Integração na América Central e Caribe

AutorGustavo Tonon Lopes
CargoBacharel em Relações Internacionais e Mestrando no Programa de Integração da América Latina da Universidade de São Paulo PROLAM/USP
Páginas77-92

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1. Introdução

Na academia, até mesmo entre pesquisadores da América Latina, a América Central e o Caribe sempre são deixados em segundo plano; muito provavelmente por causa de seu pequeno tamanho (geográfico e socioeconômico) e pela sua relação de indiscutível dependência/influência com os Estados Unidos. Porém, se faz necessário atentar-se para aspectos que se desenvolvem de forma autóctone, sobretudo aqueles que dizem respeito às relações de seus países entre si e sua forma de se inserir no sistema internacional. É nesse aspecto que o artigo pretende contribuir para a compreensão mais ampla dos movimentos de integração regional intrínsecos à região.

É impossível pensar a América Central e Caribe dissociados da América Latina, por isso, o artigo em vários momentos traz a discussão para o âmbito mais ampliado da América Latina, macrorregião na qual América Central e Caribe estão inseridos. Além disso, os EUA enquanto país hegemônico em toda a América Latina e com presença muito mais intensa na América Central e Caribe, também estará presente, mesmo que de forma secundária, nas discussões.

O foco central do artigo está na compreensão acerca da forma pela qual a América Central e Caribe se inserem no sistema internacional pela integração regional; para isso, se iniciará com uma breve reflexão da relação essencial existente entre a Integração e o Direito Internacional e uma breve contextualização geográfica da região. Posteriormente, serão exploradas as primeiras iniciativas de integração na região com a ODECA e o MCCA e seus reflexos mais contemporâneos. O SICA enquanto desdobramento mais complexo dessas iniciativas precursoras será detalhado logo em seguida. Por fim, serão discutidos os acordos comerciais já firmados, o atual estágio do processo de integração e suas perspectivas. A experiência caribenha de integração será analisada a partir do CARICOM, com a exploração inicial de sua constituição e contribuição, posteriormente, alguns dados concretos, bem como análises e perspectivas tudo de forma sucinta. Nas considerações finais, está contida a análise final das contribuições trazidas com os processos integracionistas, bem como benefícios, riscos e possíveis soluções para o aprofundamento dessas experiências e a consequente inserção internacional da região por meio desses processos.

2. Integração e o Direito Internacional

A integração econômica regional, tal qual a conhecemos, é um fenômeno relativamente novo na história da humanidade; pode-se dizer que no século XIX as formas clássicas de integração (zonas de livre comércio e uniões aduaneiras) já haviam sido experimentadas na Alemanha e na Itália, transformando-se posteriormente em um modelo de União Política. Entretanto, não há dúvidas de que o grande modelo de integração regional a ser considerado contemporaneamente é a União Europeia, cujos pressupostos econômicos, políticos e ideológicos para a sua realização surgem a partir da década de 1950, logo após a segunda guerra mundial.

As motivações para o início de um processo de integração regional podem ser muito variadas (daí seu caráter essencialmente multidisciplinar), mas quase sempre passam

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pelo aspecto comercial. Muitas vezes, essa é, em verdade, a única motivação, porém, o processo pode ter ideais muito mais profundos e complexos; especificamente no caso da Europa (pós-segunda guerra), havia um desejo de reconstrução e de manutenção da paz por parte de todos os países da região, e a possibilidade de se realizar esses desejos de forma conjunta/integrada soava mais interessante e viável; claro que acoplado a tudo isso o comércio se vislumbrava como uma ferramenta capaz de impulsionar ainda mais todos esses ideais.

O comércio internacional existe de longa data. O Mercantilismo, presente desde o século XVI até meados do XVIII, é um exemplo clássico da importância que o comércio internacional possui na história da humanidade. Com o advento do liberalismo econômico e a propagação das trocas internacionais como algo positivo para as economias internas, o comércio internacional foi se aprofundando e adquirindo outras características. Inicialmente, fundamentado na exploração do potencial econômico dos pobres pelos ricos, a conotação de cooperação ganha mais força somente em meados do século XX, muitas vezes, baseada em fundamentações teóricas que já destoavam do liberalismo clássico; aí sim o comércio internacional começa a configurar um ambiente muito mais propício para ideais integracionistas que, em geral, combinam crescimento econômico e cooperação.

