Montesquieu: das leis às formas de governo

AutorVinícius Batelli de Souza Balestra
Páginas174-192
CAPÍTULO 7
Montesquieu: das leis às formas de governo
Vinícius Batelli de Souza Balestra1
No presente texto, faremos um pequeno esboço a respeito das
considerações de Montesquieu sobre as formas de governo, bem como
alguns comentários a respeito do modo especíco com que Hannah
Arendt interpreta essa tipologia. Montesquieu, que analisou as formas
de governo da tipologia clássica – monarquia, república e tirania ou des-
potismo -, colocou como condição de seu estudo que a análise dessas
formas deveria se dar em torno não apenas da natureza de cada gover-
no, mas também de seus princípios.
Esses argumentos a respeito das formas de governo e seus prin-
cípios são trazidos por Montesquieu logo nos primeiros capítulos de O
Espírito das Leis, mais especicamente nos treze primeiros. A relação que
os princípios de governo terão com as formas a que correspondem se
estabelecerão através das leis de cada governo e, por isso, Montesquieu
inicia sua obra tratando do conceito de lei. Para Montesquieu, as leis
expressam “as relações necessárias que derivam da natureza das coi-
sas”2, havendo, portanto, leis que funcionam para a Divindade, para as
coisas materiais, para a natureza e para os animais, bem como leis para
os homens.
1. A respeito da denição de lei em Montesquieu: a cisão com a deni-
ção jusnaturalista
É preciso, a princípio, discutir a posição que Montesquieu ocupa
nos debates a respeito do conceito de lei, bem como esclarecer algumas
questões a respeito das implicações teóricas desse conceito. Hannah
¹ Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Ge-
rais, com bolsa CAPES – Demanda Social. Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo.
² MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis.2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
p. 12.
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Arendt, por ocasião do texto Ideologia e Terror, se ocupara apenas bre-
vemente desse conceito na obra de Montesquieu, e irá trabalhá-lo com
mais anco mais à frente, em textos como On Revolution, de 1960, entre
outros.Nesse ponto, parece útil que nos valhamos de algumas conside-
rações de um conhecido comentador da obra de Montesquieu. Usaremos
a explicação de Althusser sobre o conceito de lei presente nessa obra de
Montesquieu, para, mais tarde, explicitarmos eventuais diferenças e si-
milaridades com a interpretação que Arendt fez desse conceito. Vejamos
que Althusser entende que o conceito de lei em Montesquieu abre um
caminho teórico revolucionário ao não submeter as matérias dos feitos
políticos às teorias do direito natural e a juízos morais e religiosos.3
A própria ideia de lei, lembra Althusser, sempre esteve, até os
séculos XVI e XVII, associada a uma estrutura xa. Assim, o conceito
de lei, fosse essa lei religiosa, moral ou política, dispunha de alguns ele-
mentos necessários: legisladores, criadores da lei, e súditos que a obe-
deciam; um m, um determinado objeto, que se colocava como ideal a
ser alcançado; e um mandamento, isto é, o efetivo comando da lei, que
visava o referido m.
Essa estrutura única da lei teria a utilidade, assim, de colocá-las
todas também sob um mesmo sentido: as leis humanas e morais seriam
reexos da lei mais importante, a lei de Deus. Em outras palavras, os ns
de todas essas leis era sempre o mesmo: as leis de Deus eram o manda-
mento original, do qual as outras leis seriam apenas um eco.
Assim, não ca difícil perceber a grande mudança que a losoa
moderna traria ao campo do pensamento com suas denições de leis
cientícas. Atribuir à natureza leis próprias, desloca a denição de lei
como mandamento e a coloca no capo da necessidade – por exemplo, as
leis que fazem os corpos se movimentarem, a lei da gravidade, etc., des-
crevem acontecimentos necessários, que sempre irão ocorrer conforme
a “lei”, e não eventos que assim existem por um determinado “dever”.
É justamente dessa denição de lei que Montesquieu está se valendo ao
estabelecer que as leis, sejam para os homens, para a natureza ou para
Deus, são relações da ordem da necessidade, derivadas da própria natu-
reza de cada coisa.4
Com isso, Montesquieu passa a aplicar a denição cientíca de
lei, até então própria apenas das ciências naturais, nas relações dos ho-
³ ALTHUSSER, Louis. Montesquieu:La política y la historia. Barcelona: Ariel, 1974. p. 33.
⁴ ALTHUSSER, Montesquieu...cit.,p.34.

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