A multa de 10% do art. 475-J e os juizados especiais

AutorMoacir Leopoldo Haeser
CargoDesembargador aposentado do TJRS
Páginas19-22

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A olhos vistos o legislador processual caminha no sentido da simplificação dos procedimentos, muitas vezes atingindo frontalmente alguns cânones cartorialistas, gerando naturais resistências.

Nunca fui contra os processualistas, que se dedicam a elucidar tão misterioso mister, dissecando os princípios científicos que norteiam o direito processual.

Sempre me preocupou, no entanto, em minha longa carreira de juiz, houvesse necessidade de tantos compêndios sobre direito processual para explicar o que para mim deveria ser simples: o processo, mero instrumento para realização da justiça, deveria ser tão simples que prescindisse de tão complexas explicações, pois deve vencer a causa quem tem o melhor direito, não quem tem o melhor advogado.

Não deve o direito perder-se entre filigranas jurídicas, estratagemas processuais ou maior ou menor acuidade e conhecimento do advogado sobre os meandros processuais.

Muitas e muitas vezes lamentei, ao ver a garimpagem de nulidades, o formalismo sepultando o direito e o soçobrar da justiça frente a uma mera nominação de ação proposta, quando, exaustivamente discutida a causa e identificado o direito, bastaria "dar a cada um o que é seu".

No rumo dessas auspiciosas alterações, abreviando demorada execução da sentença e dando maior efetividade às decisões jurisdicionais, o art. 475-J do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n° 11.232/051, prevê multa para o caso de o devedor, condenado ao pagamento de valor já definido, não oPage 20 efetuar no prazo de 15 dias. Trata-se de incentivo ao cumprimento espontâneo da condenação, evitando-se a sobrecarga do Poder Judiciário e a postergação do direito do credor, punição pela recalcitrância e efeito da sentença condenatória, ope legis.

Otermodacontagem do prazo tem gerado alguma controvérsia na doutrina, porém aos poucos vai se assentando o melhor entendimento de que o prazo decorre automaticamente do trânsito em julgado.

Alguns têm defendido que corre da sentença ou do acórdão (Apelação Cível ne 70017661646,17a. Câmara Cível, TJRS) - o réu pode recorrer ou cumprir o julgado -se assumiu o risco de recorrer e o recurso foi improvido, incorre na multa - solução que não me parece a mais adequada.

Outros, que a multa exigiria o retorno dos autos ao juízo de origem e a intimação pessoal do devedor (Agravo Interno, art. 557, CPC ne 70018256347, Décima Segunda Câmara Cível, TJRS), não só do seu advogado, invocando-se as dificuldades práticas de emissão da guia de pagamento, a impossibilidade de impor-se ao procuradoroônus de cientificarooutorgante eafinalidade coercitiva da multa.

Penso, no entanto, que o legislador buscou dar efetividade à sentença, exigindo jurisdicionalmente o pagamento tão logo cesse a possibilidade de modificação do julgado, pelo trânsito em julgado ou estabelecido o valoraserpago, se necessária liquidação. Ocumprimento da condenação não é um interesse meramente privado do credor, mas uma exigência da jurisdição, uma decorrência da prestação jurisdicional, na qual se incluem os princípios da dignidade, seriedade e efetividade da jurisdição prestada, estas reafirmadas na possibilidade de advertência do juiz ao devedor (arts. 599, 600 e 601, do CPC)2.

Assim, a multa de 10% sobre o valor do débito, estabelecida no art. 475-J do Código de Processo Civil, incide automaticamente se o débito não for pago no prazo de quinze dias do trânsito em julgado da condenação, se líquida, dependente apenas de cálculo aritmético3, ou fixada em liquidação, tese sufragada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) no Resp n° 954859, primeira manifestação do Tribunal sobre a questão, onde diz:

"O termo inicial dos quinze dias previstos no Art. 475-J do CPC, deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo da lei, independente de nova intimação do advogado ou da parte para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação. Se o credor precisar pedir ao juízo o cumprimento da sentença, já apresentará o cálculo, acrescido da multa. Esse o procedimento estabelecido na Lei, em coerência com o escopo de tornar as decisões judiciais mais eficazes e confiáveis. Complicá-lo com filigranas é reduzir à inutilidade a reforma processual.

'O bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique em condições de cumprir a condenação', afirmou o relator, ministro Gomes de Barros em seu voto. E segue: 'se, por desleixo, o advogado omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele (o advogado) deve responder por tal prejuízo' (Resp 954859, Ministro Humberto Gomes de Barros)."

A multa incide sobre o total do débito ou do saldo, quando houver pagamento parcial, e decorre do inadimplemento. Não tem cunho de direito material, mas legal. Sua incidência é ope legis e não depende de ato ou da vontade do juiz. Incide "de forma automática caso o devedor não efetue o pagamento no prazo concedido em lei" como manifesta o ex-ministro Athos Gusmão Carneiro, em artigo na Revista Ajuris n- 102, p. 63, junho/2006.

'Assim, na sentença condenatória por quantia líquida (ou na decisão de liquidação de sentença), a lei alerta para o 'tempus iudicati’ de quinze dias, concedido para que o devedor cumpra voluntariamente sua obrigação. Tal prazo passa automaticamente afluir, independente de qualquer intimação, da data em que a sentença (ou o acórdão, CPC art. 512) se...

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