A motivação da dispensa dos empregados dos correios como sintoma da inconsistência da jurisprudência consolidada do TST
Autor | Cláudio Dias Lima Filho |
Cargo | Procurador do Trabalho com lotação na PRT da 5ª Região (Procuradoria do Trabalho no Município de Vitória da Conquista/BA). Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) |
Páginas | 63-82 |
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A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos — ECT — é, como se sabe, uma empresa pública, sendo assim considerada pelo art. 1º do Decreto-lei n. 509, de 20 de março de 1969, que procedeu à mudança de nomenclatura e de natureza jurídica do então Departamento dos Correios e Telégrafos — DCT.
Nessa condição, é aplicável à ECT o regime jurídico “próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários” (art. 173, § 1º, II, da Constituição), o que lhe acarreta a imposição da Consolidação das Leis do Trabalho — CLT — como norma básica de regramento dos direitos e deveres do seu pessoal.
Ao lado desse regime “próprio das empresas privadas”, a ECT, como pessoa jurídica integrante da Administração Indireta (art. 4º, II, b, do Decreto-lei n. 200/67), fica obrigada a contratar pessoal somente após aprovação em concurso público (art. 37, II, da Constituição), ressalvadas hipóteses excepcionais previstas na própria Carta de 1988.
Verifica-se, portanto, que, apesar de esses trabalhadores serem regidos pela CLT e vinculados a uma pessoa jurídica de direito privado, a inclusão da ECT como entidade componente da Administração Federal Indireta implica a
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impossibilidade de admissão “livre” de trabalhadores, devendo estes se habilitarem em concurso público específico para o posto de trabalho pretendido.
Não só a admissão, porém, impõe a observância de um regramento específico para o pessoal das sociedades de economia mista e empresas públicas, no geral, e dos trabalhadores da ECT, no particular. Também os parâmetros de desligamento dessas pessoas do quadro funcional devem reger-se por aspectos específicos, os quais, infelizmente, vêm sendo ignorados — quando não deturpados — pelo Tribunal Superior do Trabalho em sua jurisprudência consolidada.
Demonstrar a inconsistência dos posicionamentos encampados por esses verbetes editados pelo TST — especificamente o teor da Súmula n. 390 e da Orientação Jurisprudencial n. 247 da SDI-1 — é o que se pretende com o presente texto.
A Súmula n. 390 do Tribunal Superior do Trabalho ostenta o seguinte teor1:
SÚMULA N. 390. ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/88. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL.
I — O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/88.
II — Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/88.
Pela leitura dos incisos desse verbete, verifica-se que o TST divide os trabalhadores admitidos como celetistas na Administração Pública em duas categorias: a primeira seria a dos empregados vinculados a pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Municípios e Distrito Federal, além de autarquias e fundações), enquanto a segunda seria composta por empregados vinculados a pessoas jurídicas de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista). Em razão dessa diferenciação de tratamento de acordo com a natureza do empregador, o tratamento jurídico aplicável a uns e a outros seria diverso: aos primeiros, seria estendida a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição, após cumprido o estágio probatório; aos últimos, não seria assegurada qualquer garantia de manutenção do emprego.
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O teor desses incisos, longe de significar uma pacificação jurisprudencial sobre aspectos imprecisos da norma positivada, acaba por acirrar a controvérsia acerca da questão, devido à tentativa de disciplinar problemas atuais com base em normas revogadas.
De acordo com o website do próprio TST, o inciso I da Súmula n. 390 (que dispõe acerca da estabilidade do servidor celetista vinculado a pessoas jurídicas de direito público) decorreu da conversão da OJ n. 265 da SDI-1 (editada em 27 de setembro de 2002) e da OJ n. 22 da SDI-2 (editada em 20 de setembro de 2000).
Essas OJs, contudo, poderiam ser consideradas natimortas, dado o anacronismo de suas estipulações, situação que se estende até os dias atuais, haja vista a consolidação de suas concepções, sem qualquer modificação de conteúdo desde então, numa súmula — no caso, a de n. 390.
