A Importância da Integração Regional e a Questão das Desigualdades do Processo de Desenvolvimento

AutorFrederico Jayme Katz/Abraham Benzaquen Sicsú/Juliana de Albuquerque Katz
CargoEconomista, Bolsista do IPEA, PROREDES/PNPD/Pesquisador Titular da Fundaj e Professor do Departamento de Engenharia da Produção, UFPE/Bacharel em Direito, Mestranda em Filosofia
Páginas90-112

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Introdução

De há muito, um amplo grupo de analistas sociais defende o entendimento de que a Integração Regional, como no caso do Mercosul, é um processo que merece ser incentivado, pois vem trazendo vantagens para os países participantes e poderá trazer benefícios ainda maiores. Os autores deste artigo alinham-se com este pensamento.

Neste trabalho, no Item II, se apresenta uma discussão de modelos alternativos de desenvolvimento sob a ótica das Relações Econômicas Internacionais, nomeadamente, os Modelos cognominados Voltado para fora e Voltado para dentro. Em seguida, no Item III, inverte-se o foco da análise, trocando a variável de controle. Ou seja, discutem-se, então, formas de Relações Econômicas Internacionais em seus efeitos sobre o Desenvolvimento. Especificamente, considera-se duas opções: a do chamado “livre-comércio”, tão fortemente sugerida para países em desenvolvimento pelos defensores do Neoliberalismo, e a da Integração Regional a um bloco econômico. Ao final deste Item III, apresentam-se algumas conclusões preliminares, quando a Integração Regional é apontada como a opção mais indicada para os periféricos.

Deve-se ressaltar que a discussão acerca das possibilidades de desenvolvimento do capitalismo em país periférico é desenvolvida na literatura, com raras exceções, tomando como fundamentação a Teoria da Dependência (TD), e supondo que os periféricos constituem, em relação aos aspectos relevantes, um conjunto homogêneo. Em função de uma diferenciação que já se observa há algum tempo entre os periféricos, magnificada mais recentemente pelos efeitos da atual crise, surgem trabalhos que desafiam a generalidade das conclusões da TD. No Item IV dirige-se a atenção para esta nova faceta da questão do desenvolvimento. Analisa-se trabalho que levanta a hipótese de que um dos países do bloco em consolidação na América do Sul, seja o Mercosul ou outro conjunto mais ampliado, possa estar em vias de romper a barreira do subdesenvolvimento. A questão é introduzida teoricamente e associada à hipótese de o Brasil ser um caso destes. Se esta possibilidade tem a mais remota chance de se concretizar, obviamente a discussão da integração torna-se ainda mais importante especialmente para os analistas brasileiros. Supondo, por exemplo, que se mantém a posição atual de participação no bloco, coloca-se então, entre outras, a questão de dentro desta perspectiva como participar no mesmo. Um dos objetivos deste texto é chamar a atenção para esta temática.

No Item V, considerada a hipótese aventada no Item IV, defende-se a posição de continuar investindo na nossa Integração Regional. Para tal, levantam-se alguns argumentos pertinentes e bastante visíveis. Para reforçar o ponto, traz-se à tona um esquema de análise desenvolvido pelos autores em trabalhos anteriores, com base na Teoria dos Jogos, para abordar as condições e obstáculos à consolidação do MERCOSUL. Na Teoria dos Jogos, colhe-se mais um elemento favorável à Integração, nos termos da hipótese do Item IV. Defende-se que, se o Brasil não mostrar desprendimento para segurar e ampliar o bloco, e sua posição dentro do mesmo, esta situação receberá novos desafios, como o dos acordos bilaterais, não só por parte dos EUA, correndo-se o risco de isolamento nesta travessia, o que poderá ser um empecilho a mais para o processo de desenvolvimento.

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Relações econômicas internacionais e modelos de desenvolvimento

O tema do desenvolvimento econômico (DE) pode ser estudado através de várias perspectivas, cada uma delas oferecendo possibilidades de cortes distintos. Para atender aos objetivos deste estudo, dirigido à questão da integração, adotou-se uma perspectiva específica que tem como categoria central as relações econômicas de um país em foco com o resto do mundo, ou seja, as Relações Econômicas Internacionais (REI). Assim, obtém-se uma base bastante usual para classificações, suportadas na maneira como o país faz comércio internacional e na intensidade com que ele realiza outras transações econômicas com os demais países. Estas posturas políticas gerarão consequências quantitativas e qualitativas importantes, e distintas, sobre o seu desenvolvimento.

