O método do constructivismo lógicosemântico e a linguagem em fernando pessoa: um encontro possível

AutorMantovanni Colares Cavalcante
Páginas529-550
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O MÉTODO DO CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-
SEMÂNTICO E A LINGUAGEM EM FERNANDO
PESSOA: UM ENCONTRO POSSÍVEL
Mantovanni Colares Cavalcante1
“Não conhecemos senão as nossas sensações. O universo é pois um
simples conceito nosso.”
Fernando Pessoa (Textos Filosóficos.
Lisboa: Ática, 1968. v. II, p. 181)
Sumário: 1. Direito, Literatura e uma promessa de significado. 2. O constructi-
vismo lógico-semântico. 3. A Literatura e o Direito. 4. Lições de Fernando Pessoa
que ajudam a compreender o fenômeno do constructivismo lógico-semântico.
1. Direito, Literatura e uma promessa de significado
Inaugura-se este texto com um destaque literário de Fer-
nando Pessoa. O objetivo inicial é evidente, qual seja, o de
1. Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestre
pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Membro do Instituto Brasileiro de Di-
reito Processual (IBDP), Professor de Direito Processual da UFC, Professor Confe-
rencista do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), Juiz de Direito de
Vara da Fazenda Pública.
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CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO
VOLUME III
chamar a atenção do leitor por meio de uma frase de efeito.
Respinga-se na aridez de determinado tema técnico-jurídico
a bendita água do lirismo.
Entretanto, por detrás desse adorno, há um aspecto sim-
bólico latente. Inserir narrativas literárias num texto jurídico
viabiliza a fixação do Direito e da Literatura no solo do conhe-
cimento, como se fossem dois eixos em derredor dos quais as
ideias podem gravitar, ideias essas aparentemente isoladas,
por pertencer a mundos diferentes, mas que acabam por girar
conjuntamente ao redor de ambos os eixos, facilitando a com-
preensão de determinado assunto.
Afora essa simbologia, quando se elege uma frase-síntese
literária na apresentação de um texto jurídico, firma-se uma
promessa de significado, característica comum às narrativas
literárias e às jurídicas.
A expressão promessa de significado foi utilizada por José
Calvo González, em obra extremamente relevante nesse cam-
po de estudo da intersecção entre o Direito e a Literatura2, ao
se referir à evolução da Justiça no correr da história.
Em certo momento da sociedade o que prevalecia era a
utilização da Justiça como instrumento de vingança, daí que
a preocupação com a forma e a narrativa de um processo judi-
cial era algo irrelevante3. Quanto mais rápido se chegasse ao
2. GONZÁLEZ, José Calvo. El escudo de Perseo: la cultura literaria del derecho.
Granada: Comares, 2012.
3.
John Gilissen lembra que os mais antigos documentos de natureza jurídica apare-
cem por volta de três mil antes de nossa era, no Egito e na Mesopotâmia, sendo que o
Código de Hammurabi (cerca de 1694 antes de Cristo) previa a pena de morte para
quem acusasse injustamente alguém de homicídio, e também se estipulava ali pena de
mutilação para o filho que agredisse o pai, além de autênticas vinganças como forma
de punição (se alguém vazou um olho de um homem livre, ser-lhe-á vazado o olho; se
ele partiu um osso de um homem livre, ser-lhe-á partido um osso), de modo que fica
evidente o sentido de vingança no Direito, embora o Código de Ur-Nammu (cerca de
2040 antes de Cristo), o mais antigo código conhecido, estipulava pena de ressarcimen-
to em “dinheiro” (siclos de prata) no caso de lesão praticada contra outrem (GILIS-
SEN, John. Introdução histórica ao direito. 3. ed. Tradução A. M. Hespanha e L. M.
Macaísta Malheiros. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p. 64-66).

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