Modiano historiador: a ambiguidade francesa durante a ocupação alemã compreendida na obra Ronda da noite

AutorThiago Tremonte de Lemos
CargoEx-professor Adjunto da Universidade de Brasília, Brasília/DF, Brasil
Páginas300-316
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DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7976.2018v25n40p300
Modiano historiador: a ambiguidade francesa durante a
ocupação alemã compreendida na obra Ronda da noite
Modiano historian: the french ambiguity during the german
occupation included in La ronde de nuit
Thiago Tremonte de Lemos*
Resumo: A partir da obra do escritor francês Patrick Modiano, o presente artigo
propõe uma reexão sobre os limites e os encontros entre a história e a cção
literária nas narrativas da ocupação alemã na França, durante a Segunda Guerra
Mundial. Concomitantemente, discute-se a ambígua posição da sociedade
francesa, particularmente em Paris, ora tolerando e, às vezes, colaborando com
os invasores, ora resistindo à presença estrangeira.
Palavras-chave: Patrick Modiano; História; Literatura; França; Ocupação
alemã; Segunda Guerra Mundial.
Abstract: This article proposes a reection about the limits and meetings
between history and literary ction in the narrative of the German occupation
of France, during World War II, in the french novelist’s works, Patrick
Modiano. Concurrently, discusses the ambiguous position of French society,
particularly in Paris, or by tolerating and eventually collaborate with the
invaders, sometimes for resisting foreign presence.
Keywords: Patrick Modiano; History; Literature; France; German occupation;
Second World War.
* Ex-professor Adjunto da Universidade de Brasília, Brasília/DF, Brasil.. ..
E-mail: tremontethiago@hotmail.com
Artigo
301
Revista Esboços, Florianópolis, v. 25, n. 40, p. 300 - 316, dez. 2018.
Você tinha razão de me dizer que na vida não é o futuro que
conta, é o passado1
Eu sou um produto da Ocupação, de uma época em que
se encontravam em um mesmo lugar um tracante do
mercado negro, um membro da Gestapo da rua Lauriston
e um homem procurado. Nesse cenário, meu pai, um judeu
cosmopolita, encontra-se com minha mãe, de origem
amenga, atriz de cinema antes da guerra2
Introdução
Em junho de 1940, Paris foi ocupada pelas tropas alemãs, que ali
permaneceram até 1944. Além do triste signicado político e militar, a invasão
representa uma situação incômoda para a história francesa: de um lado, se nota
a resistência ao intruso e, de outro, não se esquece da colaboração com ele. Para
alguns, a rotina não mudou muito e, após alguns dias “a vida retomou quase
o mesmo curso anterior”.3 Para outros, principalmente os parisienses judeus,
nada seria como antes, sobretudo após a instalação da Gestapo no número
84 da avenida Foch.4 Para alguém como o escritor francês Patrick Modiano,
que nasceu em 1945, lho de judeu, a Paris ocupada signicou, antes de mais
nada, um encontro com suas origens, com sua “paisagem natural”, segundo
as palavras de Norma Ribelles Hellín5, da Universidad Miguel Hernández.
A percepção de Modiano sobre a história da França ocupada (detectada
em muitos de seus livros) é tocante não apenas por poder reconstruí-la com
a desenvoltura e a argúcia de um investigador policial, mas por narrá-la tal
como um historiador, além de inventar enredos ambientados em um tempo de
sombras.também o fato do autor se perguntar o que faria caso tivesse nascido
antes. Em sua primeira obra, La place de l’étoile, “Raphaël Schlemilovitch, o
narrador (…) é, de uma vez e sucessivamente, judeu e colaborador, cafetão e
perseguido, antissemita e amante de Eva Braun”.6 A ambiguidade é a marca
indelével das principais personagens de Modiano, uma vez que se perdeu a
identidade francesa da geração da ocupação.
* * *
A principal razão de ser da história é não deixar esquecer. Em algumas
histórias, propositadamente, esquecem-se de alguns acontecimentos. Em
outras, exageram-se certas lembranças. Isso sem falar da importância
dada a essa ou aquela perspectiva, a esse ou aquele método de análise, de
construção da narrativa e das suas implicações políticas. Sobretudo, escrever
a história é fazer presente algo que nem sempre é recuperável pelo exercício

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