Direito das Minorias Interpretado: o compromisso democrático do direito brasileiro

AutorArgemiro Cardoso Moreira Martins - Larissa Mizutani
CargoPossui graduação em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1993), mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996) e doutorado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2004). Atualmente é professor adjunto de direito público na Universidade de Brasília (UnB) - Mestranda em Direito na Universidade...
Páginas319-352
Direito das Minorias Interpretado: o compromisso
democrático do direito brasileiro
Argemiro Cardoso Moreira Martins1
Larissa Mituzani2
Resumo: A categoria minoria é utilizada no Di-
reito como reforço argumentativo para a defesa
de direitos fundamentais. Destina-se a grupos
que, historicamente marginalizados, reivindi-
cam no espaço público o reconhecimento de
suas peculiaridades e a proteção de direitos.
Essa categoria que surgiu atrelada à ideia de Es-
tado, nacionalidades e soberania, hoje, se esten-
de às demandas antes ignoradas. A interpretação
dos princípios relacionados à categoria minoria
deve, portanto, concebê-la como uma necessi-
dade de consolidação dos valores democráti-
cos da Constituição. O presente trabalho busca
identificar como a categoria minoria é articu-
lada nas decisões do Poder Judiciário. A fonte
de precedentes em que se baseia a pesquisa são
as decisões exaradas por todas as instâncias da
Justiça brasileira, julgados e publicados desde
5 de outubro de 1988 até 31 de julho de 2010.
Conclui-se que o emprego da categoria minoria
pelos magistrados persegue o ideal democrático
de aplicação do direito àqueles pertencentes a
grupos minoritários.
Palavras-chave: Direito das minorias. Demo-
cracia. Argumentação.
Abstract: The category of minority is used as
argumentative reinforcement in Law for the
defense of fundamental rights. It is destined to
groups that were historically marginalized, and
claim for public recognition of their peculiari-
ties and the protection of rights. This category,
which appeared linked to the idea of state sov-
ereignty and nationality, now is extended to
demands ignored before. The interpretation of
principles related to the minority category must
therefore be conceived as a need for consolida-
tion of constitutional democratic values. This
study aims to identify how the minority cat-
egory is articulated in decisions of the judiciary.
The source of precedents on which research is
developed are those decisions of all instances of
the Brazilian courts, tried and published since
October 5, 1988 until July 31, 2010. The con-
clusion is that the use of minority category by
the judges pursues the democratic ideal of law
enforcement to those belonging to minority
groups.
Keywords: Minority rights. Democracy. Argu-
mentation.
1 Possui graduação em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1993),
mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996) e doutorado em
Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2004). Atualmente é professor adjunto
de direito público na Universidade de Brasília (UnB). E-mail: argemartins@hotmail.com.
2 Mestranda em Direito na Universidade de Brasília. Bolsista da CAPES. E-mail:
lcmizutani@gmail.com.
Recebido em: 16/02/2011.
Revisado em: 30/03/2011.
Aprovado em: 26/08/2011.
Doi: 10.5007/2177-7055.2011v32n63p319
Direito das Minorias Interpretado: o compromisso democrático do direito brasileiro
320 Seqüência, n. 63, p. 319-352, dez. 2011
Introdução
O tema “direito das minorias” revela-se indispensável para a com-
preensão aprofundada da construção histórica da igualdade, da eficácia
no plano jurisdicional dos direitos fundamentais e das decisões proferidas
a esse respeito. A ação dos magistrados é objeto de análises diversas, dada
a importância que lhe é atribuída a partir da estrutura político-jurídica do
Estado3. Da decisão judicial, nesse sistema de poderes, destacam-se os
elementos que serviram para sua construção e para sua fundamentação
jurídica. O direito das minorias aponta, assim, à necessidade de suscitar
debates sobre como interpretar os direitos fundamentais e justificar a fun-
damentação dessas decisões.
