Mesa expositiva (C) - Processo administrativo judicial e tributário

AutorJuliana Furtado Costa
Páginas82-107

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Ação Rescisória, Coisa Julgada e Segurança Jurídica

PROF. HELENO TORRES - [Texto sem

Revisão do Autor] Bom dia a todos! Eu quero, antes de mais nada, saudar esta Mesa de amigos, na presença da Dra. Juliana. Mas também o faço à Profa. Mary Elbe, ao meu caro amigo Cristiano Carvalho, ao Dr. Fábio Soares de Melo e a todos os Srs. E é uma satisfação realmente muito grande me dirigir a esta plateia tão seleta deste Congresso fundamental que é o Congresso do IDEPE. E não poderia também ter motivo maior de satisfação do que prestar aqui, também, de público, uma homenagem ao nosso Prof. Aires Barreto, Presidente deste Instituto, e a toda a Diretoria do IDEPE. Realmente, é um Instituto importante, fundamental, como que alma mater da doutrina de direito tributário do Brasil.

Nós temos um tema bastante amplo, envolvendo "Ação Rescisória, Coisa Julgada e Segurança Jurídica". E, obviamente, o tempo é muito curto. Nós precisaríamos, de fato, nos ater, aqui, a aspectos fundamentais, aqueles que são hoje, talvez, os de maior relevância no trato das questões pertinentes à segurança jurídica e à coisa julgada. Sem dúvida, pelo menos nos últimos 10 anos as relações tributárias tornaram-se extremamente complexas. Houve, indiscutivelmente, um aumento muito grande de questões que chamaram ou demandaram um regresso à velha doutrina daquilo que era, talvez, o mais pleno e absoluto momento pacífico do Direito, que era a garantia da coisa julgada. Sobre a segurança jurídica eu diria aos Srs. que há um artigo magnífico de Paulo de Barros Carvalho que está publicado na Revista de Direito Tributário, e também no Curso de Direito Constitucional Tributário do Prof. Roque Carrazza há um capítulo importantíssimo sobre segurança jurídica, e numa obra magnífica da Profa. Misabel Derzi sobre modificações da jurisprudência. E em todos estes e outros autores que têm escrito sobre segurança jurídica nós vamos encontrar sempre aquela visão superna da segurança jurídica como um grande princípio, o princípio que forma todos os demais, e, obviamente, aquela tríade do direito adquirido, do ato jurídico perfeito, da coisa julgada, proteção com garantia que sequer a lei pode prejudicar. Obviamente, em todos esses domínios a segurança jurídica aparece como força imanente do ordenamento, como aquela esfera, na visão de Carlos Cossio, que toca o ponto de um plano, que é o plano da realidade, mas sobre aquele ponto incide todo o ordenamento jurídico. E, necessariamente, nesta visão ampla, a

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segurança jurídica sempre foi vista como um princípio fundamental.

Nos tempos mais recentes tivemos que aprofundar estudos sobre segurança jurídica, por entender que, dada a complexidade do ordenamento, dado o aumento da legislação, dadas as dificuldades de aplicação, era necessário entender que a segurança jurídica não se dá apenas ou não se concretiza apenas no plano da certeza do direito, mas que se amplia, e hoje nós observamos que o conteúdo da segurança jurídica não é só a certeza jurídica para o passado ou os simples estabelecimentos de leis para o presente, mas é, também, a confiabilidade na manutenção desse direito para o futuro, a estabilidade do ordenamento. E tudo isso gerando um efeito de proteção, de confiança, em todos os cidadãos. Então, alegar a segurança jurídica não é alegar uma panaceia. Alegar a segurança jurídica é alegar o reconhecimento das instituições jurídicas funcionando, gerando confiança no ordenamento. Ter direito a um direito seguro é, indiscutivelmente, um dos grandes efeitos do chamado Estado Democrático de Direito.

No que concerne à segurança jurídica, hoje, há diversas correntes - e não vamos, aqui, tecer todas elas, mas uma, em particular, nos leva a refiexões que são justamente esse subdomínio do estudo da coisa julgada. A coisa julgada, em face da declaração de inconstitucionalidade, especialmente no campo das decisões em controle concentrado de constitucionalidade; a coisa julgada em face das mutações de jurisprudência naquelas decisões em recurso extraordinário, ou mesmo o papel da rescisória em face da coisa julgada. Essas são as grandes questões que, hoje, são postas para saber até que ponto esses controles de constitucionalidade, seja o controle concentrado ou o difuso, podem afetar a coisa julgada em relação ao passado, e qual o impacto da coisa julgada em relação ao futuro, especialmente no pertinente às chamadas relações tributárias continuativas.

E aí se apresenta também uma preocupação com a procedimentalidade. Ou seja: essas regras específicas, onde os procedimentos devem ser seguidos e se verifica claramente, especialmente a partir de um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional sobre uma discussão importantíssima, se seria necessária a adoção do procedimento de revisão de coisa julgada do Código de Processo Civil ou bem se este procedimento poderia ser superado nos casos de decisões de controle de constitucionalidade, dada a mutação específica da situação jurídica correspondente.

