A natureza do direito

AutorAndrei Marmor
CargoProfessor de Direito e Filosofia da University of Southern California
Páginas6-23
Direito, Estado e Sociedade n.42 p. 6 a 23 jan/jun 2013
A natureza do direito*
Andrei Marmor**
Tradução: Lucas Miotto***
Os juristas estão geralmente interessados na pergunta: o que é o direito
em um caso particular? Essa é sempre uma pergunta local e as respostas
tendem a diferir de acordo com a jurisdição específ‌ica na qual é formulada.
Em contraste, a f‌ilosof‌ia do direito é interessada na pergunta geral: o que
é o direito? Essa pergunta geral sobre a natureza do direito pressupõe que
o direito é um fenômeno sócio-político único, com mais ou menos carac-
terísticas universais discerníveis por meio da análise f‌ilosóf‌ica. A Jurispru-
dência Geral, como é chamada essa investigação f‌ilosóf‌ica sobre a natureza
do direito, pretende ser universal. Ela assume que o direito tem certas
características por sua própria natureza, ou essência, enquanto direito,
sempre que e em qualquer lugar que ele existe. Entretanto, mesmo se tais
características universais do direito existirem, as razões para um interesse
f‌ilosóf‌ico em elucidá-las continuam precisando de explicação. Primeiro, há
o puro interesse intelectual em entender esse fenômeno social complexo,
que é, antes de tudo, um dos mais intricados aspectos da cultura humana.
* O tradutor agradece a Edward Zalta, editor da Stanford Encyclopedia of Philosophy, pela permissão
concedida em publicar esta tradução, a Rolf Kuntz, revisor designado pela enciclopédia, pelas inúmeras
sugestões de correção em uma versão anterior desta tradução, a Vinicius Faggion, pela grande contribuição
em uma versão anterior que foi usada em um grupo de estudos e a Matheus Silva por valiosas sugestões.
A tradução é da seguinte referência: Marmor, Andrei, “The Nature of Law”,The Stanford Encyclopedia
of Philosophy(Winter 2011 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL =
win2011/entries/lawphil-nature/>.
** Professor de Direito e Filosof‌ia da University of Southern California. Contato: amarmor@law.usc.edu.
*** Mestrando do programa de Teoria do Estado e Direito Constitucional da PUC-Rio.
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A natureza do direito
O direto, entretanto, também é uma prática social normativa: pretende
guiar o comportamento humano, dando origem a razões para agir. Uma
tentativa de explicar esse aspecto normativo fornecedor de razões do direi-
to é um dos desaf‌ios centrais da jurisprudência geral. Essas duas fontes de
interesse na natureza do direito estão estreitamente ligadas. O direito não
é o único domínio normativo em nossa cultura. A moralidade, a religião,
as convenções sociais, a etiqueta, e assim por diante, também guiam a con-
duta humana de muitas formas que são similares ao direito. Logo, parte
do que é envolvido no entendimento da natureza do direito consiste em
uma explicação de como o direito se difere desses domínios normativos
similares, de como eles interagem com o direito, e se a sua inteligibilidade
depende dessas outras ordens normativas, como a moralidade ou as con-
venções sociais.
As teorias contemporâneas do direito def‌inem esses dois interesses
centrais sobre a natureza do direito nos seguintes termos. Primeiro, pre-
cisamos entender as condições gerais que tornam legalmente válida qual-
quer suposta norma. Essa é, por exemplo, só uma questão sobre a fonte da
norma, tal como a sua determinação por uma instituição política específ‌i-
ca, ou é também uma questão sobre o conteúdo da norma? Essa é a questão
geral sobre as condições de validade jurídica. Segundo, há o interesse no
aspecto normativo do direito. Esse interesse f‌ilosóf‌ico é duplo: uma expli-
cação f‌ilosóf‌ica completa sobre a normatividade do direito abrange tanto
uma tarefa explanatória, quanto uma normativo-justif‌icativa. A tarefa ex-
planatória consiste em uma tentativa de explicar como as normas jurídicas
podem dar origens a razões para agir e quais os tipos de razões que estão
envolvidas. A tarefa de justif‌icação diz respeito à elucidação das razões que
as pessoas devem ter para reconhecer o aspecto normativo do direito. Em
outras palavras, é a tentativa de explicar a legitimidade moral do direito.
Uma teoria sobre a natureza do direito, opostamente às teorias críticas do
direito, se concentra na primeira dessas duas questões. Ela pretende expli-
car em que realmente consiste a normatividade do direito. Alguns f‌ilósofos
contemporâneos do direito, entretanto, duvidam de que esses dois aspec-
tos da normatividade do direito possam ser separados (retornaremos a isso
mais tarde).
Portanto, elucidar as condições de validade jurídica e explicar a nor-
matividade do direito formam os dois pontos centrais de qualquer teoria
acerca da natureza do direito. No curso dos últimos séculos, duas tradi-
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