Moralidade tributária. Um vetor da tributação no século XXI?

AutorMarcos André Vinhas Catão e Maria Fernanda Sirotheau
Ocupação do AutorProfessor de Direito Financeiro e Tributário da Fundação Getúlio Vargas- FGV/ RJ. Diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro ? ABDF e Membro do Permanent Scientific Comitte (PSC) da International Fiscal Association ? IFA. Advogado/Pós-Graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários ? IBET. Advogada
Páginas891-922
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MORALIDADE TRIBUTÁRIA. UM VETOR DA
TRIBUTAÇÃO NO SÉCULO XXI?
Marcos André Vinhas Catão1
Maria Fernanda Sirotheau2
1.
Introdução. Moralidade tributária. Significado e con-
teúdo semântico
Em setembro de 2009, o jornal britânico The Guardian
teve como uma de suas manchetes a notícia “Evitar pagar im-
postos é roubar nossos serviços públicos”. A declaração foi dada
não por um militante, mas pela boca, outrora tão austera, de
ninguém menos do que o Secretário do Tesouro da Inglaterra
3
.
Em outubro de 2010, o jornal britânico Daily Mail trouxe
em uma de suas manchetes a notícia “Vodafone fecha loja em
1. Professor de Direito Financeiro e Tributário da Fundação Getúlio Vargas- FGV/
RJ. Diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro – ABDF e Membro do
Permanent Scientific Comitte (PSC) da International Fiscal Association – IFA.
Advogado.
2. Pós-Graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tribu-
tários – IBET. Advogada.
3.
TREABIR, Jill. Avoiding tax robs our public services, declares minister. The Guar-
dian. Disponível em: https://www.theguardian.com/business/2009/sep/20/tax-avoi-
dance-penalties Acesso em 22 de outubro de 2017.
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IBET - INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS
Oxford St. em razão de protesto sobre 6 bilhões de libras em tri-
butos não pagos” 4.
Mais recentemente se teve a notícia de que a Starbucks
foi obrigada a recolher ao governo britânico mais de 8 milhões
de libras em tributos em razão de planejamentos tributários
considerados agressivos.
Assim, empresas multinacionais (MNE´s multinational
entreprises) se valiam de estruturas societárias e contratuais
de forma a transferir lucros gerados a partir de vendas no país
de consumo (regra geral o país que está o mercado consumi-
dor) para países com tributação favorecida (em geral paraísos
fiscais, ou zonas de baixa tributação, onde geralmente não está
o mercado nem as fontes de produção) ou amparados por re-
gimes especiais de tributação, os chamados Rulings ou APAs
5
.
Assim, cabe indagar o que seja e qual o conteúdo de
uma expressão que embora quase leiga e que não se encon-
tra transportada para enunciados normativos6 gera toda uma
convulsão midiática e social, mas que ora se debate com vigor
na maioria dos fóruns científicos nacionais e internacionais7.
4.
MONK, Ed. Vodafone closes Oxford St store at £6bn tax protest. Mail Online. Dispo-
nível em:http://www.dailymail.co.uk/money/news/article-1706973/Vodafone-closes-O-
xford-St-store-at-6bn-tax-protest.html. Acesso em 21 de outubro de 2017.
5. “A binding ruling is Inland Revenue’s interpretation of how a tax law applies to a
particular arrangement. An arrangement is any agreement, contract, plan or un-
derstanding (whether enforceable or not), including any steps and transactions that
carry it into effect. Binding rulings can provide certainty on the tax position for a
wide range of transactions, from complex financing transactions to land subdivi-
sions. Anyone can apply for a binding ruling on a transaction, but there are some
restrictions on our ability to provide a binding ruling. ” Technical tax área. Disponí-
vel em http://www.ird.govt.nz/technical-tax/binding-rulings/what-is-br/what-is-br-
-index.html. Acesso em 25 de outubro de 2017.
6. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 27ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2016.
7. CONGRESSO INTERNATIONAL FISCAL ASSOCIATION – IFA. “Economic
Crisis and Protection of Taxpayers’ Rights – Tax Morality?”, 2017 e 50 ANOS DO
CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. XIII Congresso IBET. Planejamento Tributá-
rio. 2016.
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RACIONALIZAÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO
A questão passa igualmente por perquirir o futuro do que
se hoje convenciona chamar de justiça fiscal em detrimento
dos critérios mais precisos de elisão (tax avoidance) e evasão
(tax evasion), ora praticamente absorvidos pelo supra concei-
to de fraude à lei8.
Nesse sentido, essa tensão dogmática que reprisa o anti-
go embate das escolas jurídicas9 no âmbito do Direito Tribu-
tário, traz consigo um choque axiológico e de princípios, que
desafiam até mesmo o peso de fontes jurídicas.
Além do que ocorre alhures, cabe uma rápida reflexão do
que ocorre no Brasil.
Amputados os projetos de lei que cuidavam de dar ao
menos certa referibilidade conceitual às variáveis materiais
e punitivas das hipóteses de fraude à lei10, observamos nos
últimos anos uma penetração do poder jurisdicional – certo
8. Em que pesem serem muito tênues as linhas que divisam os vícios de vontade,
tanto no âmbito do Direito Privado quanto do Direito Público. (DINIZ, Maria Hele-
na. Curso de Direito Civil. Volume 3 – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracon-
tratuais. 25ª ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2009.).
9. Segundo Tito Fulgêncio “quanto à origem diz-se que a interpretação pode ser
autêntica, judicial ou doutrinária” (FULGÊNCIO, Tito. Programas de Direito Civil.
Rio de Janeiro: Forense, 1963, v. I, p. 7). Assim como os métodos de integração, tam-
bém quanto à origem do intérprete, quer no parecer improducente a limitação às
categorias aqui mencionadas, conforme alude Ricardo Lobo Torres ao afirmar a
inexistência de um numerus clausus de intérpretes do Direito Tributário (TORRES,
Ricardo Lobo. “A Interpretação do Direito Tributário pela Administração”. ln: Tra-
balhos sobre os Temas das XVIII Jornadas Latino-americanas de Derecho Tributaria.
ABDF, 1996, p. 7). Em matéria tributária, por exemplo, a interpretação administrati-
va, que poderia ser tomada como “autêntica”, veiculada não somente por pareceres
normativos e atos declaratórios (CTN art. 100), em caráter genérico e abstrato,
como também nos processos concretos em resposta às consultas formuladas pelos
contribuintes (CTN art. 161, § 2°), convive com outras formas de interpretação mis-
cigenadas, como a exemplo, as formuladas pelos órgãos administrativos de solução
de controvérsia tributária (Conselhos de Contribuintes), que embora vinculados à
Administração Pública exercem função judicante.
10. BRASIL. Medida Provisória 66, em 2002, que previa, nos artigos 13 a 19, os pro-
cedimentos que deveriam ser adotados para a fiscalização da elisão e a Medida Pro-
visória 685, em 2015 que, nos artigos 7º a 12, previa o dever do contribuinte de co-
municar à Secretaria da Receita Federal do Brasil sobre a realização de
planejamento fiscal.

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