'Memórias' de políticos brasileiros: produção escrita, gestão de imagens e 'teorizações' nativas do jogo político

AutorIgor Gastal Grill
CargoProfessor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e do Departamento de Sociologia e Antropologia Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luís, Brasil. Coordena o Laboratório de Estudos sobre Elites Políticas e Culturais ? LEEPOC. É autor de artigos publicados nas revistas Sociologia e Política, Dados, Antropolítica, Revista de Ci...
Páginas11-40
Política & Sociedade - Vol. 11 - Nº 22 - Novembro de 2012
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“Memórias” de políticos brasileiros:
produção escrita, gestão de imagens e
“teorizações” nativas do jogo político
Igor Gastal Grill1
Resumo
O artigo apresenta resultados de uma pesquisa mais ampla sobre a atividade da escrita (livros
de memórias, ensaios, análises, romances, etc.) entre prof‌issionais da política no Brasil. O foco
privilegiado aqui são as memórias produzidas por deputados federais e senadores que atuaram
ou atuam no Congresso Nacional. Instrumento do trabalho simbólico de autoapresentação, de
construção da própria imagem e de administração das identidades estratégicas, os relatos anali-
sados f‌ixam modalidades de eventos valorizados, de entradas na política e de demarcação do es-
paço dos especialistas da representação política. O corpus permite ainda examinar as teorizações
nativas fornecidas pelos parlamentares em torno das regras, papéis e def‌inições concorrentes
relativos ao jogo político. Do mesmo modo, possibilita a comparação entre momentos históricos,
contextos regionais e padrões de institucionalização da vida política.
Palavras-chave: Memória. Prof‌issão política. Elite. Identidades estratégicas. Institucionalização.
1. Introdução
A produção de “memórias” é um dos tipos de empreendimentos de escri-
ta a que se dedicam políticos prossionais e se constitui num universo de aná-
lise particularmente privilegiado para a apreensão de estratégias e princípios
de armação e hierarquização do mundo político em diferentes condições his-
tóricas e regionais. Adiciona-se às potencialidades especícas da reexão em
1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e do Departamento de Sociologia e Antropologia
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luís, Brasil. Coordena o Laboratório de Estudos sobre
Elites Políticas e Culturais – LEEPOC. É autor de artigos publicados nas revistas Sociologia e Política, Dados,
Antropolítica, Revista de Ciências Sociais, Sociologias, entre outras, do livro “Heranças políticas” no Rio
Grande do Sul (2008) e organizador das coletâneas Elites, Prof‌issionais e Lideranças Políticas (2008) e Eleições
Municipais no Maranhão (2010) pela Edufma. E-mail: igorgrill@terra.com.br.
“Memórias” de políticos brasileiros: produção escrita, gestão de imagens e “teorizações” nativas do jogo político | Igor Gastal Grill
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torno desta fonte-objeto, a possibilidade de dar sequência às investigações so-
bre especialização política que vêm sendo realizadas a partir do estudo de duas
congurações regionais: Rio Grande do Sul e Maranhão. Essas pesquisas apor-
tam sobre as origens sociais, as carreiras e as concepções sobre o métier políti-
co, por meio do exame de entrevistas em profundidade, biograas e autobio-
graas ou “memórias” relativas a parlamentares eleitos no período 1945-2010
nos dois estados (GRILL, 2008; 2009).
A discussão aqui apresentada se centra nas “memórias” produzidas por ocu-
pantes de cargos eletivos que atuaram politicamente no referido período. O ma-
terial reunido em momentos anteriores, e que serviu como fonte de informação
fértil, é agora objeto de um exame muito mais detalhado e minucioso, desve-
lando as lógicas de produção e as estratégias de comunicação inscritas nas pró-
prias fontes. Para demonstrá-las são examinadas quatro “memórias” exemplares
de políticos que protagonizaram disputas eleitorais em dois períodos distintos
(1945-1970 e 1965-2010) e em duas congurações regionais com característi-
cas bastante discrepantes (MA e RS).
Inicialmente, é importante ressaltar que se referem a “lugares privilegiados
de observação das estratégias simbólicas [...] de gestão da identidade estraté-
gica” (NEVEU, 1992, p.8), ou seja, constituem-se em instrumentos de admi-
nistração das etiquetas, marcas, enm, modos de existência pública múltiplos,
contraditórios, amalgamados que formam a(s) identidade(s) incessantemente
construída(s), redenidas, associadas aos políticos, e reivindicadas por esses
“empreendedores em representação” (COLLOVALD, 1988, p.29). Além de
um gênero em que “falar de si” envolve “lapidar a imagem”, mediante o qual
a leitura retrospectiva das ações não está governada pela tática prospectiva da
luta eleitoral ou das batalhas políticas mais imediatas, mas pelo zelo com a
própria “imagem” a ser transmitida (LE BART, 1998). Com a especicidade
de ser uma modalidade de autoapresentação espontânea (não provocada pelo
pesquisador) ou negociada com um jornalista-editor que desfruta da conan-
ça e cumplicidade com o narrador (mais ou menos conduzida por um ou
por outro). Dito de outro modo, examinam-se relatos que estão diretamente
ligados à vontade do autor em tomar a palavra publicamente, o que implica se
sentir autorizado social e politicamente e possuir ou acreditar possuir compe-
tência linguística e intelectual para tal empreendimento. Isso está diretamente
ligado à capacidade de tomar um mínimo de distância do que é relatado, de

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