Como modernizar o direito do trabalho? A novidade é -um paradoxo estendido na areia

AutorRenata Queiroz Dutra
Páginas192-209
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COMO MODERNIZAR O DIREITO DO TRABALHO? A novidade é “um
paradoxo estendido na areia”1
HOW TO MODERNIZE THE EMPLOYMENT LAW? The novelty is "a
paradox extended in the sand"
Renata Queiroz Dutra2
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Lacunas decorrentes da constituição e de decisões do STF 3. Inovações
tecnológicas. 4. Reestruturação produtiva e novas formas de adoecimento ocupacional. 5. Considerações finais. 6
Referências.
SUMMARY: 1. Introduction. 2. Gaps from the constitution and decisions of the STF 3. Technological
innovations. 4. Productive restructuring and new forms of occupational illness. 5. Final considerations. 6
References.
1 INTRODUÇÃO
As questões que desafiam o direito do trabalho residem precisamente na disputa
ideológica que subjaz ao modelo de exploração do trabalho admissível em uma dada fase
histórica do capitalismo.
No entanto, como característica principal, a argumentação que se coloca a favor de um
determinado padrão de reformas trabalhistas3, assentadas em pressupostos neoliberais, recusa
a reconhecer em si a presença de componentes ideológicos, apontando a ideologia4 como um
elemento contaminador que estaria presente apenas no outro, no discurso que lhe faz oposição
ou lhe oferece resistência, mas jamais em seu próprio conteúdo. Assim, assume uma pretensa
Artigo recebido em 17/05/2018.
Artigo aprovado em __/__/__.
1 Referência à canção “A novidade”, dos Paralamas do Sucesso. Composição: Composição: Bi Ribeiro / Gilberto
Gil / Herbert Vianna / Joao Barone.
2 Doutora e Mestra em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília. Professora Adjunta de
Legislação Social e Direito do Trabalho da Universidade Federal da Bahia. Analista Judiciária do Tribunal
Superior do Trabalho.
3 A ideia de reformas, no plural, visa contextualizar o cenário vivido no país em uma conjuntura global, em que
reformas com orientações semelhantes, ocorrem em diversos países do mundo, como Portugal, Espanha, França,
Argentina, entre outros. Para considerações sobre as semelhanças entre Brasil e França, por exemplo, consultar:
ARAÚJO, Maurício Azevedo de; DUTRA, Renata. Q.; JESUS, Selma Cristina S. Neoliberalismo e flexibilização
da legislação trabalhista no Brasil e na França. In: Cadernos do CEAS, v. 242, p. 558-581, 2017.
44 Gramsci define ideologia como sistema de ideias de um determinado sujeito coletivo ou grupo que não é
imediatamente político, mas representativa de visão ou concepção do mundo concebida em sentido mais amplo
(LIGUORI, Guido; VOZA, Pasquale. Dicionário Gra msciano, São Paulo, Boitempo, 2017, pp. 399-401).
RDRST, Brasília, Volume IV, n. 03, 2018, p 192-209, Set-Dez/2018
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neutralidade e elege, como tal, expressões e razões que pareçam neutras aos destinatários do
discurso.
Ao eleger a expressão “modernização” como justificativa, os defensores dessa posição
colocam o moderno”, no sentido de novo ou atual5, como um caminho único, linear e
inexorável, em relação ao qual poderíamos tão somente marchar à frente, parar ou recuar, sem
jamais encontrarmos bifurcações que impliquem escolhas políticas, a serem travadas na esfera
pública e margeadas pelos compromissos constitucionais que outrora assumimos.
Sintoma da razão neoliberal6, a defesa do padrão flexibilizador do direito do trabalho se
faz apontando “o novo” como algo inexorável, que está fora do nosso controle, algo
exclusivamente determinado pelas dinâmicas intangíveis do mercado, às quais nos resta
acompanhar, sob pena de resvalarmos no caminho do subdesenvolvimento, da queda das ações
na bolsa de valores, do desemprego, da inflação, etc.
É um argumento que se constrói nos convencendo da desnecessidade de se convencer
do argumento, porque nos conclama, a todo momento, ao conformismo em relação a uma
sentença: não há alternativa7.
Contrapondo toda perspectiva que pressuponha a linearidade dos percursos históricos,
esse ensaio busca dialogar com a demanda pelo novo. Sim, as relações de trabalho se
transformaram nos últimos 70 anos e, por isso, a CLT, editada em 1943, embora tenha sido
reiteradamente reformada, como bem aponta Jorge Luís Souto Maior8, contém anacronismos
que precisariam ser suprimidos e/ou atualizados.
Entretanto, diante da necessidade de enfrentar o novo e contemplá-lo numa determinada
ordem jurídica, as possibilidades abertas são muitas: elas decorrem da necessidade de enfrentar
novos contextos produtivos e seus impactos, novas tecnologias e suas incompatibilidades com
o modelo de regulação, novas figuras jurídicas, entre outras novidades, tal como podem ser
absorvidas pelo paradigma constitucional vigente.
5 De acordo com o dicionário Houaiss, modernizar quer dizer “tornar moderno, acompanhando as tendências do
mundo atual”, se situar historicamente entre a Idade Média e a Revolução Francesa (em alusão ao período histórico
estabelecido como modernidade), ou, ainda, contrapor-se às ideias de gasto ou retrógrado. (HOUAISS, Antonio;
VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houa iss da Língua Por tuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001).
6 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo:
Boitempo, 2016.
7 “There’s no alternative” era o slogan de campanha de Margareth Thatcher, que representou a matriz neoliberal
no Reino Unido.
8 SOUTO MAIOR, Jorge Luís. “A CLT é velha”, publicado em 27/3/2017 no blog pessoal do autor. Disponível
em: http://www.jorgesoutomaior.com/blog/i-a-clt-e-velha. Acesso em 29/4/2018, 18h12.

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