País Tropical e seu mimetismo: o discurso ufanista associado a Wilson Simonal e a desinvenção tropicalista

AutorRenan Paiva Chaves
CargoEstudante de Música Popular do Departamento de Música do Instituto de Artes da UNICAMP
Páginas293-311
Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, Volume 44, Número 2, p. 293-311, Outubro de 2010
País Tropical e seu mimetismo: o discurso ufanista asso-
ciado a Wilson Simonal e a desinvenção tropicalista*
Renan Paiva Chaves1
Universidade de Campinas
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* País Tropical and its mimetism: the patriotic discourse of Wilson Simonal and the tropicalist desinvention
1 Estudante de Música Popular do Departamento de Música do Instituto de Artes da UNICAMP.
Endereço para correspondências: Rua Olyntho de Barros, 104, Bairro Residencial Burato, Campi-
nas, SP, 13084-320 (piratarix@gmail.com).
Tendo-se como premissa a salien-
te capacidade mimética que têm as can-
ções de Jorge Ben Jor, é analisada nes-
se artigo a música País Tropical, de
sua autoria, em duas distintas versões,
a de Wilson Simonal e a da Tropicália,
ambas de 1969, sob as quais busca-se
verificar como ocorre o processo de re-
formulação do discurso, ufanista no pri-
meiro e alegorizador do nacionalismo e
dos produtos da indústria cultural no
segundo. É notado, sobretudo, um tra-
jeto de ressignificação que ultrapassa
os limites da simples variabilidade in-
terpretativa, inerente a qualquer objeto
de análise, e que se caracteriza espe-
cialmente pela autenticidade com que
a canção é transformada para o, e não
apenas pelo, contexto.
Palavras-chave: Jorge Ben Jor –
Música – Tropicália – Wilson Simonal
Assuming the salient mimetic
capacity of Jorge Ben Jor songs, this
article analyzes one of his music:
País Tropical. Two different versions
are studied, one of Wilson Simonal
and the other one of Tropicalism, both
of 1969, aiming at verifying the spe-
ech redraft process, patriotic in the
first one and allegorizer of the natio-
nalism and the products of cultural
industry in the second one. It is re-
markable, over all, a path of rede-
finition exceeding the simple inter-
pretative variability, inherent to any
object of analysis, but especially cha-
racterized by the authentic way the
song is transformed to, and not just
by, the context.
Keywords: Jorge Ben Jor – Music –
Tropicalia – Wilson Simonal.
O artista trans-histórico e o mote
Jorge Ben Jor, apesar do swing samba-jazz, do breve contato com a Bossa-
Nova, da aproximação à Jovem Guarda e do namoro com a Tropicália na
década de 1960, sempre esteve, ao menos parcialmente, à margem dos movi-
mentos musicais brasileiros (NASCIMENTO, 2005). Sua trajetória é marcada
pela busca incessante de uma sonoridade única e indissociável de sua figura,
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de caráter híbrido e original, influenciada enormemente pelas histórias em qua-
drinhos, das quais se aproveita dos mitos, das articulações entre a linguagem
gráfica e verbal e da seqüencialidade temporal e também influenciada pelo
futebol, a inspiração para a artimanha e malabarismo enquanto cancionista, de
juntar texto e melodia (TATIT, 2002).
Jorge é, na definição concisa de Caetano Veloso (1997), um homem que
habita um país utópico trans-histórico, idéia que elucida a facilidade com que
transita e é aceito por diferentes movimentos e tendências musicais. Estenden-
do-se essa visão do artista a suas composições, pode-se inferir sobre a trans-
versalidade que suas criações operam ao longo das várias épocas históricas e
sobre as diferentes definições que uma mesma configuração discursiva ganha
segundo os contextos em que aparece (LOPES, 1999). O que estaria em con-
formidade com a quantidade de artistas de diferentes seguimentos musicais,
tanto em âmbitos mercadológicos quanto estéticos e políticos, que regravam
suas canções: emblematicamente a música Mas Que Nada (1963), que alcan-
çou, na interpretação de Sérgio Mendes, o topo da lista das canções mais toca-
das nos Estados Unidos de acordo com o ranking da BillBoard, e que foi
gravada por Elza Soares, Milton Nascimento, Luiz Eça, Bebeto, Paulinho No-
gueira, Elis Regina, Leila Pinheiro, Maria Creuza, Tania Maria, Leo Gandel-
man, Nuno Mindelis, Ella Fitzgerald, Dizzie Gilespie, Julio Iglesias, Al Jarreau,
Trini Lopez, José Feliciano, Fred Bongusto, Mina e Nicoletta.
Os sentidos diacrônicos, e mesmo os derivados dos elementos peculiares
de cada arranjo e intérprete nas diversas regravações de composições de Jor-
ge, podem ser frutos de sua capacidade mimética2 enquanto compositor. Capa-
cidade que possivelmente está imbricada ao contexto de conturbação política e
estética do início de sua carreira. Do qual soube, concomitantemente, partici-
par e permanecer à margem sem rotulações, quando desejado: permeou a bi-
polarização ideológica da música popular brasileira dos anos 1960, protagoniza-
da pelos participantes da Jovem Guarda e pelos compositores da Canção de
Protesto; com o hibridismo das influências, metaforizado pelo violão e pela
guitarra elétrica, conseguiu se posicionar entre o intimismo bossa-novista e a
estridência tropicalista.
Partindo-se dessa premissa sobre a capacidade mimética das canções de
Jorge Ben e com a finalidade de entender como ocorre o processo de reformu-
lação discursiva, será feita a análise da versão de País Tropical gravada por
Gal Costa (1969), na qual o discurso ufanista associado à gravação de Wilson
Simonal (1969), cantor popularesco em vias de um comercialismo vulgar (VE-
LOSO, 1997), é mimetizado pelo discurso tropicalista, marcadamente alegori-
zador do nacionalismo e dos produtos da indústria cultural (FAVARETTO, 2000).
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2 Entenda capacidade mimética como a potencialidade de se ajustar a novas situações, em um sentido
mais atrelado a mimetismo (que remete a adaptação) do que a mimese (que remete a imitação).

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