Explico-me: o caput do art. 41 da Constituição, antes da EC n. 19/98, considerava como “estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público”. A partir da Emenda, passaram a ser considerados “estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”. Com fundamento na amplitude da expressão “servidor”, o STF passou a entender que a estabilidade constitucional alcançaria qualquer servidor, sendo irrelevante a natureza do seu vínculo com o ente estatal, se estatutário ou celetista.2
Embora a edição das OJs tenha decorrido de precedentes do Tribunal (e quase todos eles, certamente, envolvendo trabalhadores admitidos anterior-mente à EC n. 19/98), o fato é que, desde 1998, o caput do art. 41 da Constituição já tinha sido alterado pela Emenda Constitucional n. 19/98, e, a partir daí, a Constituição somente assegura expressamente a estabilidade a servidor ocupante de cargo efetivo.
Afirmo “expressamente” porque entendo que a Constituição não assegurou estabilidade a nenhum empregado estatal — ressalva feita apenas àqueles alcançados pelo art. 19 do ADCT3 — mesmo na redação original do art. 41,
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pelo fato de que a expressão “servidores nomeados” exclui, pela natureza do ato de “nomeação” (instituto próprio do regime estatutário) qualquer trabalhador estatal contratado para prestar serviços sob vínculo regido pela CLT. Cabe ressaltar que a nomeação é uma forma de provimento de cargo público (art. 8º, I, da Lei n. 8.112/90), sendo subdividida em nomeação em caráter efetivo e nomeação em comissão (art. 9º da Lei n. 8.112/90), noções formais incompatíveis com a primazia da realidade que norteia o vínculo celetista.4
Assim, a função jurídica da Emenda n. 19/98, nesse aspecto, foi apenas a de esclarecer o alcance da estabilidade constitucional do art. 41. No aspecto político, contudo, é forçoso admitir que um dos objetivos dessa Emenda era, também, impedir a manutenção dessa interpretação que já estava assentada no STF, no sentido de que o celetista estatal também seria detentor dessa estabilidade, conclusão que, no meu entender, está consentânea com a amplitude da expressão “servidores”, mas que não se coaduna com a noção de “servidores nomeados”, expressão que, desde sempre, a Constituição de 1988 consignou, seja antes, seja depois da promulgação da EC n. 19/98.
Restaria ao TST, portanto, duas providências alternativas, que deveriam ter sido adotadas desde a época da edição das OJs (anos de 2000 e 2002): ou o Tribunal seguia o entendimento consolidado pelo STF, estendendo a estabilidade constitucional também aos empregados estatais concursados, limitando-se, porém, apenas aos casos alcançados pela redação original do art. 41 da Constituição5; ou adotaria a exegese mais coerente, no sentido de que a estabili-dade constitucional somente alcançaria os servidores estatutários (os únicos que podem ser nomeados para ocupar um posto de trabalho na Administração Pública), excluindo-se, portanto, os empregados estatais, sejam eles vinculados a pessoas jurídicas de direito público ou a pessoas jurídicas de direito privado.
O Tribunal Superior, porém, prossegue estendendo a estabilidade constitucional aos trabalhadores estatais regidos pela CLT, mesmo quando se trata de servidores celetistas admitidos muito tempo depois da promulgação da EC n. 19/98, com fundamento tão somente no entendimento “cristalizado” na Súmula
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n. 390, I — como se esta substituísse a norma constitucional positivada. E isso apesar de alguns Ministros já terem percebido que esse entendimento hoje é insustentável. É o que se verifica pelos excertos abaixo (grifos meus):
[...] por disciplina judiciária, curvo-me ao entendimento deste Tribunal no sentido de que a estabilidade do art. 41 da Constituição Federal aplica-se aos empregados públicos da administração direta, autárquica e funcional, sem qualquer limite temporal, nos termos da Súmula n. 390, I, deste Tribunal. E, nesse sentido, se este Tribunal já pacificou o entendimento de que ao servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é assegurada a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal do Brasil, consectário lógico é que qualquer ato de dispensa do empregado público antes de alcançada referida estabilidade, nessa mesma hipótese, deve ser precedida [sic] da devida motivação, sob pena de ofensa aos princípios insculpidos no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 [...].
(RR 77340-15.2003.5.04.0281, julgado em 2.6.10, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, divulgado no DEJT de 18.6.10.)
[...] Ressalte-se, a propósito do item I da Súmula n. 390, não mais subsistir a tese nele consolidada de ser aplicável ao empregado público da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional a estabilidade do art. 41 da Constituição, diante da nova redação dada ao preceito constitucional pela Emenda Constitucional n. 19/98. É que ali se dispõe que são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. Vale dizer que, a despeito...
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