional, não vai o Código, na esteira das mais modernas legislações processuais, ao ponto de privar sempre o ato jurídico processual de efeito apenas por inobservância de rito, quando nenhum prejuízo tenham sofrido as partes. O princípio que inspirou o Código, nesse passo, foi o que a doutrina chama de princípio da instrumentalidade das formas e dos atos processuais, segundo o qual o ato só se considera nulo e sem efeito, se, além da inobservância da forma legal, não tiver alcançado a sua finalidade. (...) Mas em qualquer caso, mesmo quando haja expressa comi-nação de nulidade para a inobservância de forma, o juiz não decretará a nulidade nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta: a) se não houve prejuízo para a parte (art. 249, § 1o); b) quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração de nulidade" (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 3a ed., p. 308).

Depreende-se do seguinte julgado do STJ: "A concepção moderna do processo, como instrumento de realização da Justiça, repudia o excesso de formalismo, que culmina por inviabilizá-la" (4a Turma, REsp 15.713-MG, Relator o Ministro Sál-vio de Figueiredo Teixeira, votação unânime, publ. DJUde 24.2.1992, p. 1.876).

Quando o ato que se busca anular não acarreta prejuízo às partes, a sua eventual invalidação incorre em inequívoca ofensa ao princípio processual da instrumentalidade das formas que, segundo Lopes da Costa: "se harmoniza com outros dois: o da economia e o da celeridade processual" (Manual Elementar de Direito Processual Civil, atualizado por Sálvio de Figueiredo Teixeira, 3a ed., Forense, p. 63).

Estou convicto de que o ato cuja nulidade o agravante pretende ver decretada, enquadra-se na hipótese do art. 1.072, § 2o, do CC/2002 e não há falar em desrespeito a qualquer formalidade legal.

Por tais razões, nego provimento ao agravo e mantenho inalterada a decisão objurgada.

Custas ex lege.

Des. Irmar Ferreira Campos.

Comentário de

Marcelo Vieira von Adamek1

1. O caso concreto (resumo do litígio)
  1. Pelo que se depreende do relatório do acórdão sob comentário, o sócio de so-

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    ciedade limitada propôs medida cautelar inominada para obstar a realização de reunião de sócios convocada pela administração social ou, alternativamente, suspender a restrição imposta no edital de convocação à representação de sócio no conclave por advogado.

  2. Em primeira instância, a medida liminar foi parcialmente concedida: o juiz da causa, socorrendo-se da regra do art. 1.072, § 2°, do CC, entendeu que o sócio, ao se declarar por escrito, em juízo, ciente do local, data, hora e ordem do dia da reunião, teria assim suprido e dispensado as formalidades de convocação previstas no art. 1.152, § 3o, do mesmo Código, razão pela qual não haveria motivo para obstar a sua realização; afastou, tão-somente, a restrição à representação de sócio por procurador legitimado e habilitado (CC, art. 1.074, § 1o; e EA, art. T, VI, d).

  3. Inconformado com a concessão parcial da liminar, o sócio...

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