Vamos pontuar, aqui, alguns aspectos também de grande relevo. Primeiro, coisa julgada, para o contribuinte, tem proteção de direito fundamental. A coisa julgada, para o Estado, a coisa julgada em favor do Estado, não tem força, eficácia, de direito fundamental. São coisas diferentes.

Tratando-se de direito fundamental, temos que identificar seu núcleo essencial. A doutrina mais recente de direitos fundamentais orienta a uma metodologia de como lidar com direitos fundamentais. Não essa tolice entre discussões um tanto superficiais, sobre se determinada norma é regra, é princípio, isso é pura forma. Não. O que se tem que estudar é: qual é o conteúdo do princípio? Estamos a falar de uma garantia, estamos a falar de um direito fundamental Como proteger o direito fundamental e os valores veiculados por cada norma jurídica, isso, sim, é o fundamental. E só no processo hermenêutico, onde a metodologia apresenta-se, do início ao fim, coerente com os grandes fundamentos do ordenamento, é que se pode chegar a tanto.

Direitos fundamentais não são ilimitados. Nenhum direito é ilimitado. Eles, obviamente, contemplam certos limites imanentes. Este é o grande papel da jurisprudência de um Tribunal como o STF: estabelecer esses limites imanentes. E, sendo a coisa julgada um direito fundamental, também sobre a coisa julgada torna-se cabível verificar a possibilidade

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de restrições. Quais são os limites dessas restrições? Então, nós temos restrições que são constitucionais e temos restrições legais. Mas, para controlar as restrições a direitos fundamentais, a jurisprudência do Tribunal alemão e a do Tribunal europeu criaram um chamado princípio de proporcionalidade, onde se verificam três critérios básicos: a necessidade, a relação entre meio e fim, do meio da restrição e o fim entendido por essa restrição, a afetação disso sobre esse direito fundamental e a proporcionalidade, propriamente dita.

Mas, sem dúvida alguma, esse controle de proporcionalidade - que o Tribunal alemão sequer aplicou até hoje - está na doutrina, mas não está presente, vamos dizer assim, na prática do nosso STF. E, aí, precisamos, então, definir o âmbito normativo da coisa julgada. Ora, ao definirmos o âmbito normativo da coisa julgada, do princípio da coisa julgada no direito constitucional brasileiro, a coisa julgada aparece justamente no capítulo dos direitos e liberdades fundamentais - para o cidadão, não para o Estado. A eficácia de coisa julgada para o Estado é uma eficácia decorrente da imutabilidade de sentença, e ponto. Ela não tem a força de direito fundamental. Por isso, obviamente, esse efeito, essa garantia de imutabilidade e irrevisibilidade da decisão judicial, aplica-se tanto ao Estado quanto ao contribuinte. A vedação à eternização dos litígios também.

Mas não é exatamente aí onde se coloca ou se insere o problema da coisa julgada, diferente daquela entre Estado e contribuinte. É a natureza de ser direito fundamental essa coisa julgada do contribuinte. Por isso que a coisa julgada em favor do contribuinte, com esse efeito de direito fundamental, não pode sofrer restrição. Não pode sofrer restrição por lei, não pode sofrer restrição por atos administrativos, não pode sofrer restrição sequer pelo próprio tribunal, exceto naquilo que concerne efetivamente à ação rescisória, ao cabimento, dentro do devido processo legal, do que é possível de limitar ou de reduzir os efeitos ou até mesmo de extinguir os efeitos da coisa julgada. Ou seja: dentro do prazo de ação rescisória, até que a coisa julgada formal assuma as condições de coisa julgada material. Por isso essa necessidade de proteção da confiança sobre a coisa julgada é de extremo relevo no ordenamento jurídico do nosso País, do nosso ordenamento, como garantia de proteção ao direito fundamental do contribuinte.

Se é assim, temos que fazer, então, essa diferenciação sistêmica. A coisa julgada para o Estado é um efeito, portanto, de norma processual. E ainda garantido por alguns privilégios da Administração Fazenda Nacional 492/2011, onde, de fato, são postas algumas opiniões - porque a Procuradoria-Geral litigiosidade; ou seja: não é um Estado-juiz, não é um Estado-legislador.

Então, já que existem essas tentativas de limitação ao direito fundamental, nós precisaríamos entender quais são as justificativas, os fundamentos, de um ativismo judicial, de uma relativização da coisa julgada, do chamado tratamento da coisa julgada inconstitucional, do uso exagerado de efeitos de precedentes, especialmente aqueles do STF, para modificar ou pretender alterar a aplicação da coisa julgada em relação às decisões do passado, especialmente.

Esses modelos, o que eles visam não é outra coisa senão a atacar aquilo que é fundamental na teoria da coisa...

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