A jurisprudência do STF e do STJ sobre progressão de regime em crimes hediondos

AutorAlexandre Pontieri
CargoAdvogado; Pós-Graduado em Direito Tributário pelo CPPG – Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU, em São Paulo; Pós-Graduado em Direito Penal pela ESMP-SP – Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo
1. A jurisprudência do STF e do STJ sobre progressão de regime em crimes hediondos

A polêmica questão da derrogação ou não § 1º, do artigo 2º da lei nº 8.072/90 pela lei nº 9.455/97 sempre esteve presente em nossos Tribunais. Os debates sempre foram muito ricos sob o aspecto das posições defendidas por nossos julgadores.

Diante das diversas discussões sobre o tema, recentemente o Supremo Tribunal Federal havia editado a Súmula nº 698, que assim dispõe: "Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura".

Assim, questão que se faz fundamental para entendermos o problema da lei 8.072/90 em face da lei 9.455/97 é a de saber como fica o cumprimento da pena para os denominados crimes hediondos?

Para podermos entender esta questão, é necessário entender um pouco os posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, desde a vigência da Lei 9.455/97 até a edição da Súmula nº 698 pelo Supremo Tribunal Federal.

A questão da extensão da progressividade, prevista na Lei 9.455/97 para os crimes de tortura, a todos os crimes hediondos e equiparados, no entanto, não havia recebido muito apoio em alguns Tribunais, principalmente no Supremo Tribunal Federal. No Colendo Supremo Tribunal Federal a tese da aplicação analógica (in bonam partem) da lei citada a todos os crimes hediondos não foi aceita (STF, HC 76.371-SP, j. 25.03.1998). No Egrégio TJSP predominou também esse último entendimento restritivo (v. Ap.Crim. 229.0873/7, rel. Silva Pinto, j. 20.10.1997).

Analisando alguns julgados dos Tribunais Superiores, podemos concluir que o Superior Tribunal de Justiça através de alguns de seus Ministros, principalmente pelos votos do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, foi o que mais se aproximou de uma análise global e sistemática de nossa legislação dentro de todo o ordenamento, buscando dar maior efetividade aos preceitos da Constituição Federal.

Faremos a transcrição de algumas ementas com a finalidade de conhecer e analisar quais as linhas de raciocínio seguidas por nossos julgadores.

Não temos como colocar todas as decisões, mas procuraremos colocar as principais, pois, como sabemos, cada decisão é de uma importância única, diante da análise de vidas que estão por trás dos papéis, e cada uma dessas decisões ditarão os rumos que serão seguidos pelos demais Tribunais, melhorando ou não o sistema vigente.

Merece grande atenção o Recurso Especial nº 140.617, com o voto do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro:

"Resp - 140.617-GO - Ementa da Decisão de 2/9/1997:

Resp - Constitucional - Penal - Execução da Pena - Crimes Hediondos (Lei N. 8.072/90) - Tortura (LEI N. 9.455/97) - Execução - Regime Fechado - A Constituição da República (Art. 5., XLIII) fixou regime comum, considerando-os inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como Crimes Hediondos. A Lei N. 8.072/90 conferiu-lhes a disciplina jurídica, dispondo: "A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado" (Art. 2., parag.. 1.). A Lei N. 9.455/97 quanto ao crime de tortura registra no art. 1. - 7.: "O condenado por crime previsto nesta lei, salvo a hipótese do parag. 2., iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. A lei N. 9.455/97, quanto a execução da pena, é mais favorável do que a Lei N. 8.072/90. Afetou, portanto, no particular , a disciplina unitária determinada pela Carta Política. Aplica-se incondicionalmente. Assim, modificada, no particular a Lei dos Crimes Hediondos. Permitida, portanto, quanto a esses delitos, a progressão de regimes".

Essa decisão do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro do ano de 1997, ou seja, logo em seguida ao surgimento da lei nº 9.455/97, serviu como paradigma para a grande maioria das decisões que foram, e são, favoráveis à progressão do regime prisional para os crimes hediondos em razão da lei da tortura.