Pode-se dizer que duas perspectivas são as mais aceitas na definição de integração: a liberal que, de acordo com Balassa, pode ser entendida como um processo e uma situação. Como processo, implica medidas destinadas à abolição de discriminações entre unidades econômicas de diferentes Estados; como situação, pode corresponder à ausência de várias formas de discriminação entre economias nacionais (BALASSA, 1961). É o que se entende por integração econômica, que se dá, portanto, no âmbito do mercado e da concorrência, considerando o comércio, e suas trocas, o aspecto mais importante (podendo inclusive ser o único) na constituição de um processo de integração. A partir da perspectiva estruturalista, uma verdadeira integração não se restringe ao comércio, mas sim a toda a economia, inclusive à sua produção, formando um quadro econômico complexo, coerente e equilibrado.

Atualmente, a definição clássica de Balassa é amplamente aceita, no entanto, se compreende que a integração pode e, muitas vezes, deve ultrapassar o viés meramente comercial constituindo-se então por várias facetas (econômica, política, social etc.). Faz-se necessário um ordenamento jurídico que a sustente; a função desse ordenamento é de formalizar os consentimentos e facilitar a implementação. Esses instrumentos são próprios do Direito Internacional, e o documento que formaliza e efetiva todas as medidas citadas acima é o tratado. O tratado é fundamental na constituição dos ideais conjuntos; o sucesso, e possível aprofundamento da integração dependem diretamente do direito enquanto agente regulador, corretivo e prospectivo.

Acerca da importância do Direito Internacional Público na instauração de processos de integração, pode-se acrescentar:

Pode-se dividir a sua dinâmica em pelo menos dois planos ou fases: um, anterior ao processo formalmente instaurado, incluindo o período de negociações, e outro envolvendo a sua existência formal já cristalizada no mundo jurídico e na vida das nações, quando, inequivocamente

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caracterizado e perfeito o consentimento, resta integrado o texto do tratado nos ordenamentos jurídicos dos estados-partes, fundamentando normas jurídicas ao longo do tempo (anote-se aqui, ainda uma vez, a distinção entre texto e norma jurídica — entre disposição e conteúdo normativo —, a que alude Grau/1996, p. 32). Em ambas as fases, evidentemente, confluirão elementos de ordem econômica, política e jurídica, dentre outros. (VIEIRA 2004, p. 381.)

Muito também se discute acerca da distinção entre cooperação e integração. A cooperação econômica se caracterizaria mais por um acordo de harmonização tarifária, sem institucionalidade; já a integração pressupõe uma institucionalidade, e a abolição de restrições de intercâmbio. Por exemplo, um acordo comercial firmado no âmbito do FMI é um acordo de cooperação, a união europeia (institucionalizada e com uma série de regras obrigatórias), um acordo de integração. Teoricamente, existe a possibilidade de haver um acordo institucionalizado, mas que ainda não atingiu a abolição, seria um acordo de cooperação a caminho da integração. Entretanto, diante das rápidas mudanças no mundo, e o advento da globalização e a consequente complexificação das relações internacionais, esses modelos teóricos se dissociaram da realidade prática, pois eles se sobrepõem e, frequentemente, contêm elementos estruturais muito similares.

As razões para se iniciar um processo de integração regional podem ser muito variáveis; para compreender o fenômeno na América Latina, vamos nos ater aos países em desenvolvimento. Nesses países, o crescimento econômico se apresenta como fundamental, e a integração aparece como interessante ferramenta na fomentação desse processo. O desenvolvimento industrial pode ser impulsionado pelo ganho de escala, trazido com a integração. No âmbito externo, o poder de negociação/barganha pode ser amplificado e muitos podem ser os ganhos obtidos por esses países a partir de negociações setoriais e possíveis acordos comerciais. Politicamente, a integração pode proporcionar um ambiente de maior estabilidade e eventual proteção durante grandes crises internacionais.

3. Contextualização: América Central e Caribe

Quando se fala de América Latina quase que instantaneamente se associa à América do Sul e México, sendo que a América Central e o Caribe sempre ficam em segundo plano. Mas, eles também são constituintes da América Latina e devem ser levados em consideração nas análises da região. Talvez a preterição se deva ao fato de que geográfica e economicamente a região não é relativamente muito grande; a parte continental (localizada entre a Colômbia e o México) é composta por países relativamente pequenos, já o Caribe é formado por um conjunto de ilhas no mar do Caribe, sendo Cuba a maior delas.

Assim como o resto da América Latina, a constituição da quase totalidade dos países da região se deu a partir da exploração colonial europeia...

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