Memória do curso de Teoria do Estado Democrático
Autor | Mario Brockmann Machado |
Páginas | 7-27 |
MEMÓRIA DO CURSO DE TEORIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO
MARIO BROCKMANN MACHADO1
1. Introdução
Este é um depoimento sobre minha experiência de cinco anos com o curso de
Teoria do Estado Democrático, lecionado para alunos do primeiro período da
FGV Direito Rio.
De comum acordo com o diretor da Escola, professor Joaquim Falcão, o
curso de ciência política foi pensado, desde o início, em torno do tema da de-
mocracia. Democracia não apenas como objeto de estudo, mas também como
valor a ser transparentemente defendido. A objetividade e o equilíbrio deveriam
ser buscados ao longo de todo o curso, mas o ponto de partida deveria ser um
argumento sobre a democracia como forma historicamente superior de orga-
nização da vida política das sociedades modernas. Essa forma, sem dúvida, não
se caracteriza por um conjunto xo e nito de instituições políticas, e nem é
uma obra pronta e acabada. Ao contrário, seria necessário chamar a atenção dos
alunos para o fato de que a democracia está sempre em construção e que todos
são chamados a dela participar, direta ou indiretamente.
Mesmo sabendo que o conceito de democracia não possui um signi cado
consensual, é possível trabalhar com uma de nição minimalista, tal como pro-
posta por Robert Dahl: governantes eleitos; eleições periódicas, livres e limpas;
liberdade de expressão, informação e organização; e sufrágio universal. Muitos
outros critérios podem ser acrescidos, sendo isso parte fundamental das discus-
sões a serem mantidas com os alunos.
Neste texto, abordarei, prioritariamente, aspectos pedagógicos do curso, mui-
to enfatizados pela direção da Escola. Ocorre que professores de pós-graduação
não se preocupam, em geral, com questões dessa natureza. Eles dão aulas, mandam
os alunos ler e avaliam seus trabalhos. Nos níveis fundamental e médio, ao contrá-
rio, há grande preocupação com temas de metodologia de ensino. O nível univer-
sitário de graduação está a meio-caminho, mais para a pós do que para a pré. Um
1 Professor titular da FGV Direito Rio.
8 CADERNOS DE DIREITO 2012
mérito da FGV Direito Rio foi explicitar a necessária preocupação que seu corpo
docente deve ter com essa matéria, inclusive oferecendo orientação prática. Tudo
isso acrescido da avaliação dos professores feita pelos alunos ao nal de cada curso.
Por oportuno, ressalto que, embora neste artigo tenha cometido algumas
liberdades, sou em geral bastante telegrá co em minha escrita, tão distante do
ensaísmo quanto possível. Sou dos que consideram um exagero escrever um li-
vro, quando o que nele está contido pode caber no âmbito de um artigo, o que é
quase invariavelmente possível. Publica-se em excesso. Antes, lia-se e re etia-se;
hoje, consome-se e descarta-se (destino provável também deste texto...).
Com essa introdução, passo a esclarecer aspectos formais do curso, resu-
mindo, ao nal, o seu programa.
2. Descrição do curso
O curso está dividido em três partes. A primeira oferece aos alunos um resu-
mo daquilo que é tradicionalmente tratado em Teoria Geral do Estado. Isso
representa apenas um terço do curso. A segunda, a mais importante, é sobre
democracia. Sobre democracia moderna. Embora eu dê aos alunos uma breve
noção de seus antecedentes históricos, em Atenas e Roma, ela é centrada na de-
mocracia dos séculos XX e XXI. A terceira e última parte é um exame de alguns
momentos marcantes da criação e recriação do Estado democrático no Brasil.
A natureza do curso é teórica. Não é um curso de história da democracia.
(Isso está disponível na internet, embora esta, se abusada, possa produzir resul-
tados desastrosos.) Dou uma única aula histórica em todo o curso, uma aula
sobre os acontecimentos de 1964 no Brasil, porque cou claro que os alunos
trazem informações precárias sobre aquela época. Esclareço que a questão da ob-
jetividade e da imparcialidade não pode ser tratada em termos de tudo ou nada.
É possível ser imparcial e objetivo em muitas situações, embora não em todas.
Mas é fácil detectar a doutrinação pura e simples. Assim pensando, escolhi, para
aquela aula, um historiador considerado bem-equilibrado, Boris Fausto, profes-
sor titular de história da USP, e utilizo seu livro de História do Brasil para tratar
do assunto. Afora isso, o curso é teórico, embora exemplos da realidade brasileira
sejam com frequência oferecidos para ilustrar os temas abstratos abordados.
3. Habilidades
O objetivo do curso é estimular o raciocínio abstrato dos alunos. Para tanto,
eles precisam desenvolver cinco habilidades. A primeira é a mais importante:
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