A natureza hist?rica do humano

AutorCarlos Alvarez Maia
CargoDoutor em Hist?ria, professor adjunto do Departamento de Hist?ria da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ),
Páginas15-47
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.6, n.1, p. 15-47, jan./jul. 2009
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A NATUREZA HISTÓRICA DO HUMANO
THE HISTORICAL NATURE OF THE HUMAN BEING
LA NATURALEZA HISTÓRICA DEL HUMANO
Carlos Alvarez Maia1
RESUMO:
Este trabalho trata da condição humana segundo o olhar histórico. A proposta
clássica de ser humano oriunda do substancialismo racional-iluminista conflita com o
pensamento histórico, tanto na instância filogenética, de sua hominização
antropológica que constrói a espécie, como também na ontogenética, de sua
humanização dada pela historicidade vivencial de cada indivíduo biológico em seu
devir humano. Penso o humano como um ser constituído na instância simbólica da
linguagem em sua prática interativa entre natureza e sociedade.
Palavras-chave: Constituição histórica do humano; A linguagem e o ser humano;
História e linguagem.
ABSTRACT:
This work deals with the human condition under a historical perspective. The
classical proposal of human being originated from the illuminist rational
substantialism conflicts with the historical thought, both in the phylogenetic instance
of its anthropologic hominization which builds up the species, and in the
ontogenetics of its humanization given by the living historicity of each biological
individual in his/her human cycle. I think of the human being as an entity made in the
symbolic instance of the language in his/her interactive practice between nature and
society.
Keywords: Historical constitution of the human being; The language and the human
being; History and language.
RESUMEN:
Este trabajo trata de la condición humana según la mirada histórica. La propuesta
clásica de lo que s ea el ser humano, oriunda del sustancialismo racional iluminista,
contrapone con el pensamiento histórico, tanto en la instancia filogenética, de su
hominización antropológica que construye la especie, como también en la
ontogenética, de su humanización dada por la historicidad vivencial de cada
individuo biológico en su transformación humana. Pienso el humano como un ser
constituido en la instancia simbólica del lenguaje en su práctica interactiva entre la
naturaleza y la sociedad.
Palabras-clave: Constitución histórica del humano; El lenguaje y los seres
humanos; La historia y el lenguaje.
1 Doutor em História, professor adjunto do Departamento de História da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), coordenador do Laboratório de Estudos Históricos da
Ciência, LEHC-UERJ. E-mail: alvarez@iis.com.br
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1 INTRODUÇÃO
Como estabelecer qual é a essência do humano? O que é o humano?
Há dois olhares básicos para apreender o conceito de “humano”: o individual
e o coletivo. De um lado temos a compreensão do humano que tenta responder às
questões considerando suas características naturais, as qualidades intrínsecas de
cada ser, do corpo e mente de cada indivíduo típico na: biologia, neurociências,
psicologia cognitiva etc. e de outro encontramos as ciências sociais que
privilegiam a análise sobre os indivíduos c onsiderando seus modos de existência,
suas práticas efetivas em sociedade. Neste caso, as qualidades que tipificam o
humano são extraídas de sua forma de vida coletiva.
2 INTRODUÇÃO AO HUMANO EM HISTÓRIA
Aqui me alinho com a perspectiva sócio-antropológica para o entendimento do
humano. É um ponto de partida fornecido por um dado empírico, somente se
conhecem indivíduos humanos que vivam coletivamente. O indivíduo humano
encontra-se enlaçado com outros indivíduos e é a forma desse enlace que o
caracteriza. A humanidade do homem somente ocorre em seu viver societário, não
conhecemos exceção. Essa humanidade de cada homem é uma propriedade
relacional. Não há humano isolado. Isso desloca o objeto de pesquisa, o alvo a ser
investigado. Em vez de pensar em humanidade como uma substância inerente ao
ser individual, penso em humanidade como uma qualidade contingencial dada pela
configuração abstrata de seus enlaces coletivos. A resposta para a questão do
homem não se esgota em algo material encontrado em seu corpo, ou mente; será
mais próprio investigar a imaterialidade de suas relações concretas que lhe dão
especificidade. Os indivíduos humanos dependem dessas relações, eles são
indivíduos diferentes entre si dependendo do tipo de relações sociais que
estabeleçam. Um aborígene australiano é um ser existencialmente diverso d e
qualquer indivíduo que viva em uma grande metrópole contemporânea, apesar de
ambos possuírem as mesmas características biofísicas. O que os difere encontra-se
no tipo de malha societária em que cada um vive e não na materialidade de seus
corpos.
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Considero ainda que a distância fundamental dos humanos para os demais
animais não é a sua criatividade na produção de ferramentas nem a ocorrência de
processos comunicacionais dados por aquilo que genericamente chamamos
linguagem. Esses fatos não nos dão um diferencial absoluto em relação aos outros
animais. Ferramentas e comunicação ocorrem, ainda que em graus diferentes, em
várias espécies. O que distingue os humanos, o que lhes é único, é o fato de que
este animal humano ingressou em novo tipo de abstração organizacional, a
sociedade. Mas ele é um ser s ocial bem específico, a sua sociabilidade é distinta e
difere do modo de organização coletiva das formigas ou abelhas, ou de uma
matilha.2 Ele é um ser histórico, as sociedades humanas são históricas. São
sociedades que sofrem profundas mudanças segundo o evolver dos tempos
históricos. É um ser que depende de sua diacronia, o ser humano da época de
Aristóteles e o ser humano de nossa pós-modernidade s ão radicalmente diferentes.
Sentem o mundo de maneiras bastante diversas, vêem mundos diferentes. Possuem
formas de vida wittgensteinianas bem distintas. E isto é único no reino animal.
Minha proposta considera que aquilo que diferencia o humano dos demais
animais seja sua “natureza” histórica. A “natureza” histórica do humano impede que
se obtenha uma qualidade estável e permanente do humano simplesmente porque a
humanidade do homem está em constante mudança, ele próprio é um ser em
contínua transformação. Capturar aquilo que dá identidade e especificidade ao
humano seria capturar aquilo que o faz um ser histórico. O humano é um devir
contínuo. Nos últimos 30 mil anos o animal humano surgiu e é razoavelmente o
mesmo do ponto de vista biológico porém a mutação ocorrida em sua forma de vida
é notável. O antropóide primitivo é irreconhecível ante o ser contemporâneo. Ain da
que ambos tenham o mesmo substrato físico.
Ainda hoje é usual nas áreas ligadas às ciências cognitivas buscar nos
elementos materiais de sua constituição psicofísica as explicações para a
genialidade e a supremacia humanas dadas pelas qualidades neuronais de um
indivíduo. Há anos discute-s e o “cérebro de Einstein”.3
2 O fundamento das relações societárias humanas é dado pelas relações de poder como analisado
por Hegel em sua Fenomenologia do espírito.
3 Há farto noticiário sobre o assunto que circula há mais de 40 anos em alguns setores acadêmicos.
Tenta-se descobrir o que o cérebro de Einstein, recolhido em sua autópsia, teria de notável. Ver, por
exemplo, a Folha de São Paulo de 13/01/2005 em
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u12832.shtml

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