Há mesmo um surto de garantismo?

AutorRômulo de Andrade Moreira
CargoProcurador de justiça do MPBA
Páginas11-12
TRIBUNA LIVRE
11
REVISTA BONIJURIS I ANO 30 I EDIÇÃO 654 I OUT/NOV 2018
Nesse caso, o benef‌iciário não
pode ser cobrado diretamente
pelos serviços médicos, devendo
a seguradora arcar com os cus-
tos de honorários médicos di-
retamente perante o respectivo
prestador, pois, repita-se, não é
possível dissociar o serviço hos-
pitalar do serviço do prof‌issio-
nal médico.
É preciso ponderar que o be-
nef‌iciário optou por determina-
do seguro-saúde mais oneroso
justamente porque detém deter-
minados hospitais em sua rede
referenciada, donde poderá uti-
lizar serviços médicos sem sur-
presas f‌inanceiras. Logo, não é
crível nem legal receber cobran-
ças particulares decorrentes de
tais atendimentos, que, na ver-
dade, devem ser integralmente
cobertos diretamente pela segu-
radora.
Aliás, a abusividade de tal
conduta foi recentemente reco-
nhecida na ação judicial 1109134-
77.2016.8.26.0100, que tramitou
perante a 37ª Vara Cível do Foro
Central de São Paulo, em que
foi parte a seguradora Bradesco
Saúde e cujo objeto recaiu sobre
cobrança de honorários médicos
realizada pela Associação dos
Médicos do Hospital Israelita Al-
bert Einstein.
n
FERNANDO BIANCHI
Advogado. Membro das Comissões de
Direito Médico e de Estudos de Planos
de Saúde da .
Rômulo de Andrade MoreiraPROCURADOR DE JUSTIÇA DO MPBA
HÁ MESMO UM SURTO DE GARANTISMO, SENHOR MINISTRO?
No último dia 14 de
junho, por maioria
de votos, o plenário
do Supremo Tribu-
nal Federal decla-
rou que a condução
coercitiva de réu ou
investigado para
interrogatório, permitida pelo
artigo 260 do Código de Processo
Penal, não foi recepcionada pela
Constituição Federal. A decisão
foi tomada no julgamento das ar-
guições de descumprimento de
preceito fundamental 395 e 444.
Adotou-se o entendimento
segundo o qual a condução co-
ercitiva “representa restrição à
liberdade de locomoção e viola a
presunção de não culpabilidade,
sendo, portanto, incompatível
com a Constituição Federal”.
Pela dicção do plenário, “o
agente ou a autoridade que de-
sobedecerem à decisão poderão
ser responsabilizados nos âm-
bitos disciplinar, civil e penal.
As provas obtidas por meio do
interrogatório ilegal também
podem ser consideradas ilícitas,
sem prejuízo da responsabilida-
de civil do Estado.”
Obviamente que decidiu
acertadamente o Supremo Tri-
bunal Federal, pois como
escrevemos algumas vezes, o
artigo 260 do Código de Proces-
so Penal não foi recepcionado
pela nova ordem constitucional,
pouco importando, ressalte-se,
ter havido prévia notif‌icação do
investigado ou do acusado. Este
fato não tem a menor relevância
frente ao direito constitucional
ao silêncio e ao direito conven-
cional de não produzir prova
contra si mesmo. Não tem nada
a ver uma outra com outra coi-
sa! Aqui, confundem-se alhos
com bugalhos ou, como diriam
os espanhóis, “confundió peras
con manzanas.
Nada obstante, chamou a
atenção a seguinte af‌irmação
do ministro Roberto Barroso, do
alto de sua f‌ina erudição e com
a sua peculiar e indelével pose
ascética:
“Quando juízes corajosos co-
meçam a delinear direito penal
menos seletivo há um surto de
garantismo.”
Bem, eu imagino que, ao se
referir a “juízes corajosos”, o mi-
nistro não tenha feito alusão a
magistrados arbitrários e ines-
crupulosos; recuso-me a acre-
ditar em hipótese tão absurda,
af‌inal de contas trata-se de um
reconhecido constitucionalista
brasileiro, avesso, portanto (su-
põe-se), a tais juízes.
É bem verdade que, aparente-
mente, vivemos tempos festivos,
tempos de decisões judiciais ati-
vas, de protagonismos judiciais,
mas não esqueçamos a lição de
Guy Debord:
Rev_BONIJURIS__654.indb 11 13/09/2018 15:56:10

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