Influências de Teixeira de Freitas na Codificação Civil Brasileira - Parte I

AutorVinicius Elias Hauagge
CargoAdvogado. Especialista em Direito Processual Civil e em Direito Tributário pelo IBEJ
Páginas15-19

Page 15

Introdução

Os doutrinadores são unânimes quando afirmam ser o Direito Privado brasileiro1 contemporâneo mais lusitano que o Direito português atual2.

Tal fato ocorreu em razão de uma série de fatores, dentre os quais o mais importante, seguramente, foi a vigência em solo brasileiro do Livro IV das Ordenações Filipinas até o início do século XX, ocasião em que foram substituídas pelo Código Civil elaborado por Clóvis Beviláqua.

Apesar de não sofrer influências diretas3 do projeto de Teixeira de Freitas, o Código de 1916 e da mesma sorte o de 2002, mantiveram em sua essência, a estrutura jurídica herdada de Portugal, anteriormente condensada por Teixeira de Freitas.

Então, pretende-se com o presente estudo, fazer uma sucinta análise do Direito brasileiro posterior à independência política, ocorrida em 1822, ressaltando ainda o papel de Teixeira de Freitas na codificação em terras americanas.

Objetiva-se, também, traçar os prováveis rumos seguidos pelo legislador do século XXI, apontando-se ainda um dos muitos caminhos que eventualmente serão trilhados pelo Direito Privado no seu constante desenvolvimento.

1. Da independência política
1.1. Antecedentes

Em 7 de setembro de 18224, nas margens do Ipiranga, Dom Pedro I5 apenas concretiza o processo inevitável e irreversível de independência política, iniciado de forma mais clara e evidente com a chegada da Corte Portuguesa no Hemisfério Sul.

Durante os quase treze anos em que permaneceu no Brasil, Dom João VI promoveu mudanças significativas no perfil social e econômico, que culminaram com a independência decretada por seu filho. Dentre tantas, pode-se afirmar que a abertura dos portos para as nações amigas certamente foi a mais relevante6.

Ao assim agir, extinguiu o monopólio7 de Portugal sobre o comércio8, perdendo então o Brasil a característica principal daquilo que se pode chamar de colônia9.

No ano de 1815, o território teve sua categoria elevada, com a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. Pouco tempo depois, em decorrência do falecimento de sua mãe, D. Maria I, Dom João VI foi aclamado e coroado rei de Portugal10, mas mesmo assim permaneceu em solo sul-americano.

Em seguida, mais precisamente em 1820, eclode a "Revolução do Porto" e, diante do desenrolar da crise, não resta alternativa ao monarca senão o retorno para Portugal em abril de 1822. Entretanto, sabiamente, deixa seu filho em território brasileiro no cargo de príncipe regente11.

Para atender os interesses da burguesia lusitana, Lisboa edita decretos exigindo o imediato regresso do herdeiro para o velho continente, obrigando ainda total e irrestrita obediência das províncias do além-mar à Metrópole.

Extingue-se também o Tribunal de Suplicação existente na cidade do Rio de Janeiro. Agindo assim, objetivou-se a total submissão do território brasileiro à justiça portuguesa.

Com estes atos unilaterais, fica cristalino o interesse das Cortes em impor novamente o 'pacto colonial', pois inúmeros benefícios conferidos quando da presença de Dom João VI foram cassados de forma sumária e injustificada.

Evidente que tais atitudes arbitrárias repercutiram imediatamente, resultando em enorme mobilização da elite brasileira, acostumada com as benesses concedidas por Dom João VI quando de sua permanência em terras americanas.

1.2. Da concretização

Dotado de excelente reputação entre os súditos, especialmente na alta camada social12, o regente desobedece ao comando e permanece em terras brasileiras13. No mês de maio de 1822 estabelece a política do "cumpra-se"14.

O anseio por uma nação independente infla a sociedade e, na data de 1º de agosto, Dom Pedro dirige um manifesto aos brasileiros, onde solicita a união da coletividade em prol dos interesses da pátria nascitura.

Cinco dias após, edita novo documento em que exige o reconhecimento pelos demais povos dos direitos do Brasil. Posteriormente, conclama a instauração de uma assembléia constituinte, seguido de um ato que prega serem inimigas todas as tropas portuguesas que chegassem ao Brasil sem seu prévio consentimento.

No mesmo mês, viaja até a província de São Paulo para resolver problemas decorrentes de uma suposta revolução, e, durante sua ausência, chegam ao Rio de Janeiro ordens das Cortes Portuguesas exigindo seu imediato retorno para Portugal. No mesmo documento, anulava-se também a convocação da constituinte tencionada pelo príncipe.

Diante do teor das correspondências vindas do outro lado do Atlântico, sua esposa, D. Leopoldina, em conjunto com seu conselheiro José Bonifácio, escreve ao Page 16 príncipe relatando o ocorrido. Dom Pedro recebe a missiva na tarde do dia 7 de setembro15 e após leitura, segundo relatos, montou em seu cavalo e se dirigiu às margens do Ipiranga, onde com gesto teatral, bradou a tão famosa frase: "Independência ou Morte!"

O Brasil materializa então, na pessoa de seu Imperador, o desejo instintivo daquele filho que, após ser criado e educado por seus genitores, objetiva de forma irredutível e incansável se desvincular do seio materno16.

2. Das conseqüências legislativas
2.1. Do Decreto de 20 de outubro de 1823

Evidente que o processo de concretização da independência política não seria algo rápido e fácil, e num exercício de ficção, transportando-se essa afirmativa para a realidade atual, exigir-se-iam enormes esforços dos governantes para organizar e estruturar um estado dotado de dimensões continentais; não obstante a agilidade da informática, conjugada com as facilidades de transporte e comunicação.

Porém, a realidade encontrada por Dom Pedro é outra; sequer existiam os meios de comunicação modernos17, o que fez a notícia do desmembramento se espalhar lentamente pelos rincões mais longínquos do país.

Da mesma forma, o controle e a instauração da máquina estatal era (e ainda é) algo moroso e extremamente burocrático, fazendo-se necessário adaptar e aproveitar ao máximo a estrutura existente instalada por Portugal.

E o mesmo aconteceu na esfera legislativa, pois o Estado e seus integrantes não poderiam ficar órfãos diante da ausência de uma legislação originalmente brasileira18.

Por tais razões que, não obstante a independência, na data de 21 de outubro de 1823 é editada uma norma em que se determina que as ordenações, leis e decretos promulgados pelos reis de Portugal até 25 de abril de 1821 vigorariam no outro lado do Atlântico enquanto não se organizasse um novo Código, ou não sofressem alteração legislativa19.

2.2. Da Constituição de 1824

Em 17 de abril de 1823, iniciam-se os trabalhos preparatórios da Assembléia Constituinte convocada para o dia 3 de maio do mesmo ano. As atividades seguem de forma tumultuada, até que na sessão de 5 de setembro o projeto20 foi finalmente apresentado.

Era excessivamente prolixo e confuso, com inúmeros defeitos de técnica e terminologia. Tais fatores procrastinavam a aprovação do texto, gerando ao mesmo tempo atrito com o Imperador. Por sua vez, a população, alheia aos problemas formais, tinha pressa na concretização da primeira Lei Maior e em 10 de novembro invade a Casa de Leis.

Ante o ocorrido, D. Pedro dissolve a assembléia, outorgando no ano seguinte a Carta Constitucional Brasileira, que preconizava em seu artigo 17921 a elaboração de Códigos Civil e Criminal.

A confecção de tais dispositivos legais era urgente, motivado não somente pelo fato de vigorar no país legislação estrangeira, mas também em razão da ótica predominantemente medieval22 inseridas nos textos, que não refletiam a realidade vigente no século XIX.

3. Do movimento codificador
3.1. Antecedentes

A codificação, propriamente dita, tem sua semente lançada no raiar da 23idade moderna, quando se deixa de lado a concepção escolástica do Direito e os estudiosos buscam uma justificativa temporal para o sistema que regulamenta a vida em sociedade.

Derrubam-se assim as muralhas medievais, quebrando-se as antigas estruturas do sistema: o homem converte-se no centro do universo!24 É clara a necessidade de novos paradigmas para a justificativa do poder e das normas.

O Direito Natural é desvinculado de qualquer concepção cristã, afinal "a relação homem-transcendente foi enfraquecendo e não tardou a contestar-se frontalmente a religião: o pensamento moderno rompeu com o teológico e tornou-se laicizante"25. Esta concepção afeta inclusive a nobreza, pois "os próprios reis não podiam subtrair-se às leis naturais, fundamentais, universais, permanentes, imutáveis, que decorrem da natureza humana"26.

Descartes, Newton, Leibniz, Galileu e outros gênios transmitem seus ensinamentos. Os doutrinadores contagiam-se pelo espírito vigente27 e a sustentabilidade do Direito, baseada no Antigo Regime, é abalada; almejase uma certeza jurídica28 que não é mais fornecida pela opinião comum dos doutores29.

Grócio explana suas idéias com a publicação da obra Direito da Guerra e da Paz, texto que segundo Mário Júlio da Costa, em muito influenciou o "novo Direito Natural"30. Este recebe uma nova roupagem, concebida como racional e subjetivista, daí decorrendo os Direitos individuais dos cidadãos, oponíveis ao Estado e inerentes à natureza humana. O Iluminismo espalha-se pelo Ocidente31.

A construção ideológica do século XVIII e XIX está fundada no princípio de um homem dotado de certos Direitos naturais inalienáveis e que o principal fim do Estado é assegurar estas garantias32.

Tais garantias levam à transformação do Direito de liberdade, que se desdobra em liberdade religiosa, política e jurídica. Por fim, compreende-se que o...

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