Natureza jurídica de sociedade anônima privada com participação acionária estatal

AutorGilberto Bercovici
Páginas71-106
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NATUREZA JURÍDICA DE SOCIEDADE
ANÔNIMA PRIVADA COM
PARTICIPAÇÃO ACIONÁRIA ESTATAL*
CONSULTA
O Banco X, por intermédio de sua Diretora Jurídica, honra-me
com a formulação da seguinte consulta, cujos termos transcrevo abaixo,
para análise e produção de parecer sobre a aquisição pelo Banco do
Brasil, com fundamento na Medida Provisória n. 443, de 21 de outu-
bro de 2008 (posteriormente convertida na Lei n. 11.908, de 03 de
março de 2009), de participação acionária no Banco X, por meio do
contrato de compra e venda celebrado em 09 de janeiro de 2009,
informando que:
“01. Após o fechamento da operação, a composição acionária do
Banco X passará a ser a seguinte: 50% do total de ações ordinárias per-
tencentes ao acionista X e 50% do total de ações ordinárias pertencentes
ao Banco do Brasil.
02. O acionista X possuirá 10 ações ordinárias a mais que o Ban-
co do Brasil e não haverá outros acionistas.
* Este texto foi publicado na Revista de Direito Mercantil n. 153/154, 2010, pp. 297-317.
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GILBERTO BERCOVICI
03. O fechamento da compra e venda depende da aprovação da
operação pelo Banco Central do Brasil, que se constitui numa condição
suspensiva para o negócio.
04. Dentre os anexos do contrato de compra e venda há um
acordo de acionistas, que vigorará a partir da data do fechamento, com
prazo de 10 anos, podendo ser renovado.
05. Referido acordo regula o relacionamento entre os dois únicos
acionistas, estabelecendo, dentre outros pontos, os seguintes:
i) o Conselho de Administração terá seis membros, sendo que três
serão eleitos dentre os indicados pelo Banco do Brasil e três, dentre os
indicados pelo acionista X. O Presidente do Conselho de Administração
será escolhido de modo alternado, começando por um indicado pelo
Banco do Brasil, sendo o próximo pelo acionista X e assim, sucessiva-
mente. Contudo o Presidente do Conselho não tem voto de qualidade.
ii) praticamente todas as matérias relevantes dependem, para sua
aprovação, de quórum qualificado, tanto na Assembleia Geral (75% do
capital votante) quanto no Conselho de Administração (voto de 4 mem-
bros). Desse modo, nenhum dos acionistas tem poder para decidir iso-
ladamente sobre as matérias relevantes.
Nesse contexto, o problema ora colocado consiste em saber se a
configuração acionária adotada e a celebração do acordo de acionistas,
tal como redigido, induziriam a existência de controle por parte do
Banco do Brasil, numa acepção capaz de tornar o Banco X integrante
da administração pública indireta, o que, por via de consequência, atrai-
ria a incidência das normas do art. 37 da CF, especialmente no que se
refere à exigência de concurso público, observância da Lei n. 8.666/93
nas compras e contratações e sujeição à fiscalização de órgãos de con-
trole da administração pública.
Buscando a elucidação desses pontos, formulam-se os seguintes
quesitos:
a. O Banco X, após a celebração do acordo de acionistas, poderia
ser classificado como sociedade de economia mista?
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NATUREZA JURÍDICA DE SOCIEDADE ANÔNIMA PRIVADA...
b. Quais as diferenças entre i) ser controlador, ii) integrar bloco
de controle e iii) integrar grupo de controle? Para efeitos de definição
de pertinência à administração pública indireta e atração das regras de
direito público, tais categorias se equivalem? No caso concreto do acor-
do de acionistas do Banco X, em qual dessas categorias se enquadra o
Banco do Brasil?
c. Uma vez que o acordo de acionistas tem uma natureza efême-
ra – possui prazo determinado (no caso, 10 anos), podendo ser desfeito
ou alterado por mútuo acordo entre as partes a qualquer tempo – tal
situação, potencialmente cambiante, pode servir de parâmetro para de-
finição da pertinência ou não à administração pública?
d. O Decreto n. 6.021/2007, que trata, dentre outros assuntos, da
administração das participações societárias da União, define como em-
presas estatais federaisas empresas públicas, sociedades de economia mista, suas
subsidiárias e controladas e demais sociedades em que a União, direta ou indire-
tamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto” (art. 1º, inciso
I) e como participações “os direitos da União decorrentes da propriedade, dire-
ta ou indireta, do total ou de parcela do capital de sociedades”. Diante disso,
pode-se afirmar que o referencial adotado para definição da pertinência
ou não à administração pública seria a composição acionária?
e. A Lei n. 6.223/75, em seu art. 7º, com a redação dada pela Lei
6.525/78, ao tratar da fiscalização financeira e orçamentária da União
pelo Congresso Nacional, fornece uma visão acerca do tratamento que
o legislador dispensa para os casos nos quais o poder de controle está
distribuído de modo paritário entre a sociedade de economia mista e o
particular. Com base em tal dispositivo, seria possível afirmar que o
Banco X não está sujeito ao regime de direito público em geral e à fis-
calização do Tribunal de Contas da União em particular?
f. Nada obstante o Banco do Brasil exerça influência significativa na
administração do Banco X na medida em que, para decisão em matérias
relevantes, exige-se quorum qualificado, não há preponderância sobre a
vontade do acionista privado. Quanto ao acionista privado, em princípio,
deve prevalecer a regra de que ele não pode ser obrigado a fazer ou
deixar de fazer algo que não decorra da Lei (CF, art. 5º, inc. II), o que

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