Na modernidade: Economia Política

AutorNathália Lipovetsky
Páginas46-80
infelizes desprovidos de terra, que haviam passado a ter apenas a sua capacidade
de trabalho para ganhar a vida.118
A partir daqui temos todos os elementos necessários para o
futuro surgimento de uma teoria econômica apartada da ética, para
atender a uma sociedade capitalista: a classe média, que em alguns
séculos seria a burguesia revolucionária francesa, o mercado, que
em alguns séculos seria abastecido também pelos produtos das
fábricas surgidas na Revolução Industrial, e a riqueza traduzida em
dinheiro e lucro acumulado das trocas realizadas em dinheiro, que
em alguns séculos seria consolidado como capital.
CAPÍTULO 2
Na modernidade: Economia Políca
A expressão “economia política” se origina no período clássico
da economia, num recorte temporal que vai de meados do século
XVII até meados do século XIX e compreende as obras de autores
como Sir William Petty (1623-1687), Pierre Le Pesant, sieur de
Boisguillebert (1646-1714), François Quesnay (1694-1774), David
Hume (1711-1776), Adam Smith (1723-1790), Jean-Baptiste Say
(1767-1832), David Ricardo (1772-1823), Thomas Malthus (1766-
1834) e John Stuart Mill (1806-1873), dentre outros. Esse grupo de
autores constitui a chamada pré-história da economia ou economia
política clássica, em oposição aos economistas dos períodos
seguintes, distribuídos em diferentes escolas de pensamento e
com influências mais diversificadas.119 Segundo Schumpeter, a
expressão “economia política” deve ser atribuída ao mercantilista
francês Antoine de Montchrétien (1575-1621), autor do primeiro
tratado de economia política (Traitéd’économie politique) de que se
tem notícia, em 1615.120
A definição do que constitui a econômica política clássica é
controvertida na história da economia, e os recortes mais famosos
divergem entre si. Karl Marx delimita a econômica política clássica
de William Petty até David Ricardo, enquanto John M. Keynes
(1883-1946) inclui todos os autores que se alinharam com a Lei de
Say, e Schumpeter limita temporalmente, entre os anos de 1798 até
1871.121 No ano de 1871 foi publicada a obra ATeoriada Economia
Política, de William Jevons (1835-1882), que representa um
rompimento com a tradição baseada em Ricardo e apresenta a
matemática como linguagem adequada para a economia, pelo fato
de lidar com quantidades. O recorte utilizado neste trabalho tem
como marco final da economia política clássica esse rompimento
com a tradição ricardiana realizado pelos autores marginalistas, mas
sem o rigor de se alinhar com o recorte de nenhum autor em
específico, uma vez que o critério para essa divisão é,
essencialmente, o rompimento final da economia com a ética que
tem ocasião com a revolução marginalista.
Interessante destacar que a pré-história da economia se situe
cronologicamente tão próxima aos tempos atuais e que sua origem
Antiga fique relegada ao campo puramente histórico. O nascimento
da economia é atribuído ao momento de sua autonomização
científica, numa total desconsideração de seus fundamentos
filosóficos, o que, na verdade, parece ter sido condição de
possibilidade para a consolidação da autonomia científica da
Economia Política a partir da obra de Smith.
O principal nome nesse grupo de autores que constitui a pré-
história da economia é Adam Smith, cuja obra foi o auge de um
trabalho de autonomização da economia como ramo do
conhecimento iniciado por seus predecessores. O tratamento
dispensado aos problemas econômicos ganhou crescente
sofisticação até seu coroamento com a obra de Smith. Do ponto de
vista da construção da expressão “economia política”, Adam Smith
aparece também como um divisor de águas. Até sua obra essa
expressão não apareceu no título de nenhuma obra de relevância e
era apenas ocasionalmente utilizada, sem sentido de universalidade
quanto ao seu significado. A partir do início do século XIX a
expressão generalizou-se e passou a ser adotada com o sentido
que adquirira ao longo do século anterior.122
Assim, a expressão “economia política” pode ser traduzida, no
século XIX, como sendo
uma determinada área do conhecimento, ou campo da ciência, voltada para o
estudo dos problemas da sociedade humana relacionados com a produção, a
acumulação, a circulação e a distribuição de riquezas, bem como para as
proposições de natureza prática a eles associadas.123
A definição de Smith para economia política aparece na seção
“Sistemas de economia política” da Riqueza das Nações como um
setor da ciência que objetiva a riqueza do povo e do soberano,
simultaneamente, por meio da consecução de renda:
Economia política, considerada como um setor da ciência própria de um estadista
ou de um legislador, propõe-se a dois objetivos distintos: primeiro, prover uma
renda ou manutenção farta para a população ou, mais adequadamente, dar-lhe a
possibilidade de conseguir ela mesma tal renda ou manutenção; segundo, prover o
Estado ou a comunidade de uma renda suficiente para os serviços públicos.
Portanto, a economia política visa enriquecer tanto o povo quanto o soberano.124
A tradição pós-renascentista, inserida em contexto político
mercantilista, passou a enxergar a economia como ramo do
conhecimento que se volta para a administração do Estado com
vistas ao seu fortalecimento, sob influência do surgimento dos
Estados-nações, daí, portanto, a necessidade da adjetivação
“política”. Aqueles que se debruçaram sobre os temas afetos à
gestão das políticas públicas e atividades relacionadas com finanças
e tesouraria não eram economistas profissionais ou de formação,
mas filósofos políticos e homens com formação voltada para
problemas práticos, dedicados a discutir e formular políticas
concretas a respeito de tributos, moeda, comércio, preços etc. A
atuação desses pensadores deu-se segundo métodos e paradigmas
de outros ramos do conhecimento, tendo em vista que a economia
ainda estava em fase de maturação como ramo autônomo do
conhecimento.125 Não se pode deixar de lado, no entanto, que a
noção de economia como administração do Estado, se
adequadamente analisada, apareceu em Aristóteles,
considerando que a dimensão familiar, em que surge a oikonomia,
se replica na dimensão da polis.
No século XVII o rudimentar mercantilismo já evoluíra para uma
preocupação com a riqueza da nação, tema que não por acaso
batizou a obra de Adam Smith em 1776. As investigações da
economia clássica giram em torno do polinômio formação,

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