A reforma do ensino superior no Brasil: exposição de motivos apresentada ao chefe do governo provisório pelo Sr. Dr. Francisco Campos, ministro da educação e saude publica

AutorFrancisco Campos
Páginas61-97
A REFORMA DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL:
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS APRESENTADA AO CHEFE DO
GOVERNO PROVISÓRIO PELO SR. DR. FRANCISCO CAMPOS,
MINISTRO DA EDUCAÇÃO E SAUDE PUBLICA22
1. A REFORMA DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS APRESENTADA AO CHEFE DO GOVERNO
PROVISORIO PELO SR. DR. FRANCISCO CAMPOS, MINISTRO DA
EDUCAÇÃO E SAUDE PUBLICA
Ao Sr. Dr. Getúlio Vargas, chefe do Governo Provisório da Repúbli-
ca, o Sr. Dr. Francisco Campos, ministro da Educação e Saúde Pública,
acaba de apresentar o plano de reforma do ensino superior no Brasil, as-
sim justificado brilhantemente por s. excia. na exposição pormenorisada,
que a seguir publicamos.
Sr. Chefe do Governo Provisório.
Tenho a honra de submetter á esclarecida consideração de v. exc. a
reforma do ensino superior da Republica.
O projecto em que ella se consubstancia foi objecto de larga medita-
ção, de demorado exame e de amplos e vivos debates, em que foram ouvi-
das e consultadas todas as autoridades em matéria de ensino, individuaes
e collectivas, assim como, no seu periodo de organização, auscultadas
todas as correntes e expressões de pensamento, desde as mais radicaes ás
mais conservadoras.
Tal como passo ás mãos de v. exc., elle representa um estado de equi-
librio entre tendencias oppostas, de todas consubstanciando os elementos
de possivel assimilação pelo meio nacional, de maneira a não determinar
uma brusca ruptura com o presente, o que o tornaria de adaptação difficil
22. Publicado em CAMPOS, Francisco. A reforma do ensino superior no Brasil: Exposição de motivos. In: Revista Forense, v.
LVI, jan./jun. 1931, PP.393-415.
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ou improvavel, diminuindo, assim; os beneficios que delle poderão resul-
tar de modo immediato.
Embora resultando, na sua estructura geral, de transacções e compro-
missos entre varias tendencias, correntes e direcções de espirito, o projecto
tem individualidade e unidade proprias, seguindo o pensamento, que lhe
modelou a estructura, linhas largas, claras e precisas, que lhe demarcam
orientação firme e positiva e asseguram proporção e equilibrio aos planos
em que se distribuem os seus principios de organização administrativa e
technica.
O projecto se divide em tres partes; uma geral, relativa á organização
das Universidades brasileiras; outra, que contém a reorganização da Uni-
versidade do Rio de Janeiro e de todo o ensino superior da Republica, e
a terceira em que se crêa o Conselho Nacional de Educação e se definem
as suas atribuições.
UNIVERSIDADES BRASILEIRAS
A primeira parte do projecto contém o estatuto das Universidades
brasileiras e nella se adopta, como regra de organização do ensino supe-
rior da Republica, o systema universitario.
A Universidade constituirá, assim, ao menos como regra geral, e em
estado de aspiração, enquanto durar o regimen transitorio de Institutos
isolados, a unidade administrativa e didactica que reune, sob a mesma
direcção intellectual e technica, todo o ensino superior, seja o de caracter
utilitario e profissional, seja o puramente scientifico e sem aplicação im-
mediata, visando, assim, a Universidade o duplo objectivo de equiparar
technicamente as elites profissionaes do paiz e de proporcionar ambiente
propício ás vocações especulativas e desinteressadas, cujo destino, impres-
cindivel, é o da pesquiza, da investigação e da sciencia pura.
Assim como a Universidade não é apenas uma unidade didactica,
pois que a sua finalidade transcende ao exclusivo proposito do ensino,
envolvendo preocupações de pura sciencia e de cultura desinteressada, ella
é, igualmente, e é sobretudo, porque este o caracter que a individua e a
distingue das demais organizações do ensino, uma unidade social, activa
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e militante, isto é, um centro de contacto, de colaboração e de cooperação
de vontades e de aspirações, uma familia intellectual e moral, que não
exhaure a sua actividade no circulo dos seus interesses proprios e imme-
diatos, senão que, como unidade viva, tende a ampliar, no meio social
em que se organiza e existe, o seu circulo de resonancia e de influencia,
exercendo nelle uma larga, poderosa e autorizada funcção educativa.
O projecto provê, em quadros amplos e de linhas singelas, abrindo,
assim, largas perspectivas ao espírito associativo das Universidades, áquel-
les dois aspectos fundamentaes da organização universitaria, propondo,
quanto á sua vida social interna, modelos de associações de classe, des-
tinados a proporcionar contactos e fortalecer os laços de solidariedade,
fundada na communidade de interesses economicos e espirituaes, en-
tre os corpos docente e discente, e, quanto á influencia educativa que
a Universidade deve exercer sobre o meio social, instituindo a extensão
universitaria, poderoso mecanismo de contacto dos institutos de ensino
superior com a sociedade, utilisando em beneficio desta as actividades
universitarias.
A extensão universitaria se destina a dilatar os beneficios da atmos-
phera universitaria áqueles que não se encontram directamente associados
á vida da Universidade, dando, assim, maior amplitude e mais larga re-
sonancia ás actividades universitarias, que concorrerão, de modo efficaz,
para elevar o nivel da cultura geral do povo, integrando, assim, a Uni-
versidade na grande funcção educativa que lhe compete no panorama da
vida contemporanea, funcção que, só ella, justifica, ampla e cabalmen-
te, pelo beneficios collectivos resultantes, o systema de organização do
ensino sobre base universitaria. Na organização das universidades bra-
sileiras dominou, de modo precipuo e fundamental, o criterio de prover
ás actuaes necessidades do nosso aperfeiçoamento technico e scientifico,
não deixando, porém, de ser attendidas, em dispositivos destinados a exe-
cução opportuna, parcial e progressiva, as exigencias do desenvolvimen-
to, ampliação e adaptação do systema universitario de accordo com o
crescimento economico e cultural do paiz. Demais disto, o estatuto das
Universidades brasileiras se limita a instituir, em linhas geraes, o modelo
de organização administrativa e didactica para as Universidades federa-
es equiparadas, admittindo, porém, variantes, desde que orientadas por

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