Memória e arquivo no caso dos ossos de Blumenau

AutorRicardo Machado
CargoDoutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Páginas115-137
115
Revista Esboços, Florianópolis, v. 18, n. 26, p. 115-137, dez. 2011.
DOI: 10.5007/2175-7976.2011v18n26p115
MEMÓRIA E ARQUIVO NO CASO DOS OSSOS DE
BLUMENAU
Ricardo Machado*
Resumo: Através de uma série de textos publicados pela imprensa escrita na cidade
de Blumenau sobre o translado dos restos mortais e construção de um mausoléu
em memória a Hermann Blumenau em 1974, busca-se problematizar as noções de
memória e arquivo. Após a publicação de uma carta questionando a legitimidade da
construção, há o aparecimento de uma longa polêmica que acabou envolvendo distintos
setores políticos da cidade e deu visibilidade para um conjunto de transformações
relacionadas a uma nova concepção de espaço urbano, seus investimentos políticos
sobre o passado e suas invenções identitárias. A germanidade que foi vista como um
problema de gestão para o nacionalismo getulista dos anos 1930 positivou-se nos
anos 1970 através da emergência de uma noção de cultura regional, a qual passou a
investir intensamente na sua relação com um passado. Assim, ao mesmo tempo em
que se vivenciou um período de investimento na construção de uma cidade marcada
pela memória, através da reivindicação do arquivo produziu-se dissenso a respeito do
passado e, com isso, colocou em disputa as possibilidades de futuro.
Palavras-chave: Mausoléu Dr. Blumenau. Memória. Arquivo. Cidade.
Abstract: Through the notion of memory and archive, we are going to discuss a series
of articles published by the press in 1974, about the remains and the construction
of a mausoleum in memory of Hermann Blumenau. After a letter questioning the
legitimacy of the construction, emerged a long polemic that involved distinct political
sectors of the city. It was given visibility to a set of transformations related to a
new conception of urban space, its politics investments in the past and the identity
inventions. The germanness that was seen as a problem for the Vargas nationalism in
the 1930s, were positivity in the 1970s through the emergence of a notion of regional
culture, wich started to invest in their relationship with a past.
Keywords: Dr. Blumenau Mausoleum. Memory. Archive. City.
* Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). E-mail: ricardomachado1982@gmail.com
116
Revista Esboços, Florianópolis, v. 18, n. 26, p. 115-137, dez. 2011.
O Mausoléu Dr. Blumenau é uma estrutura arquitetônica situada no
centro da cidade de Blumenau, em Santa Catarina. Foi inaugurado em 1974,
como principal monumento da cidade para celebrar o sesquicentenário da
imigração alemã no Brasil. Atualmente sua arquitetura é muito próxima
daquela idealizada quando da construção original: é austera, faz referência ao

um lugar de silêncio e tranquilidade.
Em seu interior, além do túmulo de Hermann Blumenau1 e de seus
familiares2
dado para a carta3 onde em 1884, o colonizador teria manifestado seu desejo
de ser sepultado em solo brasileiro. Mesmo situando-se integrado àquilo que
passou a ser concebido como centro histórico, poucas visitas são registradas
diariamente no livro de visitas do Mausoléu.
Sua tranquilidade só é quebrada anualmente, quando é celebrado o
aniversário da fundação da Colônia Blumenau. Todos os anos, desde 1974, nas
manhãs do dia 02 de setembro, no frontispício do mausoléu, acontece um grande
rito fúnebre em memória a H. Blumenau e à imigração alemã. A exaltação desta
memória reúne expressivas lideranças políticas, representantes de organizações
como Lions, Rotary, lojas maçônicas e grupos folclóricos. Apesar de público, o

instituições e poucos moradores da cidade. Curiosamente, estes eventos

família Blumenau), são na verdade a comemoração do aniversário da cidade. As

às representações do passado da cidade de Blumenau.
Sua arquitetura e seu silêncio ilustram de forma muito particular uma
relação entre cultura e política desenvolvida na região, e que transformou
profundamente a estrutura urbana da cidade e as subjetividades daqueles que
interagem com ela. Mas há outros ruídos que não são ouvidos por aqueles
que visitam o monumento e nem mesmo estão presentes nas suas incessantes
celebrações. Há ruídos que só podem ser ouvidos no silêncio do arquivo. É
sobre estes silêncios e ruídos que trataremos neste artigo.
Em seu Seduzidos pela Memória4, Andreas Huyssen, demonstra que
nas últimas décadas vivemos em uma sociedade impactada pelo o medo
do esquecimento. Isto implicou em um profundo investimento na memória

cotidiano das pessoas. Convivemos com a musealização das cidades, com
suas estratégias de culto de passados, produzidos e ritualizados em celebrações
públicas, nos meios de comunicação, nos deslocamentos turísticos. A presença
permanente em nosso vocabulário das palavras memória e patrimônio pode
ser lida como um sintoma de uma nova relação com o tempo, que para Hartog,

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT