Na antiguidade: oikonomia

AutorNathália Lipovetsky
Páginas18-46
Assim chega-se à última parte deste trabalho, em que a teoria
econômica neoclássica eleva o mercado à condição de instância
absoluta de regulação do fazer econômico, por meio da eliminação
do moralsense que antes orientava o agir econômico individual em
Smith. Esse mercado auto-regulado aliado ao panorama político e
social do final do século XIX se expressa na ciência econômica
contemporânea, que, para traduzir a quase exclusividade dos
raciocínios lógico-matemáticos com que trabalha, mudou sua
denominação de economiapolítica para economics.
A partir dessa concepção é possível discutir o lugar da ética no
mundo contemporâneo, especialmente em relação à economia, e
contrapor essa relação às ideias de justiça que orientam este
trabalho e às estatísticas de distribuição de renda e riqueza da
realidade social pós-moderna em que impera a desigualdade e a
não realização de direitos fundamentais para a maior parte das
pessoas no mundo.
CAPÍTULO 1
Na anguidade: oikonomia
A primeira5 abordagem prática relevante da oikonomia na
Antiguidade é feita por Xenofonte (430 a.C. – 355 a.C.), em obra de
natureza ética, denominada Oeconômico, direcionada ao proprietário
de terras como espécie de manual sobre as virtudes necessárias à
administração e trato dos escravos, mulheres e crianças. Xenofonte
procura delinear um enquadramento geral da economia, o que
constitui um caso isolado na Antiguidade, e seu texto exerceu
influência no trabalho de outros filósofos de sua época. Outra obra
de sua autoria, intitulada Poroi, que significa “recursos” em grego
antigo, trata de medidas relacionadas a proventos e impostos para a
cidade.6
A definição de oikonomia apresentada por Xenofonte ao fim do
primeiro diálogo de Oeconômico inclui a noção de um conhecimento
teórico de administração e multiplicação da propriedade, que deve
cumprir a função de utilidade para vida:
o nome dessa parcela do conhecimento, e este conhecimento parece ser aquele
pelo qual os homens podem aumentar a propriedade, e uma propriedade parecer
ser idêntica à totalidade da posses, e já foi dito que posse é tudo aquilo que é útil
para o suprimento das necessidades da vida, e coisas úteis se mostraram como
sendo todas aquelas coisas que alguém sabe como usar.7
Xenofonte entende a economia como tema de ética familiar,
identificando o fazer econômico com o agir moral, “uma vez que se
refere aos costumes ou deveres de natureza administrativa
aplicados ao desempenho familiar, visando à perfeição e felicidade
próprias ao padrão de ordem familiar”.8
Platão (428 a.C. 348 a.C.) na República9 e em Leis10 também
trata de questões relacionadas à economia, mas sem dissociar o
fazer econômico do agir moral, atendo-se à finalidade ética da polis.
Fora as contribuições de Xenofonte e Platão e outras de menor
valor, a abordagem Antiga mais bem estruturada sobre economia é
a de Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), na Ética à Nicômaco, na
Política e, com menor expressão, n’Oseconômicos11.
O vocábulo οκονομία / oikonomia12 é formado das palavras οκος
/ oikos e Νομος / nomos, implicando a noção de normas da casa, da
família, e no bom uso dos meios disponíveis para a manutenção e o
sustento da casa. A oikonomia em Aristóteles está centrada na
reprodução do valor de uso com o objetivo de viver bem e inclui
atividades como agricultura, caça e coleta, mineração13 e comércio
desde que com finalidade subordinada à lógica do valor de uso, e
até mesmo a guerra14, na medida em que fornece escravos.
O estudo da economia Antiga começou no início do século XIX,
mas apenas no final desse século o tema ganhou mais importância,
a partir do debate a respeito das economias Moderna e Antiga
serem ou não muito diferentes entre si. Max Weber (1864-1920)
contribui para essa discussão negando a existência de uma
linearidade na história do progresso econômico ao analisar os
modos de organização econômica em cada período e ao afirmar
que o homo economicus é um produto exclusivo e único da
Modernidade e que para compreender a vida econômica da
Antiguidade é preciso encarar o cidadão da polis como um homo
politicus.15

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