Memória e modernidade: Notas para refletir sobre memória e museus de um ponto de vista sociológico

AutorSabrina Parracho Sant'Anna
CargoUniversidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
Páginas373-389
P A N Ó P T I C A
Panóptica, Vitória, vol. 7, n. 2 (n. 24), 2012
ISSN 1980-775
MEMÓRIA E MODERNIDADE: NOTAS PARA REFLETIR SOBRE
MEMÓRIA E MUSEUS DE UM PONTO DE VISTA SOCIOLÓGICO
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
1. INTRODUÇÃO
Em 1977, a convite do Ministério de Assuntos Exteriores Francês, Roberto Rosselline
filmou a inauguração do Centro Georges Pompidou. A primeira tomada do filme
apresentava Paris em vista aérea. A câmera se aproximava do Beaubourg para retratar o
novíssimo centro cultural, ainda em obras. A panorâmica da obra monumental se colocava
como ante-sala de uma sucessão de imagens quase-documentais que iriam apresentar o novo
projeto arquitetônico de Renzo Piano e Richard Rogers e, sobretudo, exibir o conceito de
centro difusor de cultura que iria marcar a expansão dos espaços exibitórios no resto do
mundo, a partir dos anos seguintes.
O cineasta do neorrealismo fora convidado como o grande nome do cinema mundial para
documentar o espetáculo de Georges Pompidou, em Paris. Em lugar do vídeo-homenagem
que era de se esperar, o filme, sem música nem comentários, apresentava um olhar irônico
sobre as mudanças no espaço expositivo, antevendo questões que iriam aparecer nas
discussões bibliográficas sobre museus, memória e exposições nas três décadas seguintes. O
registro apresentava, ora a abertura do museu ao grande público, questão que seria
amplamente tratada nas discussões sobre cultura de massas (Huyssen, 1997; Crimp, 2005);
ora a reação dos visitantes acostumados com os templos da alta cultura, tema que apareceria
mais tarde em trabalhos sobre espaços expositivos como lugares de culto da memória
ocidental, nacional ou burguesa (Nora, 1986; Bennet, 1995).
Com efeito, a partir das décadas de 1960 e 1970, alguma coisa parecia mudar na maneira de
conceber as instituições museicas. Não apenas em âmbito nacional, mas num movimento em
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que as organizações internacionais desempenhavam papel fundamental, uma nova
concepção de difusão de cultura passaria a dominar os discursos institucionais. Realizado em
Tóquio em 1960, o Seminário The museum as a cultural centre in the development of the community
parece ser a primeira referência na UNESCO ao novo papel a ser atribuído aos espaços
expositivos (Griffing, 1963: 4-5). A partir do seminário, o conceito de museu parece passar
por uma clara transformação e, a partir de 1970, a expressão centro cultural passava a ser mais
claramente usada na revista Museum como novo modelo de instituição exibitória.
Dezoito anos mais tarde, também a Museum publicaria com grande destaque a criação do
Centro Georges Pompidou em Paris. Reunindo num só espaço as salas exibitórias de artes
plásticas, biblioteca e espaços para performances, a instituição deslocaria a tradicional
centralidade conferida aos museus de arte e se imporia como novo modelo de instituição de
cultura, visando, antes de mais nada, estabelecer uma relação de absoluta proximidade com
seu público. O desejo de fundar uma instituição para as massas se expressava não só no
projeto de Renzo Piano com sua fachada monumental e sua sinalização em neon colorido,
mas também no pronunciamento do, então, presidente Georges Pompidou:
Eu desejo ardentemente que Paris possua um centro cultural que seja ao mesmo tempo
museu e centro de criação, onde as artes plásticas se avizinhem da música, do cinema,
dos livros, da pesquisa audiovisual. O museu não pode ser senão moderno, uma vez
que temos o Louvre. (Pompidou apud. Fradier, 1978: 77)
O desejo de ruptura com o museu torre de marfim se fazia evidente. Era preciso atrair o
público e romper com a autonomia da arte que a tornava de mais a mais elitista. Se a arte de
vanguarda, ao aproximar-se da vida – e, portanto, do público –, procurava denunciar o
discurso da “arte pela arte” e subverter o sentido da arte burguesa, acionando o mecanismo
da indústria cultural (Bürger, 2008), o paradigma lançado a partir do Beaubourg parece
refazer o percurso da arte moderna e, ao aproximar arte e vida, construir uma sociedade do
espetáculo. Com efeito, a partir de fins dos anos 1970, o discurso das vanguardas passava a
ditar as cartas também no interior dos museus.
Diretor fundador do Centro Georges Pompidou, Pontus Hultén constitui peça chave na
mudança de paradigma que passaria a ordenar as estratégias das instituições museais e
transformar os conservadores de museus em curadores de exposições sobretudo,

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