Mulheres na posse de seus corpos

AutorJuliana Leme Faleiros
CargoMestranda em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie
Páginas68-87
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
Nº 03 - Ano 2015
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n3p68-87
Seção: Gênero, Sexualidade e Feminismo
MULHERES NA POSSE DE SEUS CORPOS
Juliana Leme Faleiros1
Resumo: Nesse artigo pretende-se refletir o
uso do Direito Penal para as questões que
envolvem as mulheres, com destaque aos
crimes de aborto e feminicídio. A ideia é
pensar a luta feminista por direitos e
emancipação e o paradoxo da necessidade
de ausência/presença do Estado com seu
braço mais forte, o Direito Penal.
Considerando que Ciência e Religião se
estruturam no patriarcado e que elas são
norteadores das decisões políticas, parte-se
da inquietação seguinte: em que medida a
tipificação desses crimes, inseridos numa
ciência social aplicada, refletem a
dominação masculina? Em que medida o
Direito Penal pode se apresentar como
instrumento hábil de transformação social?
Palavras-chave: mulheres; corpos; Direito
Penal.
Abstract: The goal of this article is to
reason the use of Criminal Law due to
women’s issues, especially regarding abort
and feminicide crimes. The idea is to think
about feminist fight for rights and
emancipation as well as the paradox of the
need to absence/presence of the State with
Criminal Law. Whereas that Science and
Religion have their bases on patriarchy and
respecting that they drive political
decisions, we are led to the following
inquiry: in what extent the characterization
of these crimes, inserted into an applied
social science, reflects male domination?
And more: in what extent Criminal Law
shows itself as an effective instrument of
social transformation?
Keywords: women; bodies; Criminal Law
1 Mestranda em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie com bolsa CAPES-
PROSUP. Integrante da Pesquisa "Internacionalização d a pós-graduação str icto sensu: uma proposta em
construção" da UPM. Integrante dos Grupos de Pesquisa (CNPq) "Cidadania e Direito pelo olhar da Filosofia:
política, regulação econômica e Direito", Políticas Públicas como Instrumento de Efetivação da Cidadania e
Mulher, Sociedade e Direitos Hu manos, pro movidos pelo PPGDPE/UPM. Especialista em Direito
Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional (ESDC) e em Direito Processual Civil pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). P ossui graduação em Direito p elo Centro Universitário
Eurípedes de Marília (1998). Advogada. julianalfaleiros@gmail.com
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
Nº 03 - Ano 2015
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n3p68-87
A Igreja diz: o corpo é uma culpa. A
Ciência diz: o corpo é uma máquina. A
publicidade diz: o corpo é um negócio. E o
corpo diz: eu sou uma festa.
Eduardo Galeano
Introdução
Escolhe-se iniciar esta reflexão com
uma digressão sobre as lutas feministas por
reconhecimento, respeito e liberdade a
partir da transição da Idade Moderna para a
Idade Contemporânea, pontuando alguns
acontecimentos memoráveis e ressaltando
algumas mulheres notáveis sem intenção,
claro, de esgotá-los.
A Idade Moderna é quadra de
transição do feudalismo para o capitalismo
e tempo de grandes revoluções burguesas
(inglesa, em 1689; norte-americana, em
1776; e francesa, em 1789). É nesse período
que renascem os ideais greco-romanos da
Antiguidade na tentativa de retirar Deus e a
religião do centro do pensamento. Também
é nesse momento histórico - eurocêntrico, é
certo - que a Razão individual ganha espaço
e força.
Diferentemente da Antiguidade na
qual as pessoas são naturalmente desiguais
- como os escravos e as mulheres - na
transição das Idades Moderna para a
Contemporânea surge o Estado capitalista
acompanhado da necessidade de que as
pessoas sejam iguais para que participem
das trocas, dos negócios. É nesse momento
que se valoriza o sujeito de dir eito, aquele
que tem consciência e liberdade de escolha.
O ente apartado instrumentalizado pelo
Direito impessoal e técnico garante a
estabilidade das relações.
Os ideais das revoluções burguesas
se espraiam pelo Ocidente (FARIA; 2013,
182) encontrando forte ressonância no
Brasil, mas, no entanto, tanto lá como cá, as
mulheres são excluídas e, como lembra
Lynn Hunt (2009, 67)
muitos revolucionários franceses
assumiriam posições públicas e
vociferantes em favor de direitos
dos protestantes, judeus, negros
livres e até escravos, ao mesmo
tempo em que se oporia m
ativamente a conceder direitos à s
mulheres.
Pode-se dizer, assim, que, diante da
exclusão das mulheres no que tange ao
reconhecimento a direitos nasce o embrião
do feminismo, um movimento
emancipatório e de conscientização que luta
por justiça e se torna uma teoria crítica que
ressalta as tensões e contradições,
politizando tudo o que toca.
A intenção do feminismo, decerto, é
imprimir ética e igualdade material ao
debate.
Com a Revolução Francesa e seus
movimentos posteriores, algumas mulheres
saem às ruas e se engajam pela queda do

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