Moradia no século XXI: ativo financeiro ou direito social?

AutorSávio Silva de Almeida, Cristina Pereira de Araújo
CargoAdministrador. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente e Doutorando em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: savio_eco@hotmail.com - Graduada em Arquitetura e Urbanismo. Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) Professora do ...
Páginas839-857
MORADIA NO SÉCULO XXI: ativo financeiro ou direito social?
Sávio Silva de Almeida1
Cristina Pereira de Araújo2
Resumo
O presente ensaio tem como objetivo analisar o aprofundamento da mercantilização do direito à moradia, sob a hegemonia
neoliberal. A metodologia empregada envolve uma extensa revisão de literatura com vistas a contribuir com os estudos
sobre a urbanização, movimentos sociais urbanos, direito à cidade e à moradia digna. Na primeira seção, o texto trata do
processo de urbanização sob o capitalismo. Na segunda seção, aborda as lutas promovidas no âmbito jurídico pelos
movimentos sociais brasileiros que construíram a moradia como um direito humano social. Na terceira seção, apresenta
uma reflexão sobre a financeirização da moradia. Conclui que o aprofundamento da financeirização da moradia representa
o novo paradigma da urbanização capitalista a ser superado pelos movimentos sociais, para que o Estado possa atuar no
sentido de garantir a moradia como um direito social.
Palavras-Chave: Urbanização. Direito à Moradia. Neoliberalismo.
HOUSING IN THE 21th CENTURY? Financial asset or social right?
Abstract
The present essay aims to analyze the deepening of the commodification of the right to housing, under neoliberal hegemony.
The methodology involves an extensive literature review that approach the proposed theme intending to contribute to studies
on urbanization, urban social movements, right to the city and right to housing. In the first section, the text seeks to reflect on
the process of urbanization under capitalism. In the second, brings to reflect on the struggles promoted in the legal sphere by
the Brazilian social movements that built housing as a social human right. In the third, the text presents a reflection on the
financialization of housing. It concludes that the deepening of the financialization of housing represents the new paradigm of
capitalist urbanization to be overcome by social movements, so that the State can act in the sense of guaranteeing housing
as a social right.
Keywords: Urbanization. Right to Housing. Neoliberalism.
Artigo recebido em: 15/04/2020 Aprovado em: 25/10/2020
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v24n2p839-857.
1Administrador. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente e Doutorando em Desenvolvimento Urbano pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: savio_eco@hotmail.com
2 Graduada em Arquitetura e U rbanismo. Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo (FAUUSP) Professora do Programa de Pós-Graduação em D esenvolvimento Urbano/MDU-
Universidade Federal de Pernambuco.UFPE. E-mail: crisaraujo.edu@gmail.com
Sávio Silva de Almeida e Cristina Pereira de Araújo
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1 INTRODUÇÃO
A moradia é um direito humano social, conforme estabelecido pela Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Porém, a promoção desse direito está vinculada à estrutura social capitalista,
com honrosas exceções, como a da sociedade cubana. No contexto de hegemonia das ideias e
práticas neoliberais, as políticas públicas têm caminhado no sentido de garantir a moradia enquanto
ativo financeiro (que privilegia o lucro e a especulação), em detrimento da sua função social.
A despeito da centralidade da moradia na vida de cada pessoa, poucos direitos humanos
são violados tão frequentemente como o direito humano à moradia (UN-HABITAT, 2003). Todavia,
jogam um importante papel nesta área de atuação estatal as políticas públicas, pois foi justamente para
superar o individualismo característico da civilização burguesa fundado na isonomia e nas liberdades
privadas que o movimento socialista, a partir do século XIX, fez atuar o princípio da solidariedade
como um dever jurídico, mesmo que ainda a fraternidade fosse inexistente no meio social como uma
virtude cívica. A solidariedade está ligada à ideia da responsabilidade de todos pelas carências ou
necessidades do grupo social ou de qualquer indivíduo. Na ideia de justiça distributiva é que se
encontra o fundamento ético desse princípio, a solidariedade é assim entendida como a compensação
necessária de vantagens e bens entre as classes sociais, juntamente com a socialização dos riscos
normais da existência humana. Destarte, baseando -se no princípio da solidariedade, os direitos sociais
passaram a ser reconhecidos como direitos humanos, que são realizados através da execução de
políticas públicas, que se destinam a garantir proteção e amparo social aos mais pobres e mais fracos
justamente aqueles que não dispõem de recursos próprios suficientes para viver dignamente
(COMPARATO, 2010).
A compreensão da moradia adequada como um dos direitos humanos transcende a
dimensão jurídica do marco legal, uma vez que a vigência dos direitos humanos não se limita somente
a instrumentos legais. Assim, o valor que se atribui à moradia adequada extrapola o mundo jurídico,
mas é nele que encontra guarida e suporte sistemático-normativo, uma vez que tal assunto está
incluído em diversos diplomas legais, tanto internacionais quanto nacionais, como a Constituição
Federal de 1988 (Art. 6º) e o Estatuto da Cidade (CDHPF, 2005).
Inúmeros são os documentos internacionais que reconhecem o direito à moradia e o
conceituam, como pode ser observado no Quadro 1.
Quadro 1 - Direito à moradia no direito internacional público
Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948.
Primeiro documento a reconhecer o direito à moradia no seu art. XXV, item 1: “[...]
todos têm direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família,
saúde e bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os
serviços sociais indispensáveis, direito à segurança em caso de desemprego,

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