Militares anistiados e sua distinção: a supressão de direitos decorrente da interpretação e tratamento conferido pelo ministério da defesa

AutorDavid Barbosa de Oliveira
CargoDoutor em Direito pela UFPE. Professor Adjunto I UFC
Páginas221-239
Revista DIREITO E JUSTIÇA Reflexões Sociojurídicas Ano XVII Nº 28 p 221-240 maio 2017
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MILITARES ANISTIADOS E SUA DISTINÇÃO:
A SUPRESSÃO DE DIREITOS DECORRENTE DA INTERPRETAÇÃO E
TRATAMENTO CONFERIDO PELO MINISTÉRIO DA DEFESA
MILITARY STAFF AMNESTIED AND THEIR DISTINCTION:
THE SUPPRESSION OF RIGHTS FROM THE INTERPRETATION AND
TREATMENT BY THE MINISTRY OF DEFENSE
David Barbosa de Oliveira
1
Sumário: Considerações iniciais. 1 Abertura política controlada e
seus reflexos sobre o militar anistiado. 2 O discurso da diferença entre os
militares realizada pelo Ministério da Defesa. Considerações finais.
Referências.
Resumo: Esse artigo almeja perceber as representações sobre
anistia, assim como as disputas de poder e de sentido dos que militam na
questão. Objetivamos com ele trazer a lume o tratamento diferenciado recebido
pelos militares anistiados do Ministério da Defesa. O Ministério da Defesa
interpreta que os militares anistiados devem se submeter a um regime jurídico
específico e finda por suprimir direitos destes. Assim, utilizando pesquisa
documental e metodologia eminentemente bibliográfica, buscamos expor como
é construído, dentro do Estado, esse discurso, demonstrando a construção da
distinção que suprime direitos, a dignidade dos anistiados e, por que não dizer,
o próprio sentido da anistia.
Palavras-chave: Militar. Supressão de direitos. Anistia.
Abstract: This article aims to perceive the representations about
amnesty, as well as the disputes of power and sense of those who plead for the
matter. We aim to enlighten the differentiated treatment received by th e
military staff amnestied from the Ministry of Defense. The Ministry of Defense
interprets that the military staff amnestied must submit to a specific legal
regime which ends by suppressing their rights. Thus, it is used documentary
research and an eminently bibliographical methodology, we seek to show how
this discourse is constructed within the State, by demonstrating the
construction of the distinction that suppresses rights, the dignity of those who
were amnestied and, why not say, the very meaning of amnesty.
Keywords: Military. Rights suppression. Amnesty.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este texto é fruto de minha tese de doutorado, que tratou da disputa pelo
sentido da anistia militar dentro e fora do Estado. Afora o que será posto nestas
páginas, preocupamo-nos, na tese, e m fazer constar o contexto histórico tanto da Lei
de Anistia de 1979, ou seja, a ditadura militar, quanto à produção pelo regime de
exceção de Leis extravagantes que suspenderam o ordenamento e criaram os
“subversivos”. Analisamos ainda a disputa legislativa na produção do texto
anistiante, bem como a interfer ência militar n a aprovação do texto das anistias que
1 Doutor em Direito pela UFPE. Professor Adjunto I UFC. E-mail: dvdbarol@gmail.com
Revista DIREITO E JUSTIÇA Reflexões Sociojurídicas Ano XVII Nº 28 p 221-240 maio 2017
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restaram sob sua influência, inclusive o da constituinte. Há também a análise do
sentido de anistia construída pelos militares anistiados e pelos defensores do golpe
civil-militar, be m como a prática, dentro do Estado, do discurso de ampliação dos
direitos dos militares anistiados.
O trecho que destacamos para participar d esta coletânea, contudo, refere-se
ao tratamento diferenciado dispensado aos militares anistiados pelo Ministério da
Defesa, vedando sua progressão ao oficialato e denega ndo direitos destes ao os
retirar do Estatuto Militar. Além da explicação do direcionamento ideológico dos
textos pelo Ministério da Defesa, via Consultoria Jurídica (CONJUR), da Advocacia
Geral da União (AGU), a fim de distingui -los dos demais militares, buscaremos apor
a representação dos militares anistiados ante esse discrímen, assim suas estratégias
para alterar suas realidades sociais.
Metodologicamente, a tese se apoiou na análise de discurso, pelo viés da
Análise de Discurso Crítica (ADC) de Norman Fairclough, contudo, nesse enxerto,
utilizamos tão somente pesquisa documental e bib liográfica, buscando pôr em
destaque o direcionamento ideológico dos textos. O cor pus da pesquisa se
consubstancia através de processos jurídicos e pareceres ministeriais.
Importa, por fim, dizer que esta pesquisa supre uma lacuna considerável na
bibliografia nacional. Não há estudos, no campo jurídico, que trate m da anistia d e
militares, tampouco do tratamento diferenciado dispensado a esses pelo Ministério
da Defesa. Ante isso, renova-se a importância do presente texto e de s uas reflexões
sobre as práticas discursivas, dentro e fora, do Estado na realização da justiça
transicional brasileira.
1 ABERTURA POLÍTICA CONTROLADA E SEUS REFLEXOS SOBRE O
MILITAR ANISTIADO
Ernesto Geisel, ex-presidente da Petrobrás, sucedendo Emílio Garrastazu
Médici na Presidência da República, em 197 4, prometeu uma distensão política
lenta, segura e gradual. Segundo Teixeira, “Geisel, ao contrário da maioria de seus
colegas, desde muito havia compreendido que a Ditadura Militar estava se exaurindo
e, com isto, a unidade das Forças Armadas, pilastra fundamental para que o estopim
do movimento em 1964 viesse à tona” (2001, p. 99). Além disso, Geisel, como
Castello, além de ver a ditadura militar como uma in tervenção temporária na
sociedade brasileira, não tinha interesse na vinculação da imagem do s militares com
atos ambiciosos que prevalecessem sobre as obrigações da carreira militar, ou
mesmo aos atos de tortura, possuindo uma visão mais profissional da carreira
militar. Com Geisel, estabelece-se um maior diálogo com a oposição , mas esse
diálogo não seria travado em condições de igualdade de forças, já que a oposição
possuía um papel secundário no sistema autoritário. Conforme Teixeira afirma,
Geisel inicia a distensão do sistema sem “abdicar, em nenhum instante, das
prerrogativas a que tinha direito, tais como AI-5 e a Lei de Segurança Nacional”
(2001, p . 101). Destarte, os militares controlariam a transição, o que repercutiu na

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