A modernidade dos pós-modernos: sobre a poesia alemã dos anos 90

AutorHelmut Paul Erich Galle
Páginas109-130
A MODERNIDADE DOS PÓS-MODERNOS. SOBRE A POESIA ALEMÃ
DOS ANOS 90.
Helmut Galle
I. Uma volta da linguagem lírica
No ano de 1989 Hans Magnus Enzensberger, um dos eminentes poetas vivos de
expressão alemã, publicou um ensaio no qual a lírica da época precedente dos anos 70 e
80 foi censurada de maneira sarcástica por ser esteticamente epigonal e tematicamente
trivial. Quem hoje em dia folheia as antologias daquele tempo, como o fez
Enzensberger, não achará exagerado o juízo dele, diante de exemplos abundantes de
crítica social em versos e de auto-reflexão sentimental. Sem dúvida havia também uma
poesia que cumpriu rígidos parâmetros formais, seguindo linhas da tradição mais
antigas, mas geralmente foi criada por autores que encontraram o seu tom particular nas
décadas anteriores, autores como Karl Krolow, Ilse Aichinger, Ernst Jandl, Friederike
Mayröcker, Peter Rühmkorff, Volker Braun, Sarah Kirsch, Oskar Pastior ou o próprio
Enzensberger. A corrente principal da produção então jovem era não só prosaica, mas
até carente de critérios literários. Parece que essa realidade mudou, porque vários
indicadores atestam para os anos 90 uma produção lírica que foi elogiada pela crítica
profissional e até festejada por um pequeno grupo de aficionados. Exatamente 10 anos
depois da crítica de Enzensberger a renomada revista cultural Merkur dedicou um
dossiê especial para o seu número 600, exclusivamente à poesia, elegendo um terço dos
poemas da geração dos autores nascidos após 1950. Não me parece uma casualidade
que a renascença da poesia se realize na década de 90, depois da unificação, que marca
também o fim da guerra fria. 1 Uma novidade nessa poesia dos noventa é que a
mudança do estilo coincide com um novo tipo de recepção. Embora a criação da poesia
permaneça um assunto secundário e a recepção ainda mais (Enzensberger menciona
uma constante estatística de 1354 leitores, a “constante de Enzensberger” que, por
razões inexplicáveis, mantém-se em todos os tempos e todos os países, independente do

1 Joachim Sartorius não identifica a queda do Muro com a cesura; ele propõe um período mais longo de
transição, entre meados dos anos oitenta aos noventa. Sartorius 1998, 122.
109
número dos habitantes) 2, é surpreendente que alguns autores consigam ultrapassar os
limites do evento literário, aproximando-se de concertos de rock’n roll e dessa maneira
ampliam inclusive as vendas das suas obras impressas. A poesia, pois, não é uma
espécie ameaçada de extinção, particularmente considerando-se o fato de que a
produção é mais viva que nunca: uma antologia de poemas sobre o fim do século
oferece mais de 150 autores atuais de língua alemã (que nem sequer contém os nomes
de vários dos mais destacados) e um concurso de poesia no ano de 1989 recebeu 857
envios; para explicar esses resultados, nem sequer é preciso pensar no apoio estatal à
cultura que na Alemanha distribui prêmios com uma cornucópia bem cheia. 3
Eu vou tentar demonstrar em detalhe o novo tom que se ouve nos poemas dos 90
em alguns exemplos, limitando-me a autores que nasceram depois de 1950. A seleção é
sem dúvida bem subjetiva, embora todos os poetas tratados possuam publicações em
livros autônomos por editoras reconhecidas, foram honrados por prêmios e elogiados
pela crítica. Infelizmente só inclui uma mulher, é fato que os homens dominam esse
campo e estão mais presentes aqui no Brasil nos recursos bibliográficos — algo que não
acontece tanto na prosa narrativa. 4 Os poetas tratados estão representados pelo menos
por um texto em original e tradução (um tanto provisória e imperfeita) no handout
(anexo).
II. Modernidade
Parece-me razoável aproximar-me do objeto aqui tratado sob a perspectiva de
sua modernidade, sendo uma das fraquezas notáveis da poesia anterior, conforme
reclama Enzensberger, a falta de consciência formal, a indiferença em relação às
tradições do século XX. 5 Pode-se relacionar esse fato à democratização e
popularização do conceito de cultura em geral, começando nos anos 60 e abrindo a
linguagem lírica para a vida cotidiana e à declaração política de uma maneira antes
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2 Enzensberger 1999, 184.
3 Dumont Handbuch: Número de prêmios?
4 Nota-se que nas listas de nomes que enumeram poetas representativos das geração pós-cinqüenta se
repetem sempre certos homens (em geral, Grünbein, Kling, Schrott, Beyer) mas aparece sempre só uma
mulher diferente (às vezes, B. Köhler, às vezes K. Hensel ou B. Oleschinski). É lícito suspeitar que, por
motivos da political correctness, acrescenta-se uma ““mulher-álibi”“ aos nomes indiscutíveis. Por outro
lado, os cânones da lírica do século XX em geral contêm algumas poetas perfeitamente indubitáveis,
como por exemplo Else Lasker-Schüler, Nelly Sachs e Ingeborg Bachmann. Veja as seleções do Merkur e
de Poetry.
5 Sua avaliação foi compartida por Drews e Hartung ainda 10 anos depois, veja Merkur, 1999.
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