Habilitação do crédito público na falência: eficiência na arrecadação e efetividade processual

AutorRafael Gaia Edais Pepe
CargoProcurador do Estado do Rio de Janeiro - Ex-Procurador da Fazenda Nacional
Páginas362-368

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1. Introdução

A insolvência consiste, por definição, na insuficiência do patrimônio de alguém para satisfazer a totalidade das dívidas contraídas. Eis a clara dicção do art. 748 do CPC: "Art. 748. Dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor".

É intuitivo que tal situação incute nos respectivos credores o temor de verem frustradas as suas expectativas de pagamento, desembocando em uma procura desenfreada por bens do insolvente.

Com o escopo de assegurar a isono-mia entre os credores, evitando que penhoras desordenadas culminem na prevalência daqueles que gozam de posição econômica mais favorável, o legislador fixou dois regimes distintos de execução co-letiva contra devedores insolventes. O critério para tal diferenciação reside na natureza do devedor: se empresário, consoante a definição traçada no art. 966, caput, do CC, aplicar-se-áaLei 11.101/2005, nortea-dora da "falência"; caso contrário incidirão os arts. 748 e ss. do CPC, regedores da "insolvência civil".

Seguindo os passos traçados em qualquer dos diplomas acima, cada um dos credores procederá à habilitação do seu crédito, obedecendo-se à ordem concursal.

O objetivo do presente estudo não é esmiuçar cada um dos regimes mencionados. Pretende-se, aqui, suscitar o debate acerca do comportamento pertinente a uma espécie singular de credor, a Fazenda Pública, ao tomar ciência da falência de pessoa que figura como ré em determinada execução fiscal.

Para tanto, são imprescindíveis algumas considerações iniciais.

2. Prerrogativas do crédito público, dever de eficiência na arrecadação, efetividade processual e razoável duração do processo

O dever de eficiência, previsto no ca-put do art. 37 da Constituição da Repúbli-

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ca, consiste na otimização dos recursos existentes para o cumprimento dos fins colimados. Segundo o escólio de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o objeto de um ato administrativo é ineficiente "quando ocorrer comprometimento do interesse público pela desproporcionalidade entre custos e benefícios. (...). Não se justifica, com efeito, que o agente público desperdice os recursos do Erário com escolhas que pouco ou mal atendem aos interesses públicos, para o prosseguimento dos quais foi investido".1

Na qualidade principiológica que lhe foi expressamente atribuída pela Carta Magna, a eficiência espraia-se por toda a atuação da Administração Pública e realiza-se em diferentes graus, através de condutas concretas que a prestigiam.2 Assim, incumbe à legislação (atos normativos gerais e abstratos) fornecer mecanismos que permitam aos agentes públicos atender à obrigação que lhes foi constitucionalmen-te imposta.

Sob a ótica da prestação do serviço jurisdicional - o qual, inegavelmente, consubstancia monopólio estatal -, a eficiência desdobra-se na efetividade processual e na razoável duração do processo.

A efetividade do processo significa -na precisa lição de Cândido Rangel Dina-marco - "a sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o Direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade".3 Cuida-se de faceta do acesso à Justiça, princípio plasmado no art. 5o, XXXV, da CF de 1988, o qual -consoante averbado por Leonardo Greco -, "como direito fundamental, corresponde ao direito que cada cidadão tem individualmente ao exercício da função jurisdicional sobre determinada pretensão de direito material".4

Nessa esteira, o processo, enquanto instrumento destinado à tutela do direito subjetivo das partes5 e à pacificação social, deve ser conduzido de forma a propiciar ao titular de um direito tudo e exata-mente aquilo a que tem direito.6 E isso sem descurar do mínimo de dispêndio de tempo, consectário da razoável duração do processo, alçada hodiernamente à categoria de direito fundamental (art. 5o, LXX VIII, da CF): a antiga, e cada vez mais atual, batalha travada contra o tempo-inimigo carneluttiano.

Noutro giro, no que tange aos órgãos de representação judicial das pessoas jurídicas de direito público ao atuarem na defesa dos interesses do Erário, mister ressaltar a curial importância do esforço dirigido ao aumento da eficiência na cobrança de dívidas tributárias e não-tributárias.

Todos esses fatores devem ser levados em consideração pelo Poder Judiciário

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e pelos entes federativos, vez que inafasta-velmente comprometidos com a redução dos custos econômicos e sociais que a procrastinação de um litígio representa. Com efeito, o prolongamento injustificado de contendas é indesejável sob todos os aspectos, levando o Judiciário ao descrédito perante o cidadão.

O legislador, atento às considerações em testilha e aos entraves de toda sorte que permeiam a máquina administrativa,7 introduziu alguns mecanismos que facilitam a recuperação in executivis do crédito público. Tais prerrogativas não consubstanciam - ou não deveriam consubstanciar - privilégios desarrazoados, mas, sim, meios que viabilizam a efetividade da arrecadação, finalidade à qual aquelas se encontram indissociavelmente atreladas.

Não é difícil localizar alguns exemplos das aludidas prerrogativas, v.g., a confecção unilateral de título executivo extrajudicial após procedimento administrativo (art. 585, VII, do CPC) e o próprio rito da execução fiscal (Lei 6.830/1980).

A insubmissão a concurso de credores e ao dever de habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento, prevista nos arts. 29 da Lei 6.830/1980 e 187 do CTN, figura topograficamente no conjunto encimado.8

Todavia, no que diz respeito à falência, uma interpretação sistemática e uma perspectiva pragmática apontam em sentido contrário, demonstrando-se a seguir a incoerência em considerá-la autêntica prerrogativa no ordenamento vigente.

3. Execução de crédito público em face do falido - Proposta de reaproximação

Considerando o disposto nos arts. 29 da Lei 6.830/1980 e 187 do CTN, a medida comumente alvitrada pelo ente público ao se ver diante de réu falido em execução fiscal é requerer ao juízo seja procedida a penhora "no rosto dos autos" da falência.

Entretanto, há algumas inconsistências nesta postura; se não, vejamos.

Inicialmente, cumpre anotar que a penhora "no rosto dos autos"...

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