Modernity, Postmodernity and Emancipation in the Perspective of the Ethics of Alterity/Modernidade, Pos-Modernidade e Emancipacao na Perspectiva da Etica da Alteridade.

AutorCunha, Jose Ricardo
CargoTexto en portugues - Ensayo

I) Introducao

Segundo Sergio Paulo Rouanet, os ingredientes principais do projeto civilizatorio da modernidade sao os conceitos de universalidade, individualidade e autonomia:

A universalidade significa que ele visa todos os seres humanos, independentemente de barreiras nacionais, etnicas ou culturais. A individualidade significa que esses seres humanos sao pensados como pessoas concretas e nao como integrantes de uma coletividade e que se atribui valor etico positivo a sua crescente individualizacao. A autonomia significa que esses seres humanos individualizados sao aptos a pensarem por si mesmos, sem a tutela da religiao ou da ideologia, a agirem no espaco publico e a adquirirem pelo seu trabalho os bens e servico necessarios a sobrevivencia material. (1) Entretanto, como reconhece o proprio autor, este projeto encontra-se em verdadeiro apuro. A universalidade cedeu lugar para particularismos de todas as ordens, que, muitas vezes, explodem em manifestacoes de intolerancia e violencia, ou mesmo em profundos conflitos etnicos e culturais decorrentes de diferentes tipos de essencialismos. (2) A Individualidade degenerou sob a forma de hiperindividualismo, onde nao ha respeito ou solidariedade e a figura do outro aparece como indiferente, no caso da massificacao, ou como ameaca, no caso da competicao. E, finalmente, a autonomia parece ser a dimensao mais comprometida, seja por totalitarismos de estado, seja pelo totalitarismo do capital e dos mercados. (3)

A par dessa crise, ou como consequencia dela, o projeto de modernidade tambem vive serios problemas com alguns de seus fundamentos juridico-politicos mais importantes, tais como o conceito de soberania. E o caso da incontornavel tensao entre o Estado-nacao e os diferentes modos de globalizacao, na medida em que esta desenvolve um processo onde certa condicao ou instituicao consegue estender sua influencia por todo o globo (4), produzindo padroes de regulacao economica, administrativa e juridica que transcendem o poder de controle do estado nacional, colocando em questao o modelo de legitimidade/soberania sobre o qual se ergueu o pensamento moderno desde a Paz de Vestfalia.

Diante desse novo momento, aonde as descontinuidades vao se produzindo mais rapidamente do que as normatizacoes, fica em xeque o proprio projeto civilizatorio da modernidade. Neste debate, e possivel delimitar, ao menos, tres campos conceituais: (1) existem aqueles que reconhecem certa crise civilizatoria, mas continuam apostando nas categorias modernas como forma de superacao desta crise (p. ex. Habermas); (2) outros analisam as debilidades e fragilidades do projeto moderno, mas nao diagnosticam nenhuma ruptura ou novo periodo civilizatorio, limitando-se a critica (p. ex. Weber e Foucault); (3) por fim, ha aqueles que apontam a crise da modernidade como a sua propria superacao, admitindo o inicio de um novo momento historico marcado por novas formas de socializacao, expressao e conhecimento (p. ex. Maffesoli e Boaventura Santos). E em meio a este polemico debate que surgem expressoes como pos-modernidade ou transmodernidade, embora nao haja um consenso em torno de um sentido unico para tais expressoes.

Nesse turbulento contexto do projeto civilizatorio moderno, permanece a questao fulcral: como pensar a emancipacao das pessoas num contexto de crise dos ideais de universalidade, individualidade e autonomia? A questao ganha tons dramaticos quando se considera a urgencia daqueles que vivem diferentes formas de violencia resultantes de injusticas sociais, seja por privacoes materiais graves, seja por opressoes decorrentes de hierarquias de identidades que geram preconceitos e discriminacoes.

II) O Discurso Forte da Modernidade

Embora nao seja pouco comum o recurso ao conceito de modernidade para explicar ou mesmo adjetivar certas situacoes ou fenomenos, ainda nao existe um consenso quanto ao significado da palavra. De um ponto de vista mais academico, ha muita diversidade quanto a definicao do que seja moderno ou modernidade, sem embargo de certos elementos de analise que sao comuns ao tema. De um ponto de vista do senso comum, o moderno se liga a ideia de "modernizacao" (modernizar ou modernizado) que, por sua vez, se liga a ideia de eficiencia, traduzindo uma intuicao de que o moderno ou modernizado e melhor do que aquilo que lhe antecedia. E assim, por exemplo, quando se fala em modernizar o estado ou modernizar uma empresa. Passa-se a ideia de que o estado tera uma administracao mais eficiente e a empresa uma producao mais eficiente. Por si so, isso ja oferece uma nocao da forca ideologica do conceito de modernidade.

Buscando marcos para delimitar o periodo moderno, a historiografia costuma apontar alguns acontecimentos historicos considerados como verdadeiras balizas. Os fatos mais citados sao a Reforma Protestante, a Revolucao Industrial e a Revolucao Francesa. Uma reforma e duas revolucoes, conforme os nomes ja consagrados, evidenciam que a modernidade surge de uma profunda vocacao para a ruptura e a mudanca. A Reforma Protestante rompe com o tradicional monopolio da Igreja Catolica na formulacao da doutrina crista e institui uma nova relacao entre os homens e Deus, manifestando a implicacao teologica da modernidade. A Revolucao Industrial rompe com a base produtiva do feudalismo e institui uma nova relacao entre producao e comercio, manifestando a implicacao economica da modernidade. A Revolucao Francesa rompe com a estrutura estamental do Ancien Regime e institui uma nova relacao entre estado e sociedade civil, manifestando a implicacao politica da modernidade. Portanto, falar de modernidade e falar tambem, e a um so tempo, de teologia, economia e politica, como conceitos que lhe sao correlatos e fundamentais. No entanto, Hannah Arendt ao falar da era moderna aponta outros dois fatos que considera determinantes: a descoberta da America e a invencao do telescopio. (5) O primeiro encarna, em teoria, aquele otimismo cultural proprio da modernidade, agora desnudado sob a forma de um violento eurocentrismo que buscou subjugar o Novo Mundo imaginando poder reconstruir o paraiso terreno sem cometer os mesmos erros ja praticados no Velho Mundo. Entre o sonho de Colombo e a realidade da colonizacao/invasao, muitas vidas se perderam no que talvez tenha sido o maior genocidio da humanidade. O outro fato apontado por Hannah Arendt, a invencao do telescopio, e sim o icone maior e principal fundamento da modernidade.

Evidentemente, nao se trata da invencao do telescopio isoladamente (6), mas do seu desenvolvimento por Galileu Galilei e de todas as grandes transformacoes que se sucederam a partir dai. Dessa maneira o telescopio pode ser tomado como a grande metafora do pensamento que realmente revolucionou a tessitura ontologica da Idade Media provocando sua descontinuidade: a ciencia. Para compreender melhor a questao, voltemos a Galileu e ao telescopio. E sabido que este cientista sofreu duro processo eclesiastico por parte da Inquisicao, chegando inclusive a ser preso, e acabou se retratando de suas afirmacoes contrarias ao pensamento escolastico dominante. Contudo, as linhas basicas de suas teorias se sustentavam na defesa da astronomia de Copernico que, anteriormente, ja havia negado o geocentrismo. Entao, por que tanta dureza no tratamento com Galileu se o que ele afirmava (heliocentrismo x geocentrismo) ja nao era assim tao original? Porque coube a ele nao apenas falar, mas tambem provar suas teorias por intermedio do Telescopio. A partir de Galileu, o procedimento cientifico padrao passou a combinar uma linguagem matematica, mais exata e precisa, com experimentos capazes de demonstrar empiricamente suas teorias. Com efeito, houve um radical deslocamento do lugar da verdade, que deixou de ser a religiao para se instalar na ciencia. Dito de outra maneira, a verdade saiu da revelacao e foi para a razao, encarnada, sobretudo, no metodo e na retorica da ciencia moderna. (7)

Portanto, se a ideia de modernidade esta ligada as novas compreensoes em torno de conceitos teologicos, politicos e economicos, e na categoria de ciencia/tecnologia que ela encontra seu mais alto padrao de definicao, representacao ou expressao. Evidentemente, toda essa euforia epistemologica so foi possivel gracas as sucessivas rupturas que vao se produzindo, sobretudo a partir do seculo XVI, onde o humanismo renascentista gera uma nova crenca na importancia e na centralidade do ser humano. Se o proprio mundo nao e mais visto como um cosmo fechado, mas como um universo infinito, entao o centro pode estar em qualquer lugar, inclusive em cada individuo. Em todas as areas do conhecimento--economia, politica, artes, medicina, geografia--o homem passa a ser reconhecido como um protagonista que vai, paulatinamente, saindo da condicao de "estar sujeito a" para situar-se na condicao de "ser sujeito de". Na verdade, trata-se do proprio conceito de sujeito que e reinventado para designar aquele que pratica a acao. Pratica a acao porque controla a acao, controla os fenomenos sociais e, inclusive, os naturais. Tudo isso e possivel porque o homem se destaca nao apenas como ser animal, mas, sobretudo, como ser racional. E na racionalidade que reside o poder do sujeito que, uma vez "esclarecido" pode se libertar de todas as amarras obscurantistas. Trata-se do proprio credo Iluminista, tao bem exposto por Kant:

A ilustracao e a saida do homem de sua menoridade, da qual ele e o proprio responsavel. A menoridade e a incapacidade de fazer uso do entendimento sem a conducao de um outro. O homem e o proprio culpado dessa menoridade quando sua causa reside nao na falta de entendimento, mas na falta de resolucao e coragem para usa-lo sem a conducao de um outro. Sapere aude! 'Tenha coragem de usar seu proprio entendimento'--esse e o lema da ilustracao. (8) Com o poder da razao, o sujeito passa a ser entendido como aquele que pode conhecer e controlar a realidade mesma. A razao possibilita o calculo e o discernimento, tornando o...

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