Memória e democracia: o papel da memória na (re)construção da Democracia brasileira
Autor | Denise Friedrich |
Ocupação do Autor | Doutorando do PPGD da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC |
Páginas | 39-68 |
39
MEMÓRIA E DEMOCRACIA:
o papel da memória na (re)construção
da Democracia brasileira
DENISE BITTENCOURT FRIEDRICH1
Introdução
O trabalha que por ora se apresenta, irá fazer um analise do papel
da memória na democracia, especialmente no caso brasileiro que teve um
grande lapso de tempo no qual a democracia foi, total ou parcialmente,
suspensa.O país está atravessando um momento peculiar na sua história:
após anos de regime de exceção democrática o Brasil foi um dos únicos
da América Latina que não promoveu a Justiça de Transição2. Importa ao
presente trabalho a questão da memória, que é um dos pilares da justi-
ça de transição, ao lado da apuração da verdade, reforma das instituições
democráticas e responsabilização civil, penal e administrativa. Com isso
delimita-se o tema proposta à memória, mas sem ignorar e desprezar os
demais pilares da Justiça Transicional.
Porém o que será apresentado não é a memória como uma simples
prática de “lembrar-se de algo”. Depende sim de um trabalho de busca e de
narração no sentido que a teoria do discursa utiliza a narração. O trabalho
de memória cabe ao Estado promover, e buscar a participação do maior
1 Doutorando do PPGD da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.
2 È um modelo de justiça de natureza não jurisdicional, que visa investigar crimes cometi-
dos em regimes autoritários. A expressão “transição” se justica pois este modelo de justiça
é instaurado em período de transição entre regimes autoritários para regimes democrático.
3
DIREITO MEMÓRIA E VERDADE: trajetórias democráticas
40
número possível dos cidadãos. A memória tem um papel fundamental na
forma como o Estado se relaciona com seus cidadãos, e vice-versa, pois por
meio dela que as identidades individuais e coletivas são constituídas.
O modelo de democracia deliberativa acredita que a democracia é
pedagógica e emancipatória, na medida em que não é vista apenas como a
forma que os indivíduos buscam a própria felicidade (democracia liberal),
tampouco apenas uma forma legitimar alguém a exercer o poder político
(democracia representativa).
O que se quer defender é que a memória pública, tão importante
para a identidade de uma povo e para prevenir violações a Direitos Huma-
nos, seja construída por um método discursivo, num ambiente democráti-
co norteado pela razão comunicativa. Para tanto, primeiro será apresentada
a memória em Paul Ricoeur. A seguir se deterá nos modelos de democracia
mais tradicionais, o liberal e o republicano ou representativo, para compa-
rá-los com a proposta de democracia deliberativa. E por último, apresentar
em que sentido memória coletiva se presta a fortalecer a democracia deli-
berativa e vice-versa.
1 – A memória em paul Ricoeur
O lósofo Frances Paul Ricoeur, na obra A memória, a história, o
esquecimento, faz uma abordagem da fenomenologia da memória, que co-
loca a memória diante das diculdades da linguagem comum, por isso visa
apresentar os fenômenos que no discurso comum, no discurso da vida são
atribuídos à memória. Destaca o autor que a memória é a única forma de
ter acesso ao passado, por isso pretende-seque ela seja el ao passado3. O
esquecimento para ele não é uma patologia da memória, mas o “avesso de
sombra da região iluminada da memória”4.
O autor trabalha a memória a partir de dois paradigmas: ele aborda a
memória sob suas investidas bem sucedidas, e esboça uma fenomenologia
3 RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain Francois.
Campinas: Editora Unicamp, 2007. A memória refere-se a fatos reais que Ricoeur chama de
“ambição veritativa da memória”, diferentemente da imaginação que pode se referir tanto ao
irreal, ao ctício, mas também ao real, pois as lembranças (acontecimentos reais do passa-
do) muitas vezes vem a memória por meio de imaginação.
4 Ibidem, p. 40.
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO