MULHERES NO CRIME: UMA ANÁLISE SOCIOECONÔMICA DAS DETENTAS DO COMPLEXO PENITENCIÁRIO ANÍSIO JOBIM E DO CENTRO DE DETENÇÃO PROVISÓRIA FEMININO NO ESTADO DO AMAZONAS

AutorErnandes Herculano Saraiva, Neuton Alves de Lima
Páginas45-67
GÊNERO|Niterói|v.19|n.1| 45|2. sem.2018
Ernandes Herculano Saraiva1
Neuton Alves de Lima2
Resumo: A visão de que crimes são, em sua maioria, praticados pelos homens,
deixa as mulheres no patamar da invisibilidade. Ao logo de décadas, o gênero
feminino conquistou uma maior participação no cenário do crime. Essa
participação evoluiu também no que diz respeito à natureza dos delitos. Controlar
zonas de tráfico, formar quadrilhas especializadas e realizar homicídios são delitos
de maior incidência do universo feminino. Ao analisar o sistema prisional em
Manaus, verificou-se que alguns quesitos estipulados pela Constituição ou pelas
leis de execuções penais não são observados, e essas mulheres tornam-se vítimas
do colapso que é o sistema prisional brasileiro.
Palavras-chave: Gênero; criminalidade feminina; direitos humanos.
Abstract: The view that crimes are, for the most part, practiced by men, leaves
women on the threshold of invisibility. As the decades went by, the female
gender gained greater participation in the crime scene. This participation has
also evolved with respect to the nature of the oenses. Controlling tracking
zones, forming specialized gangs and carrying out homicides, are crimes of higher
incidence in the female universe. When analyzing the prison system in Manaus,
it was verified that some requirements stipulated by the Constitution or by the
laws of penal executions are not observed, and these women become victims of
the collapse that is the Brazilian prison system.
Keywords: Gender; female criminality; human rights.
Introdução
O olhar que uma parte significativa da sociedade projeta sobre o gênero
feminino, consiste na rotulação da mulher como a criatura sensível, domesticada
1 Mestre em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas.
Técnico em Segurança Pública – IESP/AM. E-mail: ernandesherculanosaraiva@gmail.com
2 Mestre em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas.
Pocurador Federal – AGU. E-mail: nalima@uea.edu.br.
MULHERES NO CRIME: UMA ANÁLISE SOCIOECO-
NÔMICA DAS DETENTAS DO COMPLEXO PENITEN-
CIÁRIO ANÍSIO JOBIM E DO CENTRO DE DETENÇÃO
PROVISÓRIA FEMININO NO ESTADO DO AMAZONAS
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aos caprichos maternos, a dona de casa ou “rainha” do lar. Essa visão de
submissão física ou simbólica, muitas vezes, estigmatizadas por um patriarca,
tem consolidado ao longo dos tempos o papel da mulher nas responsabilidades
societárias, determinando, assim, historicidades aos valores sociais.
Essa concepção de submissão da mulher, imposta socialmente, se atrela
ao conflito histórico de liberdade e igualdade de direito entre o homem e a
mulher. Da antiguidade à modernidade, o gênero feminino sempre tendeu a ser
discriminado em relação ao masculino, inclusive no tocante à prática delitiva,
antes imputada somente aos homens.
Observa-se, que, a partir do século XVII, há uma significativa mudança de
natureza dos delitos praticados tanto por homens, em sua maioria, quanto por
mulheres, quando o crime se desloca da vítima/pessoa para o patrimônio/bem, em
razão da necessidade das pessoas menos favorecidas economicamente auferirem
renda, por qualquer meio, seja para comprar produtos de uma nova onda de
consumo que se apresentava na Europa, seja por questão de sobrevivência, dada
à extrema pobreza em que as pessoas viviam à época.
É nesse contexto socioeconômico, marcado pela necessidade de consumo
em que a mulher começa conquistar sua alforria do preconceito, do sexo frágil,
rotulada de criatura incapaz de cometer violência. Alia-se a isso a escalada de
conquistas feministas, a partir da segunda metade do século XX, no tocante
ao reconhecimento de liberdade e igualdade jurídicas em diversos documentos
internacionais e nacionais.
Malgrado a esses avanços, permanece a ideia de que os crimes são praticados
predominantemente pelos homens. A mulher tem sido vista comumente na esfera
de vítima do ato delituoso e não na qualidade de autora, seja como executora do
ato, seja como mentora delitiva.
O presente artigo procura trazer uma reflexão um tanto perpendicular ao que
se é construído quando a temática se volta aos estudos prisionais. O estigma do
homem delinquente perpassa a uma dominação sexual. Nesse sentido, houve a
necessidade de analisar o que levou determinadas mulheres a saírem do anonimato
criminoso, que as coloca em um patamar de inferioridade, mitigado ou até invisível,
e partissem para a busca dos prazeres, emoções e poderes. Desvencilhando-se,
então, das “amarras”, da “opressão”, da “escravidão” machista, social e eclesiástica
a elas construídas e impostas.
A partir dessa abordagem, colocada especificamente em Manaus, capital do
Amazonas, fez-se necessária a pesquisa acerca dos estereótipos femininos. Com
efeito, trata-se de uma pesquisa qualitativa, que, conforme descreve Minayo
(2010), é um tipo de método que procura “desvelar” processos sociais que ainda
são pouco conhecidos e que pertencem a grupos particulares, “sendo seu objetivo
e indicação final, proporcionar a construção e/ou revisão de novas abordagens,
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