A história do pensamento do DE revela que uma das primeiras, e até hoje mais influente, classificações centradas nas REI encontra-se em Tavares, 1977. Em sua análise da história do Brasil é apresentada uma periodização que se tornou clássica, caracterizada pela predominância do modelo “voltado para fora” (MVF), primário-exportador, e depois do modelo “voltado para dentro” (MVD), com a Industrialização por Substituição de Importações. Quando se avança, cronologicamente, na revisão da literatura, observa-se a ocorrência de uma sutil mudança. Enquanto que, naquele artigo de Tavares, escrito originalmente ainda na década de 60, os conceitos são utilizados para descrever e analisar experiências passadas do DE, a reutilização dos mesmos, em alguns trabalhos das décadas seguintes, se dá com a introdução de algumas nuances. Inicialmente é o MVF que passa a reaparecer. Porém, com seu conteúdo ampliado, engloba também o significado de um possível caminho a ser trilhado no futuro1. Bem mais recentemente, com as decepções da globalização, o MVD também volta a ser cogitado como componente dos modelos de DE, como se verá adiante. Mudanças nas condições concretas fizeram com que os conceitos ampliassem a sua natureza para outras utilizações, levando-os a comportar, atualmente, o duplo sentido de algo que aconteceu e de indicar também uma prescrição para o futuro.

O trabalho segue utilizando a licença deste “abuso de linguagem”. Assim, esta taxionomia que identifica a maioria dos posicionamentos num destes dois grupos deve ser entendida como baseada na maneira como os mesmos se definem em relação a um duplo aspecto estratégico, muito importante, na busca do desenvolvimento: para onde dirigir mais esforços, e de onde esperar mais resultados: no exterior ou no espaço interno da nação? A partir daí decorrem entendimentos acerca de outros temas correlatos, como o grau de abertura da economia, os arranjos internacionais e, ainda, sobre a própria estratégia de política econômica interna.

A defesa do MVF tem sido feita por autores da corrente de pensamento Liberal. Com base na Teoria do Comércio Internacional (TCI) Ricardiana, eles afirmam que o livre comércio é benéfico para o centro e também para a periferia. E condenam a inter-venção do Estado na economia, recomendando que os países abram completamente os seus mercados para as transações com o exterior. Pela ação das livres forças de mercado seria definida, com unicidade, uma combinação global de equilíbrio, mediante a qual

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os países se especializariam na produção de bens em relação aos quais têm vantagens comparativas. O resultado seria produção global máxima, menores custos unitários possíveis e, consequentemente, maior bem-estar para todos. Uma vez atingido este ponto de equilíbrio, da alocação da produção e dos preços praticados, estas mesmas forças de mercado garantiriam sua estabilidade.

Já o MVD, grosso modo, é, por sua vez, defendido por pensadores de orientações Estruturalistas e Marxistas, que consideram que o desenvolvimento exclusivo do comércio internacional, ao sabor do livre mercado, seria maléfico para a periferia. Apesar de variações, os autores advogam a participação interna do Estado na economia, apoiando o desenvolvimento com programas como a industrialização por substituição de importações e mediando externamente de forma protetora as relações com o resto do mundo2.

Embora, por muito tempo, este panorama interpretativo tenha apresentado um cenário de posições muito bem demarcadas e antagônicas, há qualificações a serem apresentadas. É bom lembrar que nenhum país adota, de forma pura, um destes modelos. De fato, as histórias de maior sucesso, em termos de desenvolvimento, correspondem a combinações bem gerenciadas dos mesmos. Bulmer-Thomas (1994, Caps. 1 e 12) é um dos que argumentam que não existe um modelo certo ou errado. Como, na ordem concreta da vida, os modelos não são excludentes, países desenvolvidos sempre os utilizaram de forma simultânea, apesar dos discursos de aconselhamento de “coerência” para os periféricos3.

Um exercício interessante adianta o que deve ser visto como uma conexão com o tema da formação de blocos. Seria a análise, em face destes modelos já bem estabelecidos há tempo, da nova realidade da formação de blocos regionais, que passou nos últimos anos a ocorrer com mais frequência. Este fenômeno já foi interpretado como mais um passo na direção da unificação planetária, Tamanes e Huerta (1999, p. 207). Independentemente de se tratar, ou não, da ação de uma tendência de longo prazo, e sem pretender esgotar o assunto, uma observação que nos ocorre é que, na prática, parece-nos que a formação de blocos é uma curiosa combinação dialética do MVF com o MVD: uma das respostas ao aumento da competitividade, resultante da mudança de paradigma tecnológico. Pois, para o interior do bloco, é uma resposta afirmativa em relação à pressão da globalização por abertura generalizada (MVF). Porém, nesse espaço se pratica também o apoio público às atividades econômicas. Ou, pelo menos, praticam-se políticas protecionistas baseadas em Tarifas Externas Comuns (MVD). Ao mesmo tempo, integrar-se significa procurar...

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