A orientação da via interpretativa assumida pelo magistrado deve
pautar-se pelo aspecto democrático presente na Constituição, de forma
que a tarefa desse intérprete corresponda à materialização da democra-
cia, na esfera de alcance social de sua atuação. A responsabilidade que é
conferida a esse agente político refere-se, nesse sentido, à garantia dos di-
reitos das minorias por meio de suas decisões. É indispensável, portanto,
analisar precedentes e a construção argumentativa dos magistrados para
compreender como os princípios são aplicados e, a partir daí, construir
outros parâmetros possíveis, se necessário, ou destacar aqueles bem-suce-
didos que salvaguardem os direitos às minorias.
O presente artigo está dividido em três partes. A primeira delas tra-
ta do direito das minorias e sua relação com o Estado Democrático de
Direito. A interpretação do direito de grupos minoritários incita o dever
democrático do julgador, que não encontra respostas fáceis diante da
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ainda, introdutoriamente, aludir para distinguir a interpretação desenvolvida pelos
juízes (intérpretes autênticos) dos exercícios de interpretação praticados pelos demais
operadores do direito e pela doutrina. Estes últimos – operadores do direito e juristas
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atividade ( = conjunto de atos) de interpretação empreendida pelos demais operadores do
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ato privativo do intérprete autêntico”. (GRAU, 2009. p. 66-67).
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complexidade do tema. A segunda parte recupera a formação da categoria
“minoria” como conceito jurídico, e apresenta o âmbito de análise que
esse termo sugere. A categoria revela um reforço argumentativo para a
proteção de direitos fundamentais de determinados grupos, o que eviden-
cia os recursos conceituais de que se vale o Direito em busca da proteção
dos direitos fundamentais. A terceira parte trata da argumentação dos pre-
cedentes colhidos no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de
Justiça, nos Tribunais Regionais Federais e nos Tribunais de Justiça dos
Estados, publicados nos sítios eletrônicos até o mês de julho de 20104.
A prática dos colegiados demonstra, com poucas exceções, a construção
argumentativa em observância aos preceitos democráticos, em uma mu-
dança de paradigma, mais plural e menos discriminatório.
4 O material é resultado da pesquisa nos sítios eletrônicos dos referidos tribunais,
disponíveis desde a Constituição Federal de 1988 (portanto, desde a data de 5 de outubro
de 1988) até a data de 31 de julho de 2010, sendo o marco referencial limite de pesquisa.
Os critérios de busca utilizados foram estabelecidos em três etapas: i) a busca pelo critério
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fase de pesquisa – negro(s), afrodescendente(s), mulher(es), índio(s), indígena(s),
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homossexual(ais), homoafetivo(s); iii) o terceiro critério utilizado foi com base em quais
grupos a Organização das Nações Unidas determinou que eram minorias no Brasil e
que não haviam sido contempladas – judeu(s) e cigano(s). Além desses critérios, dada
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“quilombola(s)” e “quilombo”, por se tratar de um grupo minoritário reconhecido pela
Constituição Federal (artigo 68 do ADCT), tal qual o é o índio (artigos 231 e 232,
especialmente). Ressalte-se que não foram em todos os sítios que o sistema de busca
operou com resultados desde outubro de 1988, mas alguns deles possuem registros
a partir de 2002. Outra consideração a ser feita é que o critério utilizado para o crivo
das decisões que formam o conjunto material de análise baseou-se em existência de
controvérsia expressa que envolvia direitos fundamentais e discussões principiológicas
relacionadas (em especial o princípio da igualdade, da isonomia e da equidade). Outro
crivo foi descartar aquelas decisões, cuja ementa e núcleo argumentativo do voto eram
idênticas em casos semelhantes. A proposta é que o material sirva como base de dados
para exame qualitativo, e não estatístico-numérico, de decisões caracterizadas direta ou
indiretamente pelo tema minoria do período determinado.

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