O Superior Tribunal de Justiça admitiu a possibilidade da progressão do regime prisional aos crimes hediondos em face à Lei nº 9.455/97 em diversos outros julgados, conforme exposto:

HC 10432 / RJ - "Habeas Corpus. Possibilidade de progressão do regime prisional em face da Lei 9.455/97. Ordem concedida em razão de empate na decisão. Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, em razão de empate na votação conceder a ordem, para admitir a possibilidade de progressão de regime prisional, face à Lei nº 9.455. Votou com o Sr. Ministro Fontes de Alencar o Sr. Ministro Vicente Leal, vencidos os Srs. Ministros Relator e Hamilton Carvalhido. Ausente, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson."(1)

E, seguindo com a linha de raciocínio favorável à progressão de regime em face da lei de tortura adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:

Resp 184918 / RS - "Constitucional. Penal. Execução Penal. Regime Prisional. Progressão de Regime. Crimes Hediondos. Lei nº 8.072/90, Art. 1º, § 2º. Lei nº 9.455/97, Art. 1º, § 7º. Lex Mitior. Incidência. - É dogma fundamental em Direito Penal a incidência retroativa da lex mitior, encontrando-se hoje entronizado em nossa Carta Magna, ao dispor que a "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu" (art. 5º, XL). - Se a Lei nº 9.455/97 admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, conferindo tratamento mais benigno à matéria regulada pela Lei nº 8.072/90, é de rigor a sua incidência no processo de individualização da pena dos demais delitos mencionados no art. 5º, XLIII, da Constituição, em face do tratamento unitário que lhe conferiu o constituinte de 1988. Recurso especial conhecido e provido."(2)

A posição adotada até então pelo Superior Tribunal de Justiça tratava de pontos essenciais como a aplicação da Lex Mitior, afirmando que a lei penal não retroagirá , salvo para beneficiar o réu, e, principalmente da individualização da pena em razão da progressão do regime prisional para os crimes de tortura.

O caráter individualizador das penas é a grande chave para uma correta aplicação dos princípios de direito penal. Assim, nessa linha de raciocínio, as ponderações dos Professores Zaffaroni e Pierangeli sobre a faculdade individualizadora que as penas devem ter:

"O CP brasileiro segue o sistema conhecido como o das penas "relativamente indeterminadas". Salvo as penas que por sua natureza não admitem a quantificação, as demais são estabelecidas legalmente de forma relativamente indeterminada, isto é, fixando um mínimo e um máximo, possibilitando, sempre, uma margem para a consideração judicial, de conformidade com as regras gerais de que é o juiz que deve concretiza-las no caso concreto."(3)

Ainda dentro da análise das decisões aplicadas pelos Tribunais Superiores, o Superior Tribunal de Justiça tratou da questão da aplicação das penas alternativas em face da lei dos crimes hediondos, analisando com muita coerência a matéria:

HC 9466 / SP - "HC - Constitucional - Penal - Crime Hediondo (Lei 8072/90) - Penas Alternativas (Lei nº 9.714/98) - A lei nº 9714/98, encerrando modernas recomendações criminológicas, autoriza aplicar penas alternativas nas condenações até quatro anos; com isso, coloca-se (ou recoloca-se) na sociedade, o condenado para, paulatinamente, reeducar-se para a convivência. Incide também nos casos de condenação por crime hediondo, ou a ele equiparados. Tanto assim, a lei, literalmente, exclui as infrações não contempladas: pena superior a quatro anos e o crime cometido com violência ou grave ameaça a pessoa. A pena aplicada, como o cumprimento, diminui dia a dia. A Lei de Execução Penal estatui no art. 113: " No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena". Desse modo , o resgate diário, quando reduzir a condenação a quatro anos, enseja, reunidas também as condições subjetivas, aplicar pena alternativa. O réu é condenado a x, mas está condenado a x-y. Modificada a situação jurídica, altera-se a situação inicial."(4)

E, voltando a tratar da tormentosa questão das leis 8.072/90 versus 9.455/97, continuou o Superior Tribunal de Justiça defendendo, mesmo que através de alguns Ministros, que ficavam cada vez mais isolados, a possibilidade da progressão em face da lex mitior :

HC 8640 / DF - "Constitucional. Penal. Execução penal. Regime prisional. Progressão de regime. Crimes hediondos. Lei nº 8.072/90, Art. 1º, § 2º. Lei nº 9.455/97, Art. 1º, § 7º. Lex mitior. Incidência. - É dogma fundamental em Direito Penal a incidência retroativa da lex mitior, encontrando-se hoje entronizado em nossa Carta Magna, ao dispor que a "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu" (art. 5º, XL). - Se a Lei nº 9.455/97 admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, conferindo tratamento mais benigno à matéria regulada pela Lei nº 8.072/90, é de rigor a sua incidência no processo de individualização da pena dos demais delitos mencionados no art. 5º, XLIII, da Constituição, em face do tratamento unitário que lhe conferiu o constituinte de 1988. Habeas-corpus concedido."(5)

E continuou, reforçando princípios que servem de pedra mestre para a correta adequação das leis ordinárias à Carta Magna, tornando a aplicação do direito cada vez mais vivo e democrático :

RESP 181774 / SP - "Constitucional. Penal. Execução penal. Regime prisional. Progressão de regime. Crimes hediondos. Lei nº 8.072/90, art. 1º, § 2º. Lei nº 9.455/97, art....

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