Movimentos sociais e luta antimanicomial: contexto político, impasses e a agenda prioritária

AutorAna Paula Guljor- Paulo Amarante
CargoPsiquiatra. Phd Saúde Pública. Pesquisadora Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde mental e Atenção Psicossocial/LAPS da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/ ENSP-FIOCRUZ-RJ - Psiquiatra. Phd em Saúde Púbica. Doutor Honoris causa pela Universidad Popular Madres de La Plaza de Mayo. Pesquisador Titular e Professor do Laboratório...
Páginas101-122
https://cadernosdoceas.ucsal.br/
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 242, p. 635-656, set./dez., 2017 | ISSN 2447-861X
MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTA ANTIMANICOMIAL:
CONTEXTO POLÍTICO, IMPASSES E A AGENDA PRIORITÁRIA
Social Movements And Anti-Asylum Struggle: Political Context, Deadlocks
And The Priority Agenda
Introdução
O processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil teve seu início em 1978, com as
denúncias feitas pelos trabalhadores de Saúde Mental sobre as condições desumanas dos
grandes hospitais psiquiátricos. Este movimento transformou-se, na década posterior, em
um movimento social organizado, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM)
e, em 1987, no II Congresso de Saúde Mental em Bauru, se reconheceu como movimento da
luta antimanicomial, a partir de então, adotou o lema “Por uma sociedade sem manicômios”.
O movimento da Reforma Psiquiátrica, com seus avanços e desafios para a superação
do paradigma manicomial, ultrapassa a ideia de uma mudança de modelo de assistência,
Ana Paula Guljor
Psiquiatra. Phd Saúde Pública. Pesquisadora Laboratório
de Estudos e Pesquisas em Saúde mental e Atenção
Psicossocial/LAPS da Escola Nacional de Saúde Pública
Sérgio Arouca/ ENSP-FIOCRUZ-RJ
Paulo Amarante
Psiquiatra. Phd em Saúde Púbica. Doutor Honoris causa
pela Universidad Popular Madres de La Plaza de Mayo.
Pesquisador Titular e Professor do Laboratório de Estudos
e Pesquisas em Saúde mental e Atenção Psicossocial/LAPS
da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/
ENSP-FIOCRUZ-RJ.
Informações do artigo
Recebido em 28/11/2017
Aceito em 20/12/2017
Resumo
O processo de Reforma Psiquiátrica brasileiro é
considerado uma referência no cuidado em Saúde
Mental no mundo e hoje é uma política de Estado.
Desde seu início, em fins da década de 70 até o momento
atual, obteve inúmeras conquistas. Entre as principais
está a lei nacional de saúde mental (10.216/01) e
a constituição de uma rede de serviços territorial.
Considera-se que a existência de um movimento
social potente – o movimento da luta antimanicomial
– foi o impulsionador desta trajetória e, ainda hoje, se
constitui em um dispositivo fundamental na garantia
de sua sustentabilidade. Este ensaio busca discutir, no
marco temporal do processo de Reforma Psiquiátrica,
aspectos que envolvem a luta antimanicomial, seu
percurso e desafios na conjuntura em que hoje se
apresenta. Parte-se do pressuposto de que esta é uma
proposta de transformação da sociedade e não se
restringe ao fechamento dos hospitais psiquiátricos.
A partir do contexto histórico da luta por direitos na
sociedade brasileira, em específico na conformação
da luta antimanicomial como movimento social,
articula a análise do atual momento político no
âmbito internacional e da sociedade brasileira com
uma perspectiva crítica, no sentido do fortalecimento
da disputa de hegemonia de um modelo de cuidado
em saúde mental o qual possui estreita relação com
o processo civilizatório da sociedade e a luta pela
democracia.
Palavras-chave: Reforma Psiquiátrica. Saúde Mental.
Políticas Públicas. Luta Antimanicomial
Movimentos sociais e luta antimanicomial... | A na Paula Guljor e Paulo Amarante
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 242, p. 635-656, set./dez., 2017 | ISSN 2447-861X
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visto que sua proposta diz respeito a um projeto de sociedade. Desta forma, para além de
organização de serviços e sistemas, envolve política, democracia, direitos civis e sociais,
inclusão, solidariedade e reconhecimento à diversidade (HONNETH, 2009) e, principalmente,
o direito à liberdade. Assim, no atual contexto brasileiro, a agenda antimanicomial, para além
da discussão restrita ao setor saúde mental, é uma agenda da, e para, a sociedade brasileira.
A proposta deste ensaio é discutir, no marco temporal do processo de Reforma
Psiquiátrica, aspectos que envolvem a luta antimanicomial, seu percurso e desafios atuais.
Parte-se do pressuposto que esta é uma luta compreendida em uma concepção ampliada,
na qual a desconstrução do paradigma manicomial não se restringe à extinção dos hospitais
psiquiátricos. Um novo lugar social do louco se configura em uma transformação da
sociedade no sentido da solidariedade, da justiça social e redução das desigualdades. Assim,
o artigo contextualiza-se no processo histórico da luta por direitos na sociedade brasileira,
em específico na conformação da luta antimanicomial como movimento social, a partir das
mobilizações na década de 70, considerando que a saúde se articula ao direito social e, neste
sentido, aos fundamentos da república. Está pautado no desafio de discutir uma hipótese
de luta política estratégica para o campo da participação popular em paralelo a um conjunto
de ações estruturantes para a resistência dos movimentos ligados aos direitos humanos e à
luta antimanicomial no país. Entretanto, ao não objetivar estabelecer uma visão finalística do
tema, configura-se como uma contribuição para reflexão e análise de perspectivas possíveis
do movimento antimanicomial no momento histórico atual.
O movimento da luta antimanicomial1
Segundo Amarante (1995), o Movimento de Reforma Psiquiátrica tem seu estopim
no episódio denominado “crise da DINSAM”. A Divisão Nacional de Saúde Mental era uma
estrutura ligada ao Ministério da Saúde e responsável pela formulação das políticas públicas
do subsetor saúde mental. Era o órgão federal que realizava, também, as contratações e,
neste período, já contabilizava quase duas décadas sem realizar concursos públicos. O
cuidado aos pacientes nos hospitais, desde 1974, era realizada por profissionais das várias
categorias em regime de “bolsa”, sem garantias trabalhistas, em número insuficiente e sem
1 Utilizou-se como embasamento para apresentação dos fatos históricos referentes ao processo de Reforma
Psiquiátrica e o movimento antimanicomial o livro Loucos Pela Vida: a trajetória da Reforma Psiquiátrica no
Brasil. AMARANTE. P, 1995.

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