Mirem-se no exemplo daquelas mulheres: contracepção, dano à saúde e dispositivo da sexualidade

AutorNatalia Silveira de Carvalho
CargoMestra em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Páginas77-93
MIREM-SE NO EXEMPLO DAQUELAS MULHERES:
CONTRACEPÇÃO, DANO À SAÚDE E DISPOSITIVO DA SEXUALIDADE
LOOK AT THE EXAMPLE OF THOSE WOMEN:
CONTRACEPTION, DAMAGE TO HEALTH AND THE DEVICE OF SEXUALITY
Natalia Silveira de Carvalho
1
Artigo recebido em 10/10/2018
Aceito em 10/05/2019
RESUMO
A pílula anticoncepcional promoveu uma transformação na liberdade reprodutiva das mulheres, ao
passo que pesquisas recentes apontam sua vinculação a danos à saúde de mulheres em idade
reprodutiva. Esse artigo tem como objetivo abordar algumas questões de reparação civil nos casos de
dano à saúde de mulheres consumidoras de contraceptivo hormonal oral. Por meio de pesquisa
bibliográfica e documental, chega-se à conclusão de que o reconhecimento do dano indenizável é uma
medida de promoção da igualdade pela via do reconhecimento das diferenças e que o não
reconhecimento do dano é a faceta jurídica do dispositivo da sexualidade sobre os corpos das
mulheres.
Palavras-chave: Contracepção hormonal; Direitos reprodutivos; Igualdade; Diferença; Dispositivo da
sexualidade.
ABSTRACT
The contraceptive pill has promoted a transformation in the reproductive freedom of women, while
recent research points to its linkage to the health damage of women of reproductive age. This article
aims to address some issues of civil remedy in cases of harm to the health of women consuming oral
hormonal contraceptives. Through a bibliographical and documentary research, the conclusion is
reached that the recognition of the indemnifying damage is a measure of the promotion of equality by
means of the recognition of the differences and that the non recognition of the damage is the legal
facet of the device of sexuality on the bodies of the women.
Keywords: Hormonal contraception; Reproductive rights; Equality; Difference; Device of sexuality.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 2 FEMINISMOS E RESISTÊNCIAS: O CORPO EM QUE HABITO
3 CONTRACEPÇÃO HORMONAL E O DISPOSITIVO DA SEXUALIDADE 4
MULHERES CONSUMIDORAS DE PÍLULA ANTICONCEPCIONAL E OS CASOS
DE TROMBOSE 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS
1 Mestra em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Un iversidade Federal da Bahia
(UFBA).
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres: Contracepção, Dano à Saúde e Dispositivo da ...
Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, V. 3, n.º 1, p. 77 a 93, jan-jun, 2019 | ISSN 2595-0614 | 78
1 INTRODUÇÃO
Em meados do século XX, presenciamos o início de umas das maiores revoluções
culturais de nossos tempos: a eclosão do movimento feminista de segunda onda. Este
movimento social, centrado na ideia de que o pessoal é político (MILET, 1970) e influenciado
por outras tantas microrrevoluções sociais, apresentou às sociedades civis de diferentes países
questionamentos profundos sobre as relações sociais, em especial as relações sociais de
gênero.
Ao colocar a sexualidade feminina no centro das discussões políticas, os feminismos
até hoje se pautam na ideia de que mulheres são e devem ser tratadas como sujeitos plenos de
direitos e que esses direitos devem ser plenamente protegidos. Dito de outro modo, os estudos
de gênero, as teorias feministas e as teorias feministas do Direito chegam à conclusão de que
as mulheres são tratadas como cidadãs de segunda classe, tendo seu status de sujeito de direito
não reconhecido integralmente, sendo necessária a desnaturalização das relações sociais que
subordinam as mulheres. Dentre os direitos das mulheres pautados pelos feminismos,
destacam-se a livre escolha pela maternidade e a liberdade sexual.
Perspectiva-se a maternidade pela via da liberdade, mas não só. Para além da defesa
radical de que mulheres são pessoas e não armazenamento de material genético para produção
de seres humanos, a livre escolha pela maternidade pauta-se, também, na defesa da
integridade da saúde das mulheres. Assim, toda e qualquer mulher deve ser livre para escolher
quantos filhos deseja ter, caso deseje tê-los e quando desejar, sem que o exercício da liberdade
sobre o próprio corpo sobre seu aparato reprodutivo - implique a mitigação de outros
direitos.
Considerando, então, a via da liberdade de escolha, tão cara aos feminismos, o
planejamento familiar apresenta-se como uma política central na garantia da saúde integral
das mulheres em idade reprodutiva e da livre escolha pela maternidade, pois garante a
assistência à contracepção. No entanto, por mais que a política de planejamento familiar
ancore-se nos princípios da saúde integral e da isonomia, temos observado, no Brasil, a
persistente ofensa à saúde de mulheres que fazem uso da contracepção oral hormonal.
Há muitos casos já registrados no campo da saúde pública de problemas circulatórios
graves em decorrência do uso contínuo de anticoncepcionais hormonais orais, por mais que
esses estudos não tenham chegado, ainda, a uma posição conclusiva sobre o quão
determinantes tais medicamentos são em casos de trombose, por exemplo. Para além, há um
movimento crescente entre as mulheres pela contracepção não hormonal. A partir deste

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