Movimento Social Negro (MSN) e religiões afro-brasileiras: questões identitárias e a promoção da igualdade racial

AutorMaria Cristina do Nascimento
CargoMestra em Ciências da Religião ? UNICAP-PE, Técnica Pedagógica do Grupo de Trabalho em Educação das Relações Étnico-Raciais - GTERÊ- da Escola de Formação de Educadoras\es do Recife EFER ? SE\Recife-PE; Ativista feminista da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e da Articulação de Mulheres Brasileiras - AMB. Brasil
Páginas185-216
https://cadernosdoceas.ucsal.br/
Cadernos do Ceas, Salvador/Recife, n. 240, p. 185-216, jan./abr., 2017 | ISSN 2447-861X
MOVIMENTO SOCIAL NEGRO (MSN) E RELIGIÕES AFRO-
BRASILEIRAS: QUESTÕES IDENTITÁRIAS E A PROMOÇÃO DA
IGUALDADE RACIAL
Black social movement (MSN) and afro-brazilian religions: identity issues
and the promotion of racial equality
Maria Cristina do Nascimento
Mestra em Ciências da Religião UNICAP-PE,
Técnica Pedagógica do Grupo de Trabalho em
Educação das Relações Étnico-Raciais - GTERÊ- da
Escola de Formação de Educadoras\es do Recife
EFER SE\Recife-PE;
Ativista feminista da Rede de Mulheres Negras de
Pernambuco e da Articulação de Mulheres
Brasileiras - AMB.
Brasil.
Informações do artigo
Recebido em: 15/04/2017
Aceito em: 06/05/2017
Resumo
Este artigo é parte significativa da pesquisa de
mestrado Políticas Públicas com Axé: religiões afro-
brasileiras e a promoção da igualdade racial
(demandas para a educação do Recife), nele
destacamos as interfaces entre o Movimento Social
Negro e as Religiões Afro-brasileiras, como marca de
uma ancestralidade resgatada nos anos 70\80 (do
século pa ssado), analisando a participação das
Religiões Afro-brasileiras nas Conferências de
Igualdade Racial e, a partir do resgate da memória de
sua participação nas Conferências e identificar
avanços, dificuldades e resistências na
implementação destas políticas. Dialogamos com a
interseccionalidade entre as mais diversas formas de
atuação na esfera pública das religiões de matrizes
africanas, através da experiência de controle social e
participação cidadã de mulheres negras e mulheres
de terreiro. O Movimento Social Negro tem uma
importância indiscutível na luta contra o racismo e
por afirmação de direitos da população negra,
principalmente por uma educação sem
discriminação, no questionamento sobre o mito da
democracia racial, incluindo nos anos 70 do século
passado as religiões afro-brasileiras como mais um
elemento identitário e marco de sua agenda de
reivindicações.
Palavras-chave: Movimento Social Negro; Religiões
afro-brasileiras; Mulheres negras; Mulheres de
terreiro; Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Introdução
O Movimento Social Negro (MSN) nasce da luta por libertação a partir de estratégias
de fuga e resistência cultural, sua trajetória é longa e com fortes momentos, apagamentos
históricos e revigoramentos, que aponta erros históricos, denuncia e demarca espaços de
reivindicação de direitos. De modo geral, a definição dada por Joel Rufino dos Santos
corrobora com essa percepção:
[...] todas as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de qualquer
tempo [aí compreendidas mesmo aquelas que visavam à autodefesa física e
cultural do negro], fundado e promovido por pretos e negros [...]. Entidades
religiosas [como terreiros de candomblé, por exemplo], assistenciais [como
as confrarias coloniais], recreativas [como “clubes de negros”], artísticas
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[como os inúmeros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia], culturais
[como os diversos “centros de pesquisa”] e políticas [como o Movimento
NEGRO Unificado]; e ações de mobilização política, de protesto anti-
discriminatório, de aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos
artísticos, literários e ‘folclóricos’ – toda essa complexa dinâmica, ostensiva
ou encoberta, extemporânea ou cotidiana, constitui movimento n egro
(SANTOS, J.R., 1994, p. 157).
Para Luiz Alberto O. Gonçalves,
O movimento negro, desde sua origem, se constitui como um ator dividido
entre tradição e modernidade, resistência e liberdade. É, pois, dessa forma
que ele “projeta os negros na História”. Mas não só. É assim que ele
contribuiu na modernização da sociedade brasileira, questionando suas
crenças e ideologias raciais, propondo outras imagens de sua composição
étnica, enfim, tensionando continuamente a relação entre sujeito e sistema
(GONÇALVES, 1998, p. 43).
Dessa forma, o movimento social negro não foi apenas um esforço de transformar
as\os negras\os em “atores virtuais”, mas afirma-los enquanto atores políticos, com suas
práticas norteadas por modelos culturais. Gonçalves (1998) sintetiza a história do MSN a
partir dos anos 20 e 30, do século passado, focados no modelo liberal, nos anos 1940 e 1950,
no modelo populista e nos anos 1970 e 1980, na desintegração do modelo técnico-militar,
advindo da ditadura militar, esse período terá centralidade nesse artigo.
Nosso enfoque dialoga com a interseccionalidade (raça, gênero, religião)
compreendendo que as desigualdades em seus diversos aspectos se entrecruzam e se
sobrepõem atingind o de maneiras específicas o s sujeitos, assim, as formas de atuação na
esfera pública das religiões de matrizes africanas e indígenas vêm dialogando com o
movimento social
1
negro e com o feminismo, na luta cont ra o racismo, sexismo e a
intolerância religiosa.
Kimberle Crenshaw (2002) sugere que, na verdade, nem sempre lidamos com grupos
distintos de pessoas e sim com grupos sobrepostos (rac ial, gênero, geracional, deficiências,
sexualidades), nesse sentido parte do projeto da interseccionalidade, proposto pela autora e
ativista norte americana, visa incluir questões raciais nos debates sobre gênero e direitos
1
Ilse Sherer-Warren (1998) conceitua os movimentos sociais contemporâneos como redes sociais complexas
que se conectam, de forma simbólica e solidária, sujeitos e atores coletivos que vão construindo s uas
identidades num processo dialógico de identificações éticas e culturais, a partir de intercâmbios, negociações,
resoluções de conflitos e de resistência aos mecanismos de exclusão sistêmica na globalização, com
implicações no sentimento coletivo acerca das dificuldades, desafios e possibilidades de realizar política e
emocionalmente sua condição de sujeito.
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humanos e incluir questões de gênero nos debates sobre raça e direitos human os e outras
identidades. O movimento de mulheres negras vem sistematicamente assinalando a
necessidade desse olhar interseccional em relação às questões específicas das mulheres
negras e suas implicações nas políticas públicas para as mulheres e na igualdade racial.
Para contextualização histórica d as religiões afro-brasileiras, utilizamos o aporte
teórico da sociologia, antropologia e história, para uma compreensão de como se
estruturaram e se configuram atualmente em Recife. Buscamos estabelecer um diálogo com
diversas formas de atuação na esfera pública das religiões de matrizes africanas, permeando
o movimento social negro, o movimento de mulheres e o feminismo, na luta contra o racismo
e intolerância religiosa.
Como parte da metodologia da pesquisa de cunho qualitativo, a análise documental
teve como base as proposições da I Conferência de Igualdade Racial do Recife (CMPPIR)
diagnosticando possíveis avanços e ou repetições de demandas nas II e III conferências.
Realizamos 07 entrevistas semiestruturadas, com cerca de cinco (05) horas de
gravação do dia 28 de junho ao dia 05 de setembro de 2016, elaboramos um roteiro específico
para pessoas de terreiros e outro para a gestão, realizadas com representantes de religiões
afro-brasileiras que estiveram presentes nas Conferências d e Igualdade Racial, num total de
04 entrevistas, no intuito de construir uma linha histórica com essas memórias e a narrativa
documental, vendo as memórias como marco importante na (re) construção da história.
Neste artigo destacamos no pr imeiro momento as interfaces entre o Movimento
Social Negro e as Religiões Afro-brasileiras, como marca de uma ancestralidade resgatada
nos anos 1970\80, em seguida faremos uma análise dos processos de Conferências de
Promoção da Igualdade Racial, a partir da Nacional, (CONAPIR) destacando a participação
das Religiões Afro-brasileiras com olhar específico na Conferência em Recife (CMPPIR) no
eixo das religiões e suas proposições, para finalizar, apresentaremos a experiência de
controle social e participação cidadã da Rede de Mulheres de Terreiro de Pernambuco como
uma das mais diversas formas de atuação na esfera pública das religiões de matrizes africanas
como possibilidade e necessidade da interseccionalidade nas políticas de igualdade racial.

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