A violência contra mulher e a lei maria da penha

AutorJanete Rosa Martins
CargoMestre em Direito pela UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul, professora dos programas de graduação e pós-graduação lato sensu do curso de Direito da URI - campus de Santo Ângelo e Coordenadora do EPJUR
Páginas131-141

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Introdução

A grande questão que continua a perpetuar no século XXI, após todas as descobertas da humanidade, é ainda a violência de gênero, mais precisamente contra a mulher. Estudiosos como SAFFIOTI (1997) conceituam a violência de gênero como sendo toda a violência sofrida pelo fato de ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino.

A violência de gênero é a pior manifestação de desigualdade entre os sexos. As agressões existentes também têm sua origem no contexto histórico de discriminação e subordinação das mulheres. O homem historicamente recebeu da sociedade o poder para ser o chefe da casa, passando a crer que possui o direito de usar a força física sobre sua companheira ou ex-companheira, como forma de impor e cobrar o comportamento que considera adequado para si e para ela.

Mas com as lutas das mulheres desencadeadas pela retomada do respeito e igualdade, o que tomou forma e marcou o ano de 2006 no Brasil foi a edição da Lei Maria da Penha que veio para banir todas as formas de agressões, bem como aplicação de penas mais severas ao agressor. Neste artigo procura-se discutir a questão de gênero e a violência e a questão jurídica da Lei Maria da Penha.

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Mitos

A história nos mostra a grande dificuldade que as mulheres tiveram para legitimar seus espaços em todo o mundo. Trata-se de uma longa estrada, que ainda apresenta cenas de mutilações genitais, estupros de guerra, violência doméstica, baixa participação no poder, entre outros percalços.

Para BOSELLI(2006), a idéia de que o lar e a família são domínios essencialmente femininos perdura por milênios, perpetuando a desigualdade e obstruindo o processo de mudança de atitudes. As oportunidades de trabalhar, estudar, votar e ser votada, surgiram tardiamente e mediante muitas reivindicações, após um longo tempo já percorrido pelos homens no campo do poder e no papel de chefes de família.

Entretanto, os fatores que discriminam as mulheres, as torna impossibilitada de possuírem uma capacidade política, intelectual e produtiva das mulheres, gerando assim um desequilíbrio social entre os sexos.

A violência contra a mulher é, geralmente, um problema que mais se expressa principalmente a violência doméstica. Os homens foram associados a qualidades mais "ativas", como força, praticidade, agressividade, dinamismo e independência (BOURDIEU, 2005,). Tais traços de caráter, até hoje, em muitas culturas, são incentivados nas pessoas desde que nascem. Mesmo assim, alguns mitos ainda persistem em discriminar a mulher, são eles: raça, classe social, religião e idade.

Discriminação de raça

A cada dia que passa, a violência no Brasil aumenta em todos os setores da sociedade, mas o que mais preocupa é a violência de gênero, principalmente contra a mulher, neste sentido a violência de gênero soma-se à violência racial.

As estatísticas brasileiras não abrangem essa questão, mas pesquisas americanas revelam que a taxa de homicídios para mulheres negras é de 12,3 para cada 100 mil assassinatos, enquanto que a taxa para mulheres brancas é de 2,9 para 100 mil. Estudo recente da Fundação Seade sobre óbitos no município de São Paulo, em 1995, revela que 40,7% das mulheres afrodescendentes morrem antes dos 50 anos. Além disso, mulheres afro-descendentes e brancas com o mesmo padrão sócio-econômico apresentam diferenças na taxa de mortalidade de seus filhos no primeiro ano de vida. A taxa de mortalidade infantil por mil nascidos em 1993 era de 37 crianças filhas de mãe branca contra 62 crianças de mãe afro-descendente. disponível em www. .campanha16dias.org.br/ Ed2004/noticia.acesso em 17/12/07)

De acordo com CARNEIRO (2006), mulheres negras, entre 16 e 24 anos, têm, ainda, três vezes mais probabilidades de serem estupradas que as mulheres brancas.

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Esta tradição continua legitimando formas particulares de violências vividas pelas mulheres negras, dentre as quais se destacam o turismo sexual e o tráfico de mulheres, situações que apresentam o corte racial como um marcador fundamental, salienta-se. E perpetua "a prática, impunemente tolerada, da utilização das mulheres negras, especialmente as empregadas domésticas, como objetos sexuais destinados à iniciação sexual dos jovens patrões ou de diversão sexual dos mais velhos".

Segundo o último censo do IBGE, 45% das mulheres brasileiras são negras (pretas e pardas) e, em termos de renda, ocupam a base da pirâmide sócioeconômica. De acordo com o estudo O Perfil da Discriminação no Mercado de Trabalho - Homens Negros, Mulheres Brancas e Mulheres Negras, de 2000, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), constata-se que discriminação contra negras/os advém de uma visão do que seja o lugar dos/as negros/as na sociedade, que é o de exercer um trabalho manual, sem fortes requisitos de qualificação em setores industriais pouco dinâmicos. A pesquisa ainda revela que as mulheres negras arcam com todo o ônus da discriminação de cor e de gênero e ainda mais um pouco, sofrendo a discriminação setorial-regional-ocupacional mais que os homens da mesma cor e que as mulheres brancas (FIBGE,2006).

Mesmo havendo previsão constitucional de respeitabilidade aos direitos humanos, no artigo 5o da CF/88, as mulheres (e sendo negra e pobre) continuam enfrentando preconceitos de uma sociedade machista e preconceituosa.

Discriminação de classe social

Com relação à discriminação de classe social, conforme Toscano, Goldemberg (1992) salienta que a orientação tecnocrata da nossa economia marginaliza profissões de cunho nitidamente social, tais como as que estão voltadas para a saúde e educação. Isso faz com que o preconceito continue a existir no trabalho, em relação ao homem, tendo este a mulher como sua concorrente.

Salienta ainda que a mulher já é orientada desde pequena para ser mãe e do lar, enfatizando, assim, o mito de fragilidade feminina.

Os papéis são aprendidos desde cedo pela criança através da observação da realidade cultural à sua volta e através das pressões de grupos. Estes papéis não são naturais. São impostos culturalmente. Estas características psicológicas apreendidas permanecem, pois são adquiridas desde cedo em nível muito profundo. O primeiro contato da criança com o mundo faz-se através da família. A estrutura familiar é o primeiro veículo transmissor dos valores da sociedade (Toscano, Goldemberg 1992, p.1 13)

Como se vê a discriminação de classe social ainda se acentua no sentido que as meninas de classe média possuem uma estrutura familiar sólida, e para tanto, estudam em escolas particulares. As meninas pobres e negras são originárias de famílias totalmente desestruturadas e conseguem estudar apenas em escolas públicas. A questão não é a escola pública em si, mas o nível de educaçãoPage 134apresentado por uma ou outra escola. Num país em desenvolvimento como o Brasil, os governantes devem investir mais em educação.

Isso leva a discriminação de classe social, uma vez que as meninas de...

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