A Dinâmica Processual dos Embargos do Devedor na Justiça do Trabalho

AutorFrancisco Ferreira Jorge Neto - Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante
CargoDesembargador Federal do Trabalho (TRT da 2a. Região). Professor do curso de pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito - Professor da Faculdade de Direito Mackenzie. Mestre em Direito Político e Econômico (Universidade Presbiteriana Mackenzie)
Páginas12-24

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1. Fundamento jurídico

No processo do trabalho, os embargos do devedor têm previsão no art. 884 da CLT. A sistemática trabalhista tem que ser completada pelo CPC (art. 475-L, arts. 736 e segs.).

2. Cabimento

No processo civil, os embargos do devedor são considerados uma ação de conhecimento que se instaura como ação incidental e autônoma em relação à execução, por intermédio da qual o executado impugna a pretensão do exequente e a validade da relação processual executiva1

A função dos embargos é propiciar ao devedor o exercício do direito de defesa. Assim, dá ensejo a nova relação processual, a um novo processo, no qual o devedor, ao defender-se, propõe uma nova demanda em face do credor, obje-tivando: (a) a discussão do crédito

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pretendido pelo exequente; (b) a desconstituição do título executivo; (c) a correção dos defeitos do processo de execução.

No processo civil, a Lei 11.232/05, ao dispor a respeito do cumprimento de sentença para as obrigações por quantia certa e as disciplinadas pelos arts. 461 e 461-A, estabeleceu no art. 475-L do CPC o instituto da impugnação.

A impugnação ao cumprimento da decisão não tem, por regra, o efeito suspensivo, o que é possível somente em casos excepcionais (art. 475-M). A impugnação à execução não se confunde com os embargos à execução.

Para alguns doutrinadores, a impugnação não é uma ação do devedor contra o credor. Não se trata de um processo incidente ou de uma ação incidente. A impugnação é uma modalidade de defesa em que o devedor reage à tutela jurisdicional do direito exercida pelo credor, sendo processada nos próprios autos em que dá a fase de execução.2

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart afirmam: "Pela mesma razão, é inconcebível imaginar que o executado, ao se defender da execução, propõe a ação, pretendendo tutela jurisdicional de direito. Quando a ação passa à fase de execução, ao apresentar impugnação, obviamente não exerce pretensão à tutela jurisdicional do direito, limitando-se a negar a tutela jurisdicional do direito almejada pelo autor. Portanto, a impugnação tem nítido ca-ráter de defesa, de reação à tutela jurisdicional, pretendida através da ação. Na realidade, embora a natureza da impugnação constitua mera decorrência do significado contemporâneo de direito de ação, ela é reafirmada pela própria letra do art. 475-J, § Io, que diz que 'do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado (...) podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias'. Quem dá ao executado oportunidade para, querendo, apresentar impugnação certamente lhe dá oportunidade para se defender no próprio processo de execução."

Alexandre Freitas Câmara esclarece: "A Lei n° 11.232/05 criou, no sistema processual brasileiro, um novo mecanismo de defesa do executado, cuja utilização é adequada quando a execução for fundada em título executivo judicial (ressalvados, apenas, os casos da execução contra a Fazenda Pública e da insolvência civil, quando permanece cabível o oferecimento de embargos do executado. A im-pugnação é mero incidente processual da fase executiva de um processo sincré-tico, não levando à instauração de processo autônomo (o que a distingue dos embargos do executado)."3 Para outros doutrinadores, a impugnação tem natureza jurídica de defesa e de ação: "Defesa porque constitui meio pelo qual o devedor, na própria relação processual, opõe resistência ao modo e aos limites da execução. Ação porque, embora incidental, veicula pretensão declara-tória ou desconstitutiva. O devedor-impugnante, por meio do incidente, visa a declaração de inexistência da citação, o que acarreta a desconstituição do título exequendo; a declaração de inexigibilidade do título, de ilegitimidade das partes ou da prescrição da pretensão de obter o cumprimento; podendo visar também desconstituição da execução na parte que caracteriza excesso, bem como da avaliação ou penhora. Com relação à impugnação, até em razão da celeridade processual, creio que deve preponderar a natureza jurídica de ação."4

Pela estrutura atual do processo civil, os embargos do executado estão restritos à execução civil lastre-ada em título extrajudicial (art. 736, CPC) e à execução contra a Fazenda Pública (art. 741).

No processo do trabalho, de acordo com Gustavo Filipe Barbosa Garcia5, "parte da doutrina já entendia que os embargos na execução trabalhista não resultam em processo dotado de plena autonomia. Francisco Antonio de Oliveira defende até mesmo que: 'os embargos no processo do trabalho não têm a dignidade de verdadeira ação, mas de simples pedido de reconsideração'. Mesmo se reconhecermos a natureza jurídica de ação judicial dos embargos do executado, é corrente entender-se, no direito processual do trabalho, que se trata de ação meramente incidental à execução, sem dar origem a processo autônomo (tal como, na fase de conhecimento, ocorre com a ação declaratória incidental e a reconvenção)."

Para outros, os embargos à execução, dentro da processualísti-ca laboral, possuem a natureza de um incidente na fase de execução, sem se cogitar da natureza de ação. Vale dizer, não se reputam os embargos uma ação autônoma. Trata-se de uma impugnação oposta pelo devedor em relação ao credor.

Na opinião de Mauro Schiavi, "A doutrina trabalhista buscava a

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natureza jurídica dos embargos à execução como ação autônoma no Direito Processual Civil, não obstante, sempre foi dominante na doutrina trabalhista que a execução trabalhista não era um processo autônomo e sim fase do processo. Além disso, no Processo do Trabalho, os embargos à execução, em razão dos princípios da celeridade e processual, sempre foram opostos por petição nos próprios autos do processo e nele processados. Sob outro enfoque, o § Io do art. 884, da CLT alude à matéria de defesa que pode ser invocada nos embargos, o que denota não ter os embargos natureza jurídica de ação autônoma e sim de impugnação"6.

Ao analisarmos as matérias de defesa do art. 741 do CPC e as previstas no art. 475-L, encontramos como diferenças: (a) o art. 475-L não inclui, como matéria da impugnação, a "cumulação indevida de execuções"; (b) por outro lado, o art. 475-L inseriu a temática da "penhora ou avaliação errônea"; (c) o art. 475-L não prevê o manejo da incompetência, impedimento ou suspeição, como ocorre no inc. VII do art. 741.

Apesar da CLT não ser omissa às matérias dos embargos do devedor (art. 884, § Io), a maior parte dos doutrinadores7 entende que são aplicáveis ao processo trabalhista as hipóteses previstas no processo civil: "A praxe, mais sábia do que o legislador, vem permitindo que o embargante alegue matéria não relacionada no art. 884, § Io, da CLT, mas de alta relevância para o processo e para o próprio Judiciário. O que se pode admitir é que, para efeito de matérias a serem alegadas pelo devedor, em seus embargos, haja conjugação dos arts. 741, 745 e 475-L, do CPC, embora este último diga respeito à impugnação de que fala o art. 475-J, § Io. Conquanto essa impugnação seja inadmissível no processo do trabalho, o art. 475-L poderia ser aplicado, apenas, com vistas às matérias que poderiam ser alegadas nos embargos à execução trabalhistas."8

Na visão de Mauro Schiavi: "Pensamos, conforme já sedimentado na doutrina, que o rol do § Io do art. 884, da CLT não é taxativo. Acreditamos que o referido dispositivo legal não veda que as matérias que o juiz possa conhecer de ofício possam ser invocadas, como os pressupostos processuais e as condições da ação, e também as matérias previstas na impugnação do Processo Civil desde que não acarretem demora no curso do processo. Se hoje a jurisprudência trabalhista admite que tais matérias possam ser invocadas por meio da exceção de pré-executividade, não há razão para que não admiti-las nos embargos."9

Com a Lei 11.382/06, no processo civil, para as execuções de títulos extrajudiciais, os embargos do executado não mais necessitam de penhora, depósito ou caução (art. 736, caput), mas continuam a ser distribuídos por dependência, com autuação em apartado e instruídos com as cópias das peças processuais relevantes, as quais poderão ser consideradas autenticadas na forma do art. 544, § Io, do CPC (art. 736, parágrafo único).

No processo do trabalho, os embargos do devedor tramitam nos autos da ação trabalhista.

3. Objeto

Na CLT, a matéria de defesa nos embargos do devedor é restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida (art. 884, § 1o, CLT).

No processo trabalhista, as matérias dos embargos do devedor não podem ficar restritas às hipó-teses anteriormente mencionadas. Quando a execução estiver fundada em título executivo judicial, deve-se conjugar o art. 841, § Io, da CLT com o disposto nos arts. 741 e 475-L do CPC10:

  1. cumprimento da decisão ou do acordo - quando o devedor cumpriu a obrigação, não é possível o prosseguimento da execução. A comprovação não necessita ser documental (art. 884, § 2o, CLT). Essa hipótese é relativa a fatos posteriores à constituição do título executivo judicial, pois, na execução, não se pode discutir matéria exaurida na ação de conhecimento (art. 879, § 1o) (art. 884, § 1o, CLT; arts. 741, VI, e 475-L, VI, CPC);

  2. quitação da dívida - é o ato pelo qual alguém se desobriga de pagar o que deve (arts. 319 ss., CC). Pode originar-se de diversas formas, inclusive com o pagamento da dívida ou o cumprimento da obrigação. O devedor poderá alegar a quitação, desde que seja superveniente11 à constituição do título executivo judicial (art. 879, § 1o, CLT); (art. 884, § 1o, CLT; arts. 741, V,e 475-L, VI, CPC);

  3. prescrição da dívida - é o caso da prescrição intercorrente12 (art. 884, § 